O uso do cinema como veículo de propaganda ideológica já foi por demais ressaltado, especialmente em se tratando da indústria norte-americana, para que eu aqui possa acrescentar alguma idéia ou informação relevantes. Entretanto, visto que o cinema é uma forma de arte, e sendo a estética o fator essencial em qualquer reflexão sobre artes, é interessante acima de tudo destacar os valores estéticos dos filmes de propaganda. Os filmes de Leni Riefenstahl – particularmente O Triunfo da Vontade (1934) – são debatidos nos meios cinematográficos, elogiados ou criticados independentemente do seu conteúdo, seus temas ou supostas mensagens.
É claro que o fator formal-estético não é tão estanque em relação ao conteúdo; ambos se inter-relacionam dialeticamente. É por isso mesmo que temos que reconhecer que o mais eficiente filme de propaganda será aquele funcionar melhor enquanto filme, sendo respeitados e elaborados criativamente nele os elementos da linguagem cinematográfica. Não basta de maneira alguma simplesmente “colar” um determinado discurso (qualquer que seja este, seja comunista ou nazista) às imagens mostradas na tela.
O filme tem que provocar o envolvimento profundo, até mesmo emocional, do espectador; é o que pode ser chamado de catarse. Tal envolvimento pressupõe uma elaboração estilística / artística elevada. O universo diegético do filme deve ser bem construído e crível, os personagens devem ser elaborados e críveis, a narrativa (a não ser no documentário) deve se fazer em uma progressão gradativa com vistas a um clímax; enfim, a junção de técnicas literárias e cinematográficas é da mais extrema importância aqui. Eisenstein é o grande exemplo de como deve ser o cinema ideologicamente motivado.
Durante os anos 20 e 30, nos EUA, muitos filmes narrativos de ficção foram feitos dentro da ampla e contundente campanha anti-maconha. Reefer Madness (“A Loucura do Baseado”, também entitulado “Tell Your Children”; EUA, 1936, dir.: Louis J. Gasnier) é apenas o mais famoso e interessante exemplo.
Salta à vista e aos ouvidos a ingenuidade das idéias e da visão de mundo, assim como o ódio, verdadeiro ódio em relação à “erva do diabo”, “mais viciante e letal do que a heroína” (é sério, o filme propaga “informações” assim). O filme é uma caixa de pandora de desinformações, preconceitos e intolerâncias diversas mal disfarçados sob a capa da moral e dos bons valores da família e da sociedade, da preocupação com os rumos da juventude, futuro da nação, que tristemente cai vítima de traficantes de drogas, do sexo “impuro” e do jazz...
O engraçado é o filme mostrar esses mesmos adolescentes fumando cigarros de nicotina como se fosse a coisa mais natural do mundo, mas quando se fala em maconha... Enfim, eram outros tempos.
A maneira como “Reefer Madness” defende as suas idéias (e também essas próprias “idéias”, em si mesmas) beira curiosa mas perigosamente as raias do fascismo. E estamos falando da América em 1936...
Mas tudo isso não é o ponto nevrálgico aqui. “Reefer Madness” é um filme ruim porque é cinematograficamente mal feito. O roteiro é repleto de elementos forçosamente encaixados apenas para que a fita transmita “melhor” a sua mensagem; os acontecimentos não são naturais, os personagens não são naturais (estes são apenas cascas sem espírito usadas apenas para se provar uma “tese”), enfim, tudo no filme é artificial, ficando pra lá de gritante o intuito propagandístico.
A decupagem não é feita em função de um universo, de uma história e personagens a serem mostrados que irão, por sua própria força e vez, comover o espectador e fazê-lo aceitar os fatos e idéias veiculadas por trás deles (como ocorreria num filme bom de verdade). A decupagem aqui, pelo contrário, trabalha incansavelmente apenas para martelar, da maneira mais forte, descarada e didática possível, a ideologia pretendida.
Os únicos momentos em que a fita mal se aproximaria de um cinema de verdade são: 1. quando um dos jurados, ao discutir o veredicto a ser dado ao “maconheiro matador”, vê a cordinha da lâmpada transformar-se numa forca (metáfora bem pobrezinha essa...); 2. quando o viciado-mor em maconha é levado ao tribunal, num estado mental totalmente ensandecido, temos vários planos rápidos e sucessivos captando, de diversos ângulos, seu rosto e seus olhares insanos sob uma luz e maquiagem quase expressionistas... (é uma montagem quase digna de Eisenstein essa...)
“Reefer Madness” em tudo não convence a quem tem um mínimo de senso, assim como não convence de jeito nenhum o Dr. Carroll (apesar de seus louváveis esforços), personagem aliás bem ridícula.
Aqui faremos a passagem mais interessante. “Reefer Madness”, apesar desses absurdos todos, não é um filme que desperta o nosso rancor. Talvez por ser obra de uma época e mentalidade já distantes (embora ainda resista uma parte delas maior do que gostaríamos), nós achamos o filme “engraçadinho”... Seu ridículo, seu risível, desperta a nossa simpatia: a partir dos anos 70, “Reefer Madness” virou um cult entre o público do cinema alternativo e também entre o público “alternativo” do cinema.
Assista e tire as suas próprias conclusões.
É claro que o fator formal-estético não é tão estanque em relação ao conteúdo; ambos se inter-relacionam dialeticamente. É por isso mesmo que temos que reconhecer que o mais eficiente filme de propaganda será aquele funcionar melhor enquanto filme, sendo respeitados e elaborados criativamente nele os elementos da linguagem cinematográfica. Não basta de maneira alguma simplesmente “colar” um determinado discurso (qualquer que seja este, seja comunista ou nazista) às imagens mostradas na tela.
O filme tem que provocar o envolvimento profundo, até mesmo emocional, do espectador; é o que pode ser chamado de catarse. Tal envolvimento pressupõe uma elaboração estilística / artística elevada. O universo diegético do filme deve ser bem construído e crível, os personagens devem ser elaborados e críveis, a narrativa (a não ser no documentário) deve se fazer em uma progressão gradativa com vistas a um clímax; enfim, a junção de técnicas literárias e cinematográficas é da mais extrema importância aqui. Eisenstein é o grande exemplo de como deve ser o cinema ideologicamente motivado.
Durante os anos 20 e 30, nos EUA, muitos filmes narrativos de ficção foram feitos dentro da ampla e contundente campanha anti-maconha. Reefer Madness (“A Loucura do Baseado”, também entitulado “Tell Your Children”; EUA, 1936, dir.: Louis J. Gasnier) é apenas o mais famoso e interessante exemplo.
Salta à vista e aos ouvidos a ingenuidade das idéias e da visão de mundo, assim como o ódio, verdadeiro ódio em relação à “erva do diabo”, “mais viciante e letal do que a heroína” (é sério, o filme propaga “informações” assim). O filme é uma caixa de pandora de desinformações, preconceitos e intolerâncias diversas mal disfarçados sob a capa da moral e dos bons valores da família e da sociedade, da preocupação com os rumos da juventude, futuro da nação, que tristemente cai vítima de traficantes de drogas, do sexo “impuro” e do jazz...
O engraçado é o filme mostrar esses mesmos adolescentes fumando cigarros de nicotina como se fosse a coisa mais natural do mundo, mas quando se fala em maconha... Enfim, eram outros tempos.
A maneira como “Reefer Madness” defende as suas idéias (e também essas próprias “idéias”, em si mesmas) beira curiosa mas perigosamente as raias do fascismo. E estamos falando da América em 1936...
Mas tudo isso não é o ponto nevrálgico aqui. “Reefer Madness” é um filme ruim porque é cinematograficamente mal feito. O roteiro é repleto de elementos forçosamente encaixados apenas para que a fita transmita “melhor” a sua mensagem; os acontecimentos não são naturais, os personagens não são naturais (estes são apenas cascas sem espírito usadas apenas para se provar uma “tese”), enfim, tudo no filme é artificial, ficando pra lá de gritante o intuito propagandístico.
A decupagem não é feita em função de um universo, de uma história e personagens a serem mostrados que irão, por sua própria força e vez, comover o espectador e fazê-lo aceitar os fatos e idéias veiculadas por trás deles (como ocorreria num filme bom de verdade). A decupagem aqui, pelo contrário, trabalha incansavelmente apenas para martelar, da maneira mais forte, descarada e didática possível, a ideologia pretendida.
Os únicos momentos em que a fita mal se aproximaria de um cinema de verdade são: 1. quando um dos jurados, ao discutir o veredicto a ser dado ao “maconheiro matador”, vê a cordinha da lâmpada transformar-se numa forca (metáfora bem pobrezinha essa...); 2. quando o viciado-mor em maconha é levado ao tribunal, num estado mental totalmente ensandecido, temos vários planos rápidos e sucessivos captando, de diversos ângulos, seu rosto e seus olhares insanos sob uma luz e maquiagem quase expressionistas... (é uma montagem quase digna de Eisenstein essa...)
“Reefer Madness” em tudo não convence a quem tem um mínimo de senso, assim como não convence de jeito nenhum o Dr. Carroll (apesar de seus louváveis esforços), personagem aliás bem ridícula.
Aqui faremos a passagem mais interessante. “Reefer Madness”, apesar desses absurdos todos, não é um filme que desperta o nosso rancor. Talvez por ser obra de uma época e mentalidade já distantes (embora ainda resista uma parte delas maior do que gostaríamos), nós achamos o filme “engraçadinho”... Seu ridículo, seu risível, desperta a nossa simpatia: a partir dos anos 70, “Reefer Madness” virou um cult entre o público do cinema alternativo e também entre o público “alternativo” do cinema.
Assista e tire as suas próprias conclusões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário