Adaptar para o cinema a obra literária de João Guimarães Rosa é uma das coisas mais difíceis que existem. Não apenas por causa de toda a inventividade lingüística do grande escritor mineiro, intraduzível para a linguagem audiovisual, mas, principalmente, por causa da alta temática mítica, mística e filosófica do autor de Sagarana.
O sertão de Rosa não é apenas aquele que todos conhecemos, dissecado geográfica e sociologicamente por Euclides da Cunha (Os Sertões) e Graciliano Ramos (Vidas Secas). Guimarães Rosa trata muito bem do “particular” do sertão: a paisagem, os tipos, as relações políticas, a vida e a cultura específicas do sertanejo – a obra de Rosa tem esse grande valor, essa contribuição para o registro e o estudo da brasilidade do sertão; contudo, o escritor vai muito além de tais questões “específicas”: em João Guimarães Rosa, o sertão também é palco de tragédias shakespearianas, de uma profunda reflexão filosófica e até mesmo mística sobre o homem e suas grandes questões – a “morte”, o “destino”, o “as contradições do amor”, o “diabo”, o “livre-arbítrio”, a “amizade”, a “paz” e a “guerra”, a “loucura”, a “iluminação interior”, a “memória”, a “busca” pela “verdade divina”, e muitos outros pontos que fazem a literatura roseana transcender para o “universal”. O próprio escritor confessa que tinha o objetivo de criar histórias que fossem “eternas”, que pudessem ser lidas no futuro distante sem perder o interesse geral.
As narrativas de Rosa tratam de todos esses grandes temas abstratos fazendo-os encarnarem em personagens e situações dotados de forte caráter mítico (o mito é a representação concreta de valores abstratos). Assim, a sua literatura não é apenas um documento sócio-histórico, ela é um “cosmo de mitos” (na acepção do crítico e historiador literário Alfredo Bosi). Suas histórias são estruturadas como fábulas e parábolas que sempre trazem alguma profunda mensagem de ordem filosófica.
Essa dimensão, que poderíamos chamar – a grosso modo – de “idealista”, é, obviamente, pouquíssimo estudada e valorizada no meio acadêmico, naturalmente preso ao “espírito” científico-intelectual de nossa época: essencialmente materialista. As inteligências desiludidas da modernidade e da pós-modernidade acham no mínimo “ingênua” a mera idéia de transcendência.
Os filmes que já se fizeram (pelo menos, os que eu conheço) sobre os livros de Guimarães Rosa também deixam-se contaminar por essa visão. A Terceira Margem do Rio (1994) – adaptação de alguns contos de Primeiras Estórias, do grande Nelson Pereira dos Santos, faz o ridículo desserviço de dar ares pitorescos ao conto A Menina de Lá, originalmente de uma profunda e comovente seriedade místico-filosófica. O diretor de Rio 40 Graus e Vidas Secas pode ser muito bom no estudo do “particular” que explicamos anteriormente; mas revelou tato e sensibilidade zero para representar o conteúdo “universal” de Rosa.
Ainda não tive, infelizmente, a oportunidade de ver A Hora e Vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, baseado no famoso conto homônimo, presente em Sagarana. Mantenho a esperança de que ele “entenda” melhor a obra original. Também não pude assistir a Outras Estórias (1999), de Pedro Bial – sim, ele mesmo, do “Fantástico” e do “Big Brother” –, outra fita inspirada por contos de Primeiras Estórias; coloco aqui também a mesma esperança.
Sagarana: O Duelo (1973), de Paulo Thiago, não é um filme ruim como o de Nelson Pereira dos Santos. A partir do conto de mesmo nome, o diretor não alça vôo tão alto como o de Guimarães Rosa, mas representa de maneira séria e respeitosa o drama dos personagens e a tragédia dos acontecimentos; o filme é veste-se de um tom poético que não faz feio perto do original.
O sertão de Rosa não é apenas aquele que todos conhecemos, dissecado geográfica e sociologicamente por Euclides da Cunha (Os Sertões) e Graciliano Ramos (Vidas Secas). Guimarães Rosa trata muito bem do “particular” do sertão: a paisagem, os tipos, as relações políticas, a vida e a cultura específicas do sertanejo – a obra de Rosa tem esse grande valor, essa contribuição para o registro e o estudo da brasilidade do sertão; contudo, o escritor vai muito além de tais questões “específicas”: em João Guimarães Rosa, o sertão também é palco de tragédias shakespearianas, de uma profunda reflexão filosófica e até mesmo mística sobre o homem e suas grandes questões – a “morte”, o “destino”, o “as contradições do amor”, o “diabo”, o “livre-arbítrio”, a “amizade”, a “paz” e a “guerra”, a “loucura”, a “iluminação interior”, a “memória”, a “busca” pela “verdade divina”, e muitos outros pontos que fazem a literatura roseana transcender para o “universal”. O próprio escritor confessa que tinha o objetivo de criar histórias que fossem “eternas”, que pudessem ser lidas no futuro distante sem perder o interesse geral.
As narrativas de Rosa tratam de todos esses grandes temas abstratos fazendo-os encarnarem em personagens e situações dotados de forte caráter mítico (o mito é a representação concreta de valores abstratos). Assim, a sua literatura não é apenas um documento sócio-histórico, ela é um “cosmo de mitos” (na acepção do crítico e historiador literário Alfredo Bosi). Suas histórias são estruturadas como fábulas e parábolas que sempre trazem alguma profunda mensagem de ordem filosófica.
Essa dimensão, que poderíamos chamar – a grosso modo – de “idealista”, é, obviamente, pouquíssimo estudada e valorizada no meio acadêmico, naturalmente preso ao “espírito” científico-intelectual de nossa época: essencialmente materialista. As inteligências desiludidas da modernidade e da pós-modernidade acham no mínimo “ingênua” a mera idéia de transcendência.
Os filmes que já se fizeram (pelo menos, os que eu conheço) sobre os livros de Guimarães Rosa também deixam-se contaminar por essa visão. A Terceira Margem do Rio (1994) – adaptação de alguns contos de Primeiras Estórias, do grande Nelson Pereira dos Santos, faz o ridículo desserviço de dar ares pitorescos ao conto A Menina de Lá, originalmente de uma profunda e comovente seriedade místico-filosófica. O diretor de Rio 40 Graus e Vidas Secas pode ser muito bom no estudo do “particular” que explicamos anteriormente; mas revelou tato e sensibilidade zero para representar o conteúdo “universal” de Rosa.
Ainda não tive, infelizmente, a oportunidade de ver A Hora e Vez de Augusto Matraga (1965), de Roberto Santos, baseado no famoso conto homônimo, presente em Sagarana. Mantenho a esperança de que ele “entenda” melhor a obra original. Também não pude assistir a Outras Estórias (1999), de Pedro Bial – sim, ele mesmo, do “Fantástico” e do “Big Brother” –, outra fita inspirada por contos de Primeiras Estórias; coloco aqui também a mesma esperança.
Sagarana: O Duelo (1973), de Paulo Thiago, não é um filme ruim como o de Nelson Pereira dos Santos. A partir do conto de mesmo nome, o diretor não alça vôo tão alto como o de Guimarães Rosa, mas representa de maneira séria e respeitosa o drama dos personagens e a tragédia dos acontecimentos; o filme é veste-se de um tom poético que não faz feio perto do original.
(continua no post abaixo)
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