quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Rimas

Stalker (Andrei Tarkovski, 1979)


Andrei Tarkovski, em Esculpir o Tempo:

Nenhuma mise en scène tem o direito de se repetir, da mesma forma que duas personalidades jamais serão idênticas. Assim que uma mise en scène transformar-se num signo, num clichê, num conceito (por mais originais que possam ser), a coisa toda – personagens, situações, psicologia – torna-se falsa e artificial.

Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), em O Guardador de Rebanhos:

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior

Olho e comovo-me,
Comovo-me como água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural como o levantar-se vento...

“Simplicidade divina”... Não é a mesma que Andrei Tarkovski busca em seus filmes? E a naturalidade comovente da poesia, não é a mesma presente em cenas que focalizam bem de perto a natureza em Solaris e Stalker, por exemplo?

O artista que se propõe a um olhar simples e comovido das coisas não pode desenvolver um método estético muito elaborado e demasiado rígido (o “exagero consciente” de que fala Valéry, citado pelo cineasta russo e reproduzido por nós no texto de ontem). O método, a forma estilística deve ser apenas aquela necessária, adequada e coerente à visão de mundo e aos conteúdos que o artista almeja tratar. Assim, para uma natureza simples, casual e comovente, só mesmo uma estética simples, casual e comovente.

Caeiro e Tarkovski são grandes artistas, pois ambos unem em suas obras “a teoria e a prática, através da perseguição coerente e uniforme de um só fim” (Tarkovski, a respeito de Robert Bresson).

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