quinta-feira, fevereiro 22, 2007

Miami Vice


Graças a Deus que o cinema ainda tem gente como Martin Scorsese e Michael Mann. É muito fácil gostar de filmes policiais noirs; fazê-los já é outra história: é preciso um feeling e um discernimento. Sem tais sabedorias, o que teremos são filmes (e cineastas) posers. Atitude “poser” em oposição a um fazer artístico mais elaborado: a mesma diferença que há, no rock and roll, entre – digamos – Led Zeppelin e Whitesnake, podemos colocar entre este Miami Vice de Michael Mann e outras fitas policiais “moderninhas”.

O legal é termos Linkin Park e Jay-Z na trilha sonora de um filme que – aposto – não será compreendido por numerosa parte dos fãs de Linkin Park e de Jay-Z. “Miami Vice” aproveita-se de e engole a atitude e estilo “poser” do nu-metal e do hip-hop. Estilo e conteúdo audaciosos: “Miami Vice”, desde a série original nos anos 80, destaca-se entre o gênero policial de uma maneira que nos faz lembrar da diferença que há entre Star Trek: A Série Clássica e outros seriados de ficção científica.

“Miami Vice” é o que todo filme de gênero deveria ser: acessível e dinâmico sem deixar de ser rigoroso e perscrutador; divertido sem deixar de ser estimulante. Tudo misturado com muita classe e segurança de quem sabe o que faz e aonde quer chegar. “Miami Vice” é como uma música de hip hop, mas o hip-hop misturado com jazz, do grupo US3 (sucesso nos anos 90).

Enfim, o filme pode ser definido por uma fala do detetive Ricardo Tubbs: “Smooth. That’s how we do it”. Michael Mann parece estar se explicando aí.

Perto do que predomina em Hollywood hoje em dia, o roteiro de “Miami Vice” é até rocambolesco; e juntamente com Os Infiltrados de Scorsese, lembramo-nos, aqui, dos filmes mais antigos: De Sam Peckimpah e Samuel Fuller até John Huston e Michael Curtiz. Eis a linha que ainda (bem) sobrevive em Scorsese e Mann.

Os policiais e os bandidos desta mais recente obra do diretor de Fogo contra Fogo (“Heat”, 1995) não são muito diferentes entre si, nos pensamentos e nas atitudes, e por trás de suas máscaras “posers” reside e vaza uma profunda insegurança, de si mesmos e do que fazem. Isso é o mais importante nos filmes de Michael Mann. O tormento, o drama dessa insegurança pode ser ligado ao seu “trabalho”: Mann é o cineasta que discute o universo do trabalho do ponto de vista do sujeito que se vê preso a um fazer profissional (ou profissionalizado) no qual ele não acredita 100%; disso decorrem dilemas, atitudes desesperadas, erros, dores, mas também acertos e mudanças positivas.

O trabalho que parece fazer mais mal do que bem, o trabalho que não faz o menor sentido, mas que ainda assim deve ser encarado a sério como um trabalho, pois não se trata de brincadeira (ainda que, às vezes, se pretenda isso em busca de um suposto alívio; aliás essa questão da “brincadeira” é discutida em “Miami Vice” na mesma cena em que o detetive Ricardo Tubbs lamenta-se do seu trabalho, e lamenta-se porque não acredita nele); enfim, o trabalho em um mundo onde não se sabe mais direito qual a medida de “emprego” e qual a dose de ideologia que há em um “trabalho” é um tema central e forte em (quase) todos os filmes de Michael Mann. Desde Profissão: Ladrão (1981; título bem sugestivo) até O Informante (1999), em que o químico da indústria tabagista reconhece o mal do qual o seu trabalho é responsável, e também Colateral (2004), onde o taxista Jamie Foxx não aceita que seu trabalho seja conduzir um assassino profissional às suas vítimas e o assassino profissional Tom Cruise aceita bem a sua profissão pois enxerga nela apenas um “trabalho”...

Os detetives Sonny Crockett e Ricardo Tubbs mantêm os seus empregos, o figurino alinhado e os carros esporte. Mas estão mais sérios e melancólicos. O preço que pagam para serem “cool” é alto...

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