Podemos falar de uma espécie de filmes que mostram personagens vagando meio perdidos por uma cidade, geralmente em busca de algo; uma espécie de “road movies urbanos” ou “street movies” (que horror!). Enfim, filmes como Ladrões de Bicicleta (Itália, 1948, Vittorio deSica), Irreversível (França, 2002, Gaspar Noé) e este A Oitava Cor do Arco-Íris têm, com certeza, algo em comum, no meio de todas as diferenças.
A Oitava Cor do Arco-Íris é um filme de que Cesare Zavattini talvez gostasse. Assim como no Neo-Realismo italiano, temos aqui uma visão humanista e emotiva da população carente, embora o lado ruim das coisas seja mostrado com menos gravidade e mais singeleza nesta película mato-grossense, em comparação com Ladrões de Bicicleta, por exemplo.
A singeleza do filme de Tangará é algo que salta aos olhos e aos ouvidos (na trilha sonora e diálogos). Os pobres que desfilam na tela poderiam ser de qualquer parte do mundo – inclusive nos países “desenvolvidos”. O problema da pobreza aqui é tratado de modo geral e superficial (sem que vá qualquer conotação pejorativa nesse termo). O filme não mostra como tese uma pobreza especificamente brasileira; a pobreza é universal, onde quer que haja pessoas carentes e abandonadas. A avó Vidinha, que nas suas orações lamenta não ter mais o que vender para se sustentar, e o neto Joãozinho, que tenta arduamente vender a cabrita – e até conseguiria fazê-lo sem grandes dificuldades – mas não tem sucesso porque está muito apegado a ela, à Mocinha, que é a última posse que resta, posse animal e de estimação, ainda por cima... tudo isso é profundo no sentido universal, e comovente.
Tanta emoção, é lógico, pode ser negativo. Assim como no Neo-Realismo italiano, A Oitava Cor... é melodramático em alguns momentos (como na linha musical condescendente que sempre acompanha o garoto Joãozinho – isso chega a ser cansativo). A interpretação dos atores (todos desconhecidos para nós) é meio dura, meio decorada, meio teatral (aliás, um defeito comum no cinema brasileiro), porém, simpática. De resto, o filme é bem realizado e esquemático (falo da trilha sonora “caipira” para os cenários rurais e o “rock and roll” de guitarras distorcidas para o ambiente urbano).
Mas tais defeitos não nos fazem esquecer as qualidades. Joãozinho, em suas aventuras urbanas na capital mato-grossense, lida com os mais variados tipos de situações e de pessoas: uns lhe são benevolentes, alguns o desprezam e outros (por que não?) lhe fazem crueldades. O interessante é que a realidade da vida e do mundo é representada da maneira mais abrangente – por isso, mais “realista”: inclui a bondade, a maldade e a indiferença. Amauri Tangará, que também assina o roteiro, revela-se bem maduro nessa visão. O que põe no chinelo filmes e obras literárias que defendem a visão mais pessimista da realidade, mostrando apenas os seus aspectos mais negativos, e ainda pretendem ser “realistas”. Que realismo é esse? Para mim, não passa de uma desculpa para o sadismo orgíaco de alguns artistas.
Todos nós conhecemos o Neo-Realismo (que é bem diferente do Realismo literário do século XIX de Gustave Flaubert e Honoré de Balzac). Mas acho que já é hora de falarmos de um Neo-Naturalismo (esse sim, idêntico ao literário, à lá Zola), que assola particularmente os filmes nacionais. Sob a justificativa de mostrarem a realidade nua e crua, filmes como Amarelo Manga (Brasil, 2003) não passam de um catecismo à base de Nietzsche e Sartre. Com isso, não seria surpreendente se a intelectualidade materialista / marxista / existencialista / niilista dos grandes centros urbanos desprezasse A Oitava Cor do Arco-Íris. Para tais cabeças pensantes, modernas e sofisticadas, o “naif” do filme seria algo detestável ou simplesmente desprezível, não-concorrente para que se dê valor “sério” a uma obra. Mas as inteligências desarmadas e as sensibilidades sem malícia saberão apreciar a obra de Tangará.
Uma situação que é significativa: no “Clube do Professor” do Unibanco Arteplex em São Paulo (uma sessão semanal, exclusiva e gratuita, para a classe docente), os ingressos para o filme Eu me Lembro (que também está estreando e que, a julgar pela sinopse, é bem mais “crítico” do que a obra que estamos discutindo, e ainda envolve a ditadura militar) se esgotaram muito antes de A Oitava Cor... . Seria um sinal de como as platéias urbanas intelectualizadas do Sudeste receberão o primeiro longa mato-grossense? Não me surpreenderia se fosse um fracasso total de bilheteria.
A Oitava Cor do Arco-Íris é um filme de que Cesare Zavattini talvez gostasse. Assim como no Neo-Realismo italiano, temos aqui uma visão humanista e emotiva da população carente, embora o lado ruim das coisas seja mostrado com menos gravidade e mais singeleza nesta película mato-grossense, em comparação com Ladrões de Bicicleta, por exemplo.
A singeleza do filme de Tangará é algo que salta aos olhos e aos ouvidos (na trilha sonora e diálogos). Os pobres que desfilam na tela poderiam ser de qualquer parte do mundo – inclusive nos países “desenvolvidos”. O problema da pobreza aqui é tratado de modo geral e superficial (sem que vá qualquer conotação pejorativa nesse termo). O filme não mostra como tese uma pobreza especificamente brasileira; a pobreza é universal, onde quer que haja pessoas carentes e abandonadas. A avó Vidinha, que nas suas orações lamenta não ter mais o que vender para se sustentar, e o neto Joãozinho, que tenta arduamente vender a cabrita – e até conseguiria fazê-lo sem grandes dificuldades – mas não tem sucesso porque está muito apegado a ela, à Mocinha, que é a última posse que resta, posse animal e de estimação, ainda por cima... tudo isso é profundo no sentido universal, e comovente.
Tanta emoção, é lógico, pode ser negativo. Assim como no Neo-Realismo italiano, A Oitava Cor... é melodramático em alguns momentos (como na linha musical condescendente que sempre acompanha o garoto Joãozinho – isso chega a ser cansativo). A interpretação dos atores (todos desconhecidos para nós) é meio dura, meio decorada, meio teatral (aliás, um defeito comum no cinema brasileiro), porém, simpática. De resto, o filme é bem realizado e esquemático (falo da trilha sonora “caipira” para os cenários rurais e o “rock and roll” de guitarras distorcidas para o ambiente urbano).
Mas tais defeitos não nos fazem esquecer as qualidades. Joãozinho, em suas aventuras urbanas na capital mato-grossense, lida com os mais variados tipos de situações e de pessoas: uns lhe são benevolentes, alguns o desprezam e outros (por que não?) lhe fazem crueldades. O interessante é que a realidade da vida e do mundo é representada da maneira mais abrangente – por isso, mais “realista”: inclui a bondade, a maldade e a indiferença. Amauri Tangará, que também assina o roteiro, revela-se bem maduro nessa visão. O que põe no chinelo filmes e obras literárias que defendem a visão mais pessimista da realidade, mostrando apenas os seus aspectos mais negativos, e ainda pretendem ser “realistas”. Que realismo é esse? Para mim, não passa de uma desculpa para o sadismo orgíaco de alguns artistas.
Todos nós conhecemos o Neo-Realismo (que é bem diferente do Realismo literário do século XIX de Gustave Flaubert e Honoré de Balzac). Mas acho que já é hora de falarmos de um Neo-Naturalismo (esse sim, idêntico ao literário, à lá Zola), que assola particularmente os filmes nacionais. Sob a justificativa de mostrarem a realidade nua e crua, filmes como Amarelo Manga (Brasil, 2003) não passam de um catecismo à base de Nietzsche e Sartre. Com isso, não seria surpreendente se a intelectualidade materialista / marxista / existencialista / niilista dos grandes centros urbanos desprezasse A Oitava Cor do Arco-Íris. Para tais cabeças pensantes, modernas e sofisticadas, o “naif” do filme seria algo detestável ou simplesmente desprezível, não-concorrente para que se dê valor “sério” a uma obra. Mas as inteligências desarmadas e as sensibilidades sem malícia saberão apreciar a obra de Tangará.
Uma situação que é significativa: no “Clube do Professor” do Unibanco Arteplex em São Paulo (uma sessão semanal, exclusiva e gratuita, para a classe docente), os ingressos para o filme Eu me Lembro (que também está estreando e que, a julgar pela sinopse, é bem mais “crítico” do que a obra que estamos discutindo, e ainda envolve a ditadura militar) se esgotaram muito antes de A Oitava Cor... . Seria um sinal de como as platéias urbanas intelectualizadas do Sudeste receberão o primeiro longa mato-grossense? Não me surpreenderia se fosse um fracasso total de bilheteria.
Deixo como surpresa, para quem for assistir ao filme, a explicação do título. Mas o fato é: a oitava cor do arco-íris é justamente aquela que as pessoas grandes e orgulhosas não vêem, mas os pequenos e os humildes sabem muito bem qual é.
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