Assisti ontem, mais uma vez, à Fortaleza Escondida, filme japonês dirigido em 1958 pelo grande Akira Kurosawa.
Não cansa de me fascinar e de me encher os olhos o rigor da fotografia de Kurosawa. Cada plano de seus filmes é como uma pintura. Dá vontade de montar um álbum de fotos a partir dos filmes. Parece que cada enquadramento procura criar um grande efeito, lírico, épico e dramático ao mesmo tempo.
Essa riqueza de gêneros é outra coisa fantástica: filmes como o acima citado e também Os Sete Samurais (“Shicinin No Samurai”, 1954) e Trono Manchado de Sangue (“Kumonosu Jô”, 1957) são plenos de momentos líricos: muitas vezes na sutileza de um plano, como o do rosto da princesa chorando sobreposto à meia-lua da bandeira do seu clã recém-destruído, em A Fortaleza Escondida; momentos épicos: as grandes batalhas, como a da chuva em Os Sete Samurais; e momentos fortemente dramáticos: basta citar Trono Manchado de Sangue, adaptação de Macbeth de Shakespeare.
Que digam que os “westerns orientais” de Kurosawa não são o cinema japonês autêntico e que seu virtuosismo é muitas vezes vazio; não me importa. O fato é que o cinema do mestre japonês é dotado daquele nível alto de fabulação que alça o espectador às esferas do mito, tal como as melhores narrativas, desde os tempos mais primitivos. Ver filmes como Rashomon (“Rashômon”, 1950) ou Ran (“Ran”, 1985) faz-me pensar em Apocalipse Now (EUA, 1979, dir.: Francis Ford Coppola), em Excalibur (EUA/Ingl., 1981, dir.: John Boorman), em Rastros de Ódio (“The Searchers”, EUA, 1956, John Ford) e na literatura de João Guimarães Rosa, particularmente o magnífico romance Grande Sertão Veredas.
Todas essas obras, apesar de pertencerem a linguagens diferentes, apresentam aquele tom especial, a atmosfera das narrativas folclórico / mitológicas que estão na origem de todas as culturas humanas. O Japão feudal de Kurosawa é um ambiente tão universal quanto o Vietnã de Coppola, a Europa medieval de Boorman, o far-west de Ford e o sertão mineiro de Guimarães Rosa. Como este bem disse: “o sertão é do tamanho do mundo” e também “o sertão está em toda parte”. Assim, não é à toa que os samurais são tão personagens de tragédias shakespearianas quanto os jagunços.
Isso sem falar das fitas urbanas do cineasta japonês, como Viver (“Ikiru”, 1952), de uma poesia comovente, e O Idiota (“Hakuchi”, 1951), baseado em Dostoiévski e que ainda não tive oportunidade de ver. Isso tudo me leva a crer que Akira Kurosawa não é fascinado pelo “mundo ocidental”, como querem os seus críticos; ele é fascinado por histórias que se aprofundem em questões universalmente humanas, transcendentes, atingindo assim o âmbito do mito, que também dá o tom para os seus filmes.
Assim como muitos grandes filmes e toda grande literatura, a obra de Kurosawa não se prende a questões históricas ou sociais. Ela parte dessas para alçar vôos mais altos, no sentido psicológico / filosófico. Esse trabalho nas duas frentes: o particular e o universal é justamente o que faz João Guimarães Rosa, com os seus “faroestes caboclos”.
Não cansa de me fascinar e de me encher os olhos o rigor da fotografia de Kurosawa. Cada plano de seus filmes é como uma pintura. Dá vontade de montar um álbum de fotos a partir dos filmes. Parece que cada enquadramento procura criar um grande efeito, lírico, épico e dramático ao mesmo tempo.
Essa riqueza de gêneros é outra coisa fantástica: filmes como o acima citado e também Os Sete Samurais (“Shicinin No Samurai”, 1954) e Trono Manchado de Sangue (“Kumonosu Jô”, 1957) são plenos de momentos líricos: muitas vezes na sutileza de um plano, como o do rosto da princesa chorando sobreposto à meia-lua da bandeira do seu clã recém-destruído, em A Fortaleza Escondida; momentos épicos: as grandes batalhas, como a da chuva em Os Sete Samurais; e momentos fortemente dramáticos: basta citar Trono Manchado de Sangue, adaptação de Macbeth de Shakespeare.
Que digam que os “westerns orientais” de Kurosawa não são o cinema japonês autêntico e que seu virtuosismo é muitas vezes vazio; não me importa. O fato é que o cinema do mestre japonês é dotado daquele nível alto de fabulação que alça o espectador às esferas do mito, tal como as melhores narrativas, desde os tempos mais primitivos. Ver filmes como Rashomon (“Rashômon”, 1950) ou Ran (“Ran”, 1985) faz-me pensar em Apocalipse Now (EUA, 1979, dir.: Francis Ford Coppola), em Excalibur (EUA/Ingl., 1981, dir.: John Boorman), em Rastros de Ódio (“The Searchers”, EUA, 1956, John Ford) e na literatura de João Guimarães Rosa, particularmente o magnífico romance Grande Sertão Veredas.
Todas essas obras, apesar de pertencerem a linguagens diferentes, apresentam aquele tom especial, a atmosfera das narrativas folclórico / mitológicas que estão na origem de todas as culturas humanas. O Japão feudal de Kurosawa é um ambiente tão universal quanto o Vietnã de Coppola, a Europa medieval de Boorman, o far-west de Ford e o sertão mineiro de Guimarães Rosa. Como este bem disse: “o sertão é do tamanho do mundo” e também “o sertão está em toda parte”. Assim, não é à toa que os samurais são tão personagens de tragédias shakespearianas quanto os jagunços.
Isso sem falar das fitas urbanas do cineasta japonês, como Viver (“Ikiru”, 1952), de uma poesia comovente, e O Idiota (“Hakuchi”, 1951), baseado em Dostoiévski e que ainda não tive oportunidade de ver. Isso tudo me leva a crer que Akira Kurosawa não é fascinado pelo “mundo ocidental”, como querem os seus críticos; ele é fascinado por histórias que se aprofundem em questões universalmente humanas, transcendentes, atingindo assim o âmbito do mito, que também dá o tom para os seus filmes.
Assim como muitos grandes filmes e toda grande literatura, a obra de Kurosawa não se prende a questões históricas ou sociais. Ela parte dessas para alçar vôos mais altos, no sentido psicológico / filosófico. Esse trabalho nas duas frentes: o particular e o universal é justamente o que faz João Guimarães Rosa, com os seus “faroestes caboclos”.
(Continua no próximo post)
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