“These things happened. They were glorious and they changed the world. And then we fucked up the end game.” Charlie Wilson
O enunciado acima, epígrafe de Jogos do Poder (“Charlie Wilson’s War”, EUA, 2007, dir.: Mike Nichols), pode ser traduzida como: “Estas coisas aconteceram. Elas foram gloriosas e mudaram o mundo. E então, no jogo decisivo, nós fodemos tudo (morremos na praia).” Resume-se aí o argumento do filme. A incrível maneira como um congressista texano (Charlie Wilson / Tom Hanks), que está longe de ser um modelo do “politicamente correto”, uma socialite excêntrica (Joanne Herring / Julia Roberts) e um agente da CIA com o “filme queimado” (Gust Avrakotos / Philip Seymour Hoffman) se uniram e “mexeram os pauzinhos” na surdina para equipar, armar e treinar a guerrilha religiosa do Afeganistão na resistência contra a invasão soviética (1979-1989).
De fato, os três ajudaram muito a mudar o mundo. Mas para melhor? Ou para pior? Ou as duas coisas ao mesmo tempo? O que reserva o futuro, na rede terrivelmente intrincada das conseqüências das nossas ações? Por essas e outras, Jogos do Poder é um filme não apenas sobre política e sobre história contemporânea, mas também um filme “zen”. Um acontecimento e os seus efeitos jamais poderão ser exatamente calculados, pois a dinâmica dos movimentos de todas as coisas envolve muitíssimas variáveis. Mas o futuro não será gratuito ou caótico. Ele se forma a partir de uma direção bem específica do presente. O problema é saber de antemão a que futuros levarão certas decisões atuais, para podermos escolhê-las com mais cuidado.
Charlie Wilson diz que “nós fodemos tudo” no final das contas. Podemos dizer que foi sem querer, pois se soubéssemos que a ajuda militar aos afegãos (em segredo, diga-se de passagem), ao lado da negligência total em relação à reconstrução do país após a expulsão dos soviéticos, conduziria em últimas instâncias à ascensão do Talibã, do 11 de setembro e do terrorismo contemporâneo, jamais teríamos tomado as mesmas atitudes. Mas a verdadeira questão – de ordem moral – é: será necessário saber, como que através de uma bola de cristal, os resultados trágicos dos nossos erros, para que só assim evitemos de perpetrá-los? Não seria muito melhor simplesmente tomarmos atitudes mais prudentes, mais humanitárias? Por isso existem as parábolas “zen”...
O que o filme de Mike Nichols quer mostrar é que, no momento mais importante, “cagou-se no pau”. Quer dizer, os EUA movem montanhas (promovendo até mesmo alianças entre Israel e os países islâmicos) para ajudar o Afeganistão (na surdina, é claro, pois se a coisa ficasse clara para a URSS, a Guerra Fria se tornaria uma Guerra Quente, muito Quente), porque os soviéticos estão dizimando o povo afegão, fazendo barbaridades com mulheres, crianças, famílias inteiras; e, no final da guerra, com a vitória nas mãos, quando se trata de também ajudar muito humanitariamente o povo daquele país, construindo escolas e reerguendo a infra-estrutura destruída pela URSS, os soberbos EUA tiram o corpo fora. Quer dizer: aí o problema já não é com a gente...
Mas é sim! Ou ainda será! Charlie Wilson argumenta de modo bem contundente a favor dos jovens de 14 anos que ficarão completamente abandonados sem escolas, mas em vão. Pois são esses jovens, que na faixa dos 25 anos, comporão as fileiras do Talibã, da Al Qaeda, etc. A mensagem do filme é clara, ainda que implícita e sutil o suficiente para que o diretor e o produtor (o próprio Hanks) a neguem. Os EUA gastam 1 bilhão de dólares na ajuda militar de guerra, mas recusam mero 1 milhão para a reconstrução. Depois, não adianta reclamar das conseqüências... Anteriormente, eu usei o pronome “nós” para falar dessa situação. Por que? Muito simples: no nosso querido Brasil, salve-salve, tivemos um caso muito parecido – e continuamos tendo.
Em fins do século XIX, aboliu-se a escravidão. Maravilha! Mas este “glorioso” acontecimento (no dizer de Charlie Wilson) por um acaso veio acompanhado de medidas de investimento em uma infra-estrutura social que integrasse digna e responsavelmente os negros à sociedade? Óbvio que não. Desde quando no Brasil se tem educação pública de alcance universal e de qualidade, um sistema público de saúde eficiente, infra-estrutura de moradia, urbanização e saneamento básico para as populações mais “carentes”, ofertas amplas de trabalho em boas condições e bem remunerado, infra-estrutura de lazer e de cultura, só para citar alguns exemplos básicos de desenvolvimento? Desde nunca, né? O provérbio que se convencionou é: “da senzala para a favela”. E hoje, as mesmas elites responsáveis por este descaso histórico ainda têm a pachorra de reclamar da violência urbana, de pedir mais polícia, mais cadeia, mais leis e até – meu Deus do céu – pena de morte!...
De fato, nós fodemos tudo...
O enunciado acima, epígrafe de Jogos do Poder (“Charlie Wilson’s War”, EUA, 2007, dir.: Mike Nichols), pode ser traduzida como: “Estas coisas aconteceram. Elas foram gloriosas e mudaram o mundo. E então, no jogo decisivo, nós fodemos tudo (morremos na praia).” Resume-se aí o argumento do filme. A incrível maneira como um congressista texano (Charlie Wilson / Tom Hanks), que está longe de ser um modelo do “politicamente correto”, uma socialite excêntrica (Joanne Herring / Julia Roberts) e um agente da CIA com o “filme queimado” (Gust Avrakotos / Philip Seymour Hoffman) se uniram e “mexeram os pauzinhos” na surdina para equipar, armar e treinar a guerrilha religiosa do Afeganistão na resistência contra a invasão soviética (1979-1989).
De fato, os três ajudaram muito a mudar o mundo. Mas para melhor? Ou para pior? Ou as duas coisas ao mesmo tempo? O que reserva o futuro, na rede terrivelmente intrincada das conseqüências das nossas ações? Por essas e outras, Jogos do Poder é um filme não apenas sobre política e sobre história contemporânea, mas também um filme “zen”. Um acontecimento e os seus efeitos jamais poderão ser exatamente calculados, pois a dinâmica dos movimentos de todas as coisas envolve muitíssimas variáveis. Mas o futuro não será gratuito ou caótico. Ele se forma a partir de uma direção bem específica do presente. O problema é saber de antemão a que futuros levarão certas decisões atuais, para podermos escolhê-las com mais cuidado.
Charlie Wilson diz que “nós fodemos tudo” no final das contas. Podemos dizer que foi sem querer, pois se soubéssemos que a ajuda militar aos afegãos (em segredo, diga-se de passagem), ao lado da negligência total em relação à reconstrução do país após a expulsão dos soviéticos, conduziria em últimas instâncias à ascensão do Talibã, do 11 de setembro e do terrorismo contemporâneo, jamais teríamos tomado as mesmas atitudes. Mas a verdadeira questão – de ordem moral – é: será necessário saber, como que através de uma bola de cristal, os resultados trágicos dos nossos erros, para que só assim evitemos de perpetrá-los? Não seria muito melhor simplesmente tomarmos atitudes mais prudentes, mais humanitárias? Por isso existem as parábolas “zen”...
O que o filme de Mike Nichols quer mostrar é que, no momento mais importante, “cagou-se no pau”. Quer dizer, os EUA movem montanhas (promovendo até mesmo alianças entre Israel e os países islâmicos) para ajudar o Afeganistão (na surdina, é claro, pois se a coisa ficasse clara para a URSS, a Guerra Fria se tornaria uma Guerra Quente, muito Quente), porque os soviéticos estão dizimando o povo afegão, fazendo barbaridades com mulheres, crianças, famílias inteiras; e, no final da guerra, com a vitória nas mãos, quando se trata de também ajudar muito humanitariamente o povo daquele país, construindo escolas e reerguendo a infra-estrutura destruída pela URSS, os soberbos EUA tiram o corpo fora. Quer dizer: aí o problema já não é com a gente...
Mas é sim! Ou ainda será! Charlie Wilson argumenta de modo bem contundente a favor dos jovens de 14 anos que ficarão completamente abandonados sem escolas, mas em vão. Pois são esses jovens, que na faixa dos 25 anos, comporão as fileiras do Talibã, da Al Qaeda, etc. A mensagem do filme é clara, ainda que implícita e sutil o suficiente para que o diretor e o produtor (o próprio Hanks) a neguem. Os EUA gastam 1 bilhão de dólares na ajuda militar de guerra, mas recusam mero 1 milhão para a reconstrução. Depois, não adianta reclamar das conseqüências... Anteriormente, eu usei o pronome “nós” para falar dessa situação. Por que? Muito simples: no nosso querido Brasil, salve-salve, tivemos um caso muito parecido – e continuamos tendo.
Em fins do século XIX, aboliu-se a escravidão. Maravilha! Mas este “glorioso” acontecimento (no dizer de Charlie Wilson) por um acaso veio acompanhado de medidas de investimento em uma infra-estrutura social que integrasse digna e responsavelmente os negros à sociedade? Óbvio que não. Desde quando no Brasil se tem educação pública de alcance universal e de qualidade, um sistema público de saúde eficiente, infra-estrutura de moradia, urbanização e saneamento básico para as populações mais “carentes”, ofertas amplas de trabalho em boas condições e bem remunerado, infra-estrutura de lazer e de cultura, só para citar alguns exemplos básicos de desenvolvimento? Desde nunca, né? O provérbio que se convencionou é: “da senzala para a favela”. E hoje, as mesmas elites responsáveis por este descaso histórico ainda têm a pachorra de reclamar da violência urbana, de pedir mais polícia, mais cadeia, mais leis e até – meu Deus do céu – pena de morte!...
De fato, nós fodemos tudo...
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