Um daqueles fatos tristes que mostram o quanto o Brasil é subdesenvolvido e o quanto nós estamos longe dos grandes centros de cultura é não chegar até as terras tupiniquins certas produções essenciais do estrangeiro. Concentro-me aqui apenas no mercado de DVD’s: ainda existe muita coisa importante que não foi lançada aqui. Até mesmo (talvez principalmente) os filmes nacionais são programaticamente negligenciados pelos selos de “home vídeo”. Mas a análise desse problema fica para outro dia.
Um dos exemplos clássicos desse estado de coisas era o “não-lançamento oficial” de Farenheit 451 (Ingl., 1966, dir.: François Truffaut). Esse filme nunca havia sido lançado no Brasil nem em VHS. Apenas circulava entre os cinéfilos uma cópia (primeiro em VHS, depois em DVD) gravada do “Telecine” (canal de filmes da TV por assinatura), que de vez em quando exibia a obra – uma vez cheguei a assisti-la na Rede Globo (o “Telecine” é da rede “Globosat”, hoje “Net”), de madrugada.
Mas finalmente, em agosto último, a Universal lançou o filme em DVD, para alívio dos fãs e para o bem das pessoas que estão agora para conhecer essa interessantíssima produção.
Fahrenheit 451 é o único filme em Inglês dirigido por François Truffaut, grande nome da Nouvelle Vague francesa, realizador também, dentre vários, de Os Incompreendidos (“Les Quatre Cents Coups”, França, 1959) e Jules et Jim (França, 1962). O diretor teria ficado decepcionado com o resultado final do filme, por não ter gostado de certos diálogos em Inglês, preferindo a versão dublada em Francês. A trilha sonora é (inconfundivelmente) assinada por Bernard Herrmann, compositor favorito de Alfred Hitchcock.
O enredo, baseado no romance sci-fi homônimo de Ray Bradbury – autor clássico do gênero – mostra um futuro distópico não tão distante (o filme não se preocupa em revelar inovações científicas e tecnológicas, ou seja, não há efeitos especiais), dominado por um regime totalitário (embora não se façam quaisquer referências a um governo) cuja maior e principal lei é a proibição de qualquer forma de escrita e de leitura. O controle ideológico-social é exercido pela TV: todas as casas têm um aparelho de televisão central ao redor do qual “vivem” as pessoas, a ver e ouvir as “mensagens” transmitidas pelos programas.
Nesse universo, a principal força física de controle e repressão é o corpo de bombeiros (“firemen”), cuja tarefa é unicamente buscar, encontrar e queimar os livros que ainda circulam de maneira subversiva. Um diálogo muito interessante do filme envolve o sentido literal de firemen (“os homens-fogo”): uma personagem diz, em tom de surpresa e curiosidade, que, antigamente, os “firemen” serviam para apagar o fogo, e não para provocá-lo. Isso mostra o esvaziamento semântico e a deturpação do sentido de palavras e conceitos historicamente operados por regimes autoritários.
O protagonista é o jovem bombeiro Montag (Oskar Werner), muito fiel ao seu trabalho mas sem uma personalidade muito desenvolvida (ele parece um “songo-mongo”). Ele começa a questionar as coisas quando conhece (e talvez se apaixone um pouco, apesar de já ser casado) uma jovem “subversiva” amante de livros e, principalmente, uma senhora que prefere morrer queimada junto com seus livros a vê-los destruídos – em uma das cenas mais belas do filme. Montag começa, ele mesmo, a ler algumas obras. Naturalmente, ele se desentende com sua esposa, totalmente “cegada” pelo “sistema”. Linda Montag é tão dependente dos programas vespertinos de TV para donas-de-casa, quanto Emma Bovary é dependente dos folhetins românticos (no romance seminal Madame Bovary, de Gustave Flaubert). Ela o denuncia e ele tem que fugir. Encontra refúgio, junto com a jovem Clarisse (Julie Christie, que também interpreta a esposa de Montag, Linda), no país dos homens-livro: um bosque distante habitado por pessoas que decoram por inteiro um livro de sua preferência e queimam, elas mesmas, esse livro, pois apenas o que se imprime na alma não pode ser destruído. O livro escolhido por Montag é Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe.
Essa história se insere dentro da ficção científica com ares de fábula sócio-política, tal como o filme Alphaville (França, 1965), de Jean-Luc Godard e as narrativas literárias de H. G. Wells, particularmente A Máquina do Tempo. Nos diálogos de Farenheit 451, são veiculadas algumas idéias centrais e frases-feitas comuns a todos os regimes repressores, e também idéias e frases típicas de quem se opõe a eles; por isso, a obra de Truffaut tem grande valor didático, poderia ser exibida em escolas como parte da e estímulo para a formação histórico-político-ideológica dos estudantes.
Um dos exemplos clássicos desse estado de coisas era o “não-lançamento oficial” de Farenheit 451 (Ingl., 1966, dir.: François Truffaut). Esse filme nunca havia sido lançado no Brasil nem em VHS. Apenas circulava entre os cinéfilos uma cópia (primeiro em VHS, depois em DVD) gravada do “Telecine” (canal de filmes da TV por assinatura), que de vez em quando exibia a obra – uma vez cheguei a assisti-la na Rede Globo (o “Telecine” é da rede “Globosat”, hoje “Net”), de madrugada.
Mas finalmente, em agosto último, a Universal lançou o filme em DVD, para alívio dos fãs e para o bem das pessoas que estão agora para conhecer essa interessantíssima produção.
Fahrenheit 451 é o único filme em Inglês dirigido por François Truffaut, grande nome da Nouvelle Vague francesa, realizador também, dentre vários, de Os Incompreendidos (“Les Quatre Cents Coups”, França, 1959) e Jules et Jim (França, 1962). O diretor teria ficado decepcionado com o resultado final do filme, por não ter gostado de certos diálogos em Inglês, preferindo a versão dublada em Francês. A trilha sonora é (inconfundivelmente) assinada por Bernard Herrmann, compositor favorito de Alfred Hitchcock.
O enredo, baseado no romance sci-fi homônimo de Ray Bradbury – autor clássico do gênero – mostra um futuro distópico não tão distante (o filme não se preocupa em revelar inovações científicas e tecnológicas, ou seja, não há efeitos especiais), dominado por um regime totalitário (embora não se façam quaisquer referências a um governo) cuja maior e principal lei é a proibição de qualquer forma de escrita e de leitura. O controle ideológico-social é exercido pela TV: todas as casas têm um aparelho de televisão central ao redor do qual “vivem” as pessoas, a ver e ouvir as “mensagens” transmitidas pelos programas.
Nesse universo, a principal força física de controle e repressão é o corpo de bombeiros (“firemen”), cuja tarefa é unicamente buscar, encontrar e queimar os livros que ainda circulam de maneira subversiva. Um diálogo muito interessante do filme envolve o sentido literal de firemen (“os homens-fogo”): uma personagem diz, em tom de surpresa e curiosidade, que, antigamente, os “firemen” serviam para apagar o fogo, e não para provocá-lo. Isso mostra o esvaziamento semântico e a deturpação do sentido de palavras e conceitos historicamente operados por regimes autoritários.
O protagonista é o jovem bombeiro Montag (Oskar Werner), muito fiel ao seu trabalho mas sem uma personalidade muito desenvolvida (ele parece um “songo-mongo”). Ele começa a questionar as coisas quando conhece (e talvez se apaixone um pouco, apesar de já ser casado) uma jovem “subversiva” amante de livros e, principalmente, uma senhora que prefere morrer queimada junto com seus livros a vê-los destruídos – em uma das cenas mais belas do filme. Montag começa, ele mesmo, a ler algumas obras. Naturalmente, ele se desentende com sua esposa, totalmente “cegada” pelo “sistema”. Linda Montag é tão dependente dos programas vespertinos de TV para donas-de-casa, quanto Emma Bovary é dependente dos folhetins românticos (no romance seminal Madame Bovary, de Gustave Flaubert). Ela o denuncia e ele tem que fugir. Encontra refúgio, junto com a jovem Clarisse (Julie Christie, que também interpreta a esposa de Montag, Linda), no país dos homens-livro: um bosque distante habitado por pessoas que decoram por inteiro um livro de sua preferência e queimam, elas mesmas, esse livro, pois apenas o que se imprime na alma não pode ser destruído. O livro escolhido por Montag é Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe.
Essa história se insere dentro da ficção científica com ares de fábula sócio-política, tal como o filme Alphaville (França, 1965), de Jean-Luc Godard e as narrativas literárias de H. G. Wells, particularmente A Máquina do Tempo. Nos diálogos de Farenheit 451, são veiculadas algumas idéias centrais e frases-feitas comuns a todos os regimes repressores, e também idéias e frases típicas de quem se opõe a eles; por isso, a obra de Truffaut tem grande valor didático, poderia ser exibida em escolas como parte da e estímulo para a formação histórico-político-ideológica dos estudantes.
(continua no post abaixo)
Um comentário:
Descobri hoje o seu blog e já virei fã. Adoro Farenheit 451 e já passei com sucesso para os meus alunos: eles descobrem um novo mundo e sinto que algo ficou na alma deles tb.
Sucesso!
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