terça-feira, fevereiro 06, 2007

O Tao de Tarkovski

O Sacrifício (1986)

Ontem falei da lógica do pensamento mágico / mítico e da sua influência na estética da poesia e do cinema, citando como base as idéias de Edgar Morin na obra capital O Cinema Ou O Homem Imaginário. Hoje chamo ao microfone do Sombras Elétricas o grande cineasta russo Andrei Tarkovski, um dos meus “filmmakers” prediletos. O livro Esculpir O Tempo é, ao mesmo tempo, autobiografia, ensaio estético, confissão... enfim, é o coração, a mente, a vida e a obra de uma grande artista desnudados por ele mesmo.

Cito alguns trechos onde Tarkovski compartilha das visões e das idéias tratadas ontem, que eu acredito estarem na base da grande poesia, do grande cinema e da Arte como um todo.

Voltemos, porém, ao nosso tema: o que me agrada extraordinariamente no cinema são as articulações poéticas, a lógica da poesia. Parecem-me perfeitamente adequadas ao potencial do cinema enquanto a mais verdadeira e poética das formas de arte. Estou por certo muito mais à vontade com elas do que com a dramaturgia tradicional, que une imagens através de um desenvolvimento linear e lógico do enredo.
(...)
O material cinematográfico, porém, pode ser combinado de outra forma, cuja característica principal é permitir que se exponha a lógica do pensamento de uma pessoa. (...) A origem e o desenvolvimento do pensamento estão sujeitos a leis próprias e às vezes exigem formas de expressão muito diferentes dos padrões de especulação lógica. Na minha opinião, o raciocínio poético está mais próximo das leis através das quais se desenvolve o pensamento e, portanto, mais próximo da própria vida, do que a lógica da dramaturgia tradicional.
(...)
Quando falo de poesia, não penso nela como gênero. A poesia é uma consciência do mundo, uma forma específica de relacionamento com a realidade. Assim, a poesia torna-se uma filosofia que conduz o homem ao longo de toda a sua vida.
(...) Pensemos em Mandelstam, em Pasternak, Chaplin, Dovjenko, Mizoguchi, para nos darmos conta da imensa força emocional dessas figuras sublimes que pairam altíssimo sobre a terra, e nas quais o artista aparece não como um mero explorador da vida, mas como alguém que cria incalculáveis tesouros espirituais e aquela beleza especial que pertence apenas à poesia. Tal artista é capaz de perceber as características que regem a organização poética da existência. Ele é capaz de ir além dos limites da lógica linear, para poder exprimir a verdade e a complexidade profundas das ligações imponderáveis e dos fenômenos ocultos da vida. (...) Um artista pode alcançar a ilusão de uma realidade exterior, e obter efeitos cuja naturalidade os faça em tudo semelhantes à vida, mas isto será ainda muito diferente de examinar a vida que está sob a sua superfície.


Eis a explicação para o cinema “meditativo” que Tarkovski pratica. A fotografia e a montagem, em seus filmes, não estão meramente condicionadas à elucidação de uma narrativa. Tarkovski gosta de olhar, contemplar longamente as coisas, e estabelecer entre elas relações que intuímos serem bem peculiares ao seu espírito – ou ao espírito de todos nós.

É um cinema filosófico, mas desprovido por completo daquele racionalismo preponderante na filosofia ocidental. Tarkovski não cria tratados filosóficos; apenas ensaios, meditações, ou simplesmente poemas. O olhar e a filosofia do autor de Andrei Rublev estão mais próximos do pensamento oriental: os filmes de Tarkovski parecem muitas vezes profundamente taoístas. O Tao de Tarkovski: essa é a idéia.

Eis a prova:

Paul Valéry talvez estivesse pensando em Bresson quando escreveu: “A única maneira de alcançar a perfeição é evitar tudo que possa levar a um exagero consciente”. Aparentemente, nada além da observação simples e despretensiosa da vida. O princípio tem algo em comum com a arte Zen, na qual, da forma como a percebemos, a exata observação da vida transforma-se paradoxalmente em sublimes imagens artísticas. (...) E, quanto à poesia do cinema, Bresson, melhor que qualquer outro, uniu em sua obra a teoria e a prática, através da perseguição coerente e uniforme de um só fim.

Preciso dizer mais alguma coisa? Por hoje é só, pessoal.

Um comentário:

vini disse...

olá
passei para pesquisar, como uma última pesquisa para meu trabalho de conclusão de curso de audiovisual. Estou tratando da espiritaulidade da arte em Tarkovski.
e gostei bastante de uma sintese que fizera e apontara para o taoismo. Cansei de contar quantas vezes havia escrito a palavra harmonia no trabalho.
E contibui pra mim finalizar. portanto, obrigado, passarei para mais leituras...
abraços

Vinicius