quarta-feira, outubro 18, 2006

Sobre Mostra e Mostradores

A mesma praça, o mesmo banco...
De José Simão:

PIPOCA-CABEÇA! Mostra Internacional de Cinema! Maratona de filme-cabeça! E filme-cabeça geralmente é assim: um monte de gente pelada discutindo. E todo ano eu estréio a Mostra com as mesmas definições: Mostra é um filme estranho, falado numa língua esquisita, com uma história desconexa, visto por uma gente escalafobética.

A Mostra é assim: você passa duas horas em pé, esperando o filme começar, e duas horas sentado, esperando o filme terminar. E tudo em língua de país que não tem água potável! Rarará!

E eu adoro a Mostra porque você não encontra ninguém da Blockbuster. Aliás, duas pessoas que você não encontra nunca na Mostra: atendente da Blockbuster e cliente da Blockbuster. E uma amiga minha odeia a Mostra: “Se você me vir entrando na Mostra, pode chamar a polícia que é seqüestro”.

Em tempo: a 30ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (ufa! que nome comprido) estréia nesta sexta-feira, 20 de outubro, e vai até o dia 10 de novembro.

Certamente estarei lá para ver alguns filmes que me chamarem a atenção – isso se a exibição deles bater com os meus horários disponíveis (pois eu também tenho que ganhar o meu pão). O que eu não entendo são aquelas pessoas que procuram ver TODOS os filmes da Mostra (que são mais de 300), ou quase todos, ou uma quantidade muito grande que seja. Todos os anos circulam histórias de pessoas que fazem isso, eu mesmo conheço gente que vê cinco ou seis filmes por dia, nos finais de semana pelo menos.

Isso com certeza não funcionaria para mim. Não tenho a capacidade de assimilar e processar tantas obras cinematográficas em tão pouco tempo. E, sinceramente, acho que pouquíssimas pessoas têm – se é que isso é possível, afinal. Acredito no poeta José Paulo Paes, quem disse uma vez que a poesia é como uma “droga”: se você ingeri-la em quantidade pequena e controlada, ela lhe fará um grande bem; porém, se você exagerar a dose, ela se torna um veneno. Acho que essa analogia se aplica a todas as formas de arte e de entretenimento, sem deixar de lado o cinema.

Cada obra artística, especialmente as mais valiosas, requer um tempo e uma disposição de trabalho mental para ser apreciada adequadamente. Esse tempo, logicamente, extrapola aquele que levamos para ter o primeiro contato com ela (que é o tempo que nos toma ao ver um filme ou ler um livro). É o tempo da “pós-apreciação”, onde você vai “mastigar” e “digerir” aquela obra em seu íntimo, processá-la lentamente, talvez até sonhar com ela (uma amiga minha chegou a ter um pesadelo com o filme “A Cidade dos Sonhos”, na noite logo após assisti-lo pela primeira vez). Se a arte é um alimento para a alma, devemos logicamente conceder o tempo e o repouso necessário para digeri-lo; caso contrário, a indigestão será inevitável e aterradora.

Desse modo, acredito que, ao se assistir cinco ou seis filmes em um só dia, não se faz bem algum a si próprio nem à arte do cinema. Talvez se faça até um mal. Mas a raiz do problema está na “sociedade da informação” em que vivemos: uma quantidade impressionante de conhecimento se nos apresenta (de maneira às vezes impositiva: “decifra-me ou devoro-te”) numa velocidade muito veloz, e nós não temos tempo de assimilar adequadamente; tudo fica muito superficial e efêmero: “vi vários filmes na Mostra, mas, após algum tempo, já não me lembro exatamente de nenhum deles”. É a informação em detrimento da formação. Tem-se muito conhecimento e pouca sabedoria. Enfim, dá pra ir longe nesse assunto.

Para mim, seria preferível ter uma erudição bastante limitada – porém, sabendo bem e a fundo aquilo que eu conheço – do que ser um “homem-enciclopédia” que não vai além do “verbete”. Mas a escolha nem sempre se faz assim tão radical. Em certa medida, dá para unir a quantidade grande da informação à qualidade alta da apreensão dessa mesma informação. Devemos apenas saber que medida é essa, conhecendo os limites e evitando exageros – o que talvez já seja muito difícil, mas, enfim, deixa pra lá...

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