Reproduzo um texto que me fez dar muitas risadas, da autoria de Ivan Finotti, editor do Folhateen – caderno da Folha de S. Paulo dirigido a adolescentes – e publicado ontem no mesmo jornal. O artigo se refere ao lançamento em DVD da série de filmes Rambo.
“As três missões de Rambo
1. Uma pessoa chega a uma cidadezinha de caipiras americanos. A pessoa só quer paz, mas os pacatos cidadãos insistem em maltratá-la. No final, de saco cheio, a pessoa destrói a cidade. Esse é o argumento do ultracabeça “Dogville” (2003), primeiro filme da sofisticada trilogia americana do dinamarquês Lars Von Trier.
Mas é também a sinopse do sensacional “Rambo: Programado para Matar” (1982). Trata-se de um filmaço: Rambo usa táticas selvagens contra os policiais nas sinistras e gélidas florestas americanas. Tem política: ele é rechaçado pela sociedade porque perdeu a guerra do Vietnã. Tem crítica social: ele não arruma emprego, apesar de ser herói de guerra. Tem ecologia: ele mata um porco do mato, assa na fogueira e come para sobreviver. Tem ação: isso nem precisava dizer.
2. Uma pessoa chega a um local onde não deveria haver mais ninguém preso, mas há. Ora, mas que repetitivo! Grace Mulligan, em “Manderlay” (2005), segunda parte da trilogia de Trier, vai lutar contra a escravidão (que já havia sido abolida) em uma fazenda nos anos 30.
Rambo, por sua vez, vai soltar os prisioneiros de guerra (que já havia terminado) em um campo vietnamita em 1985. Esse filme não é bom como o primeiro; é muito Américo-patriótico, mas é o que colocou Rambo no alto do panteão da cultura pop. E também tem o inesquecível título em português, que virou sinônimo para qualquer coisa que se vá fazer duas vezes: “Rambo 2 – A Missão” (1985).
3. A ida do supersoldado ao Afeganistão em “Rambo 3” (1988) é chata. Mas do jeito que as coisas vão na alta cultura, Lars Von Trier vai copiar o roteiro de novo e depois revelar que sua trilogia chique foi inspirada no Rambo. Isso, sim, seria legal.”
Concordo. Isso seria genial. Lars Von Trier passaria a ser meu diretor predileto. Seria algo machadiano ele revelar que seus ambiciosos “filmes de tese”, tão adorados pela “Inteligentzia”, não são nada mais que releituras de “Rambo”.
Preciso confessar que não vi Manderlay; por isso, falo apenas de Dogville. Este último apresenta de maneira paradigmática os vícios em que se perdem alguns filmes por demais “inteligentes”. É o estado patológico de quando as idéias (ou ideologias) discursam mais alto do que a arte. Se o autor quer, única ou majoritariamente, transmitir uma “mensagem”, ele que vá discursar em outro código, que não o artístico; publique uma tese, logo.
A visão “crítica” de Lars Von Trier em Dogville me invade com tanta violência quanto as tentativas diárias de aliciamento que eu recebia na universidade por partidos de extrema esquerda. Considero isso uma ofensa à minha inteligência e à minha liberdade. Henri Agel, em um dos seus escritos, falou sobre “cineastas que apresentam apenas a visão mais abjeta das coisas com a desculpa de serem realistas”. Vou verificar exatamente a fonte e a citação, pois pretendo fazer disso assunto para um próximo post, ao qual será muito pertinente a análise de Amarelo Manga – outro filme “abjeto”.
Acredito que os mecanismos de identificação (catarse, etc) são essenciais para os efeitos da arte narrativa, por mais que possam ser chamados de mecanismos de ilusão ou manipulação. O ser humano aprende muito melhor com o exemplo concreto, com a experiência individual. Assim, um filme que quisesse persuadir a respeito de certas idéias mais abstratas deveria envolvê-las:
1. em uma representação que faça o espectador “experimentar” o melhor possível – para isso, os elementos que compõem a representação precisariam ser o mais “realistas” que puderem (os cenários, por exemplo);
2. em uma narrativa que “envolva” emocionalmente o espectador; a catarse aristotélica ainda é uma pedagogia muito eficiente.
A representação “brechtiana” em Dogville está muito longe desses parâmetros. O “distanciamento crítico” do “teatro épico” só funciona com aquele espectador tão culto e “esclarecido”, que tenha se apagado nele qualquer sinal de sensibilidade. O cérebro sobrepujou o coração. De novo, isso me lembra a “Inteligentzia” politizada que conheci na universidade.
O paradoxo irônico é que esse “distanciamento crítico” pretende ser anti-manipulatório. Todavia, Dogville – à sua própria maneira – me parece tão manipulatório quanto Pearl Harbor (EUA, 2001, dir.: Michael Bay).
Que Cecil B. de Mille me defenda de filmes “de arte” assim!
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