Salão de Cinetoscópios
Em Pindorama, quando se ouve falar de Thomas Edison, geralmente se lembra do inventor da lâmpada elétrica incandescente. Mas o mais prolífico inventor norte-americano e um dos maiores da era contemporânea (decisivo no rumo tecnológico do século XX) fez muito mais do que isso. Thomas Alva Edison (1847-1931) também é responsável pela criação do gramofone e do cinetoscópio (cujo primeiro protótipo data de 1891, a primeira apresentação pública é de 1893, passando a ser comercializado em 1894, ou seja, ainda antes do cinematógrafo de Lumière), só para citar dois aparelhos dos mais importantes. Também foi o fundador da multinacional G.E. (General Electric), indústria elétrica e eletrônica.
A nós, o que mais interessa aqui é a ligação entre Edison e o que se acabou convencionando chamar de Cinema. Ao contrário do que diz Lisa Simpson, em um episódio da famosa série animada, Thomas Edison não inventou o cinema. Primeiramente, ele desenvolveu a película moderna de 35 mm com quatro pares de perfurações por imagem. Ao mesmo tempo, efetuava a primeira distribuição de eletricidade em larga escala, através da sua General Electric, aperfeiçoava o fonógrafo e chegava finalmente ao cinetoscópio. Esta parafernália é constituída por uma grande caixa que exibe filmes em seu interior, que podem ser vistos por um único e solitário espectador através de uma luneta que sai de dentro do aparelho. É o mais puro voyerismo em ação.
As imagens vistas no cinetoscópio são menores do que as de um cartão postal. Esta tecnologia não foi criada “tabula rasa” por Edison; ele a baseou em velhos zootrópios (aparelhos mecânicos de reprodução em alta velocidade e repetitiva de fotografias ou imagens desenhadas). O primeiro “cineasta” a trabalhar para Edison foi William Kennedy Laurie Dickson, que criou os primeiros filmes, muito próximos de como os entendemos hoje, mas cuja duração não passa de trinta segundos. Nas palavras do historiador Georges Sadoul: “Dançarinos, acrobatas, ginastas, trapezistas, cães saltadores, gatos amestrados, boxistas, lutadores, pessoas bebendo, dentistas, barbeiros, todos os assuntos clássicos do zootrópio foram retomados por Dickson. (...) Nas fitas de zootrópio, há acessórios, mas não cenografia. O mesmo acontece com os filmes de Dickson-Edison, quase todos realizados no interior do primeiro estúdio chamado Black Maria. Silhuetas agitam-se sobre um fundo preto e são geralmente tão pouco humanas quanto simples marionetes”.
No entanto, tal forma de “arte” acabou se desenvolvendo por outros caminhos. Em filmes posteriores, Dickson passou a empregar a técnica de filmagem em primeiro plano e em plano americano, revelando claramente que se vêem pessoas de verdade nos filmes, e não toscas animações. Mais tarde, o realizador utilizará artistas (músicos, atores) nos filmes, elaborando uma cenografia mais complexa, inspirada no teatro e no music-hall, e dando início ao star system do cinema, contribuindo também para a publicidade do cinetoscópio. Quais são os maiores filmes do cinetoscópio dirigidos por Dickson? Chamo novamente Sadoul: “Em Salvamento por um bombeiro, uma escada sobre um fundo preto e a fumaça que envolve a cena bastam para dar vida a um ambiente. O mesmo acontece quando aumentam o número de móveis e a figuração em Dr. Cotton anestesia com gás e extrai um dente (primeira atualidade reconstituída), e nas lutas de boxe em que os espectadores encobrem o fundo preto. A barbearia nova (“The Barber Shop”, que está na coletânea abaixo, tirada do Youtube) e O novo bar constituem verdadeiros quadros de gênero e comportam quase uma cenografia. Esses filmes constituíram os maiores êxitos do cinetoscópio.
Após a saída de Dickson, entra para o Black Maria um fotógrafo profissional chamado Edmund Kuhn, que dirigiu para o cinetoscópio dois filmes famosos: “A morte de Maria Stuart, no qual, diante de numerosos figurantes, o carrasco decapita a rainha e apresenta ao público a cabeça decepada, e O beijo de May Irvin e John C. Rice (que faz parte da coletânea abaixo), que filmava em primeiro plano um episódio de uma peça de êxito. O Beijo não era a primeira vez em que o primeiro plano era exibido no cinema. Mas foi o primeiro a obter um enorme êxito. O seu erotismo ingênuo anunciava a conclusão clássica de mil outros filmes com um final feliz”. Georges Sadoul, História do Cinema Mundial
A partir do momento em que o invento de Edison chegou ao mercado (1894), o próximo desafio passou a ser conseguir exibir as imagens em movimento sobre uma tela grande que pudesse ser vista livremente por várias pessoas ao mesmo tempo. O cinematógrafo de Lumière (que também era aparelho de projeção) foi o vencedor, em 1895. Mas não foi imediatamente comercializado, dando espaço para que Edison inventasse e logo difundisse em 1896 o seu vitascópio. No entanto, assim que a máquina de Lumière chegou aos EUA, sua qualidade e praticidade superiores acabaram por sobrepujar o legado de Edison.
Abaixo, temos alguns dos filmes de cinetoscópio que podem ser encontrados no Youtube: uma antologia de curtas produzidos entre 1894 e 1896 e o primeiro filme experimental do aparelho (“Dickson Greeting”), realizado em 1891.
2 comentários:
Essa arqueologia do cinema sempre me fascinou. Dizem que Edison preferiu investir nessas máquinas individuais de exibição para obter mais lucros, do que investir em salas para o grande público.
Edison tinha uma visão para negócios muito desenvolvida (bem dentro do espírito americano). Eu li que ele primeiramente não queria fazer exibições públicas do seu cinetoscópio porque achava que o público não iria se interessar por cinema mudo. Assim, ele tentou e tentou desenvolver o som (no Youtube tem um vídeo com uma experiência de imagem sonorizada dirigida por Dickson). Não conseguindo, deu o braço a torcer e passou a comercializar os seus aparelhos em 1894...
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