O francês Ferdinand Zecca (1864-1947) foi descoberto por Charles Pathé, criador e dono da primeira grande indústria produtora de filmes – que dura até hoje. As semelhanças entre o cinema de Zecca e o de Georges Méliès são consideráveis, mas também o são as diferenças. O primeiro cinema industrial (a Star Film de Méliès e a Pathé Frères) dirigia-se quase que exclusivamente às classes populares: o cinema era artigo de feira, os filmes sendo exibidos debaixo de lonas (a “grande virada” só vai acontecer no final da primeira década do século XX, quando a intensa melhoria da qualidade da produção da Pathé, assim como a diversificação dos seus assuntos, chamará a atenção das classes mais altas e cultas; então, o cinema passará a ser exibido nos teatros, nascendo aí o filme de arte).
Nesse contexto, tanto Méliès quanto Zecca empreenderam para a população uma produção cinematográfica em massa. No entanto, enquanto o primeiro era um verdadeiro “homem-orquestra”, exercendo todas as funções do processo, o segundo dividiu os trabalhos, arrumou colaboradores e, com isso, acabou formando uma escola (segundo Sadoul). Zecca conhecia bem o gosto dos feirantes e do público geral a quem atendia. E para eles – diferentemente de Méliès, foi além da mera trucagem cinematográfica, desenvolvendo uma técnica que incluía também um conteúdo (sempre de gosto popular). Pela primeira vez, o cinema torna-se expressão.
O primeiro sucesso do realizador foi História de um Crime (1901). O assunto era o de uma certa exibição em um museu de figuras de cera inaugurada em 1889. Inclusive, a maioria dos quadros do filme (realizado pela produtora de Pathé) correspondia exatamente à montagem do museu. A maior atração deste filme era uma execução de pena de morte, que fez muito sucesso nas feiras até 1910, quando o governo a censurou. Em 1902, Ferdinand Zecca começa a filmar sua mais importante película, A Vida e Paixão de Jesus Cristo, que será finalizada apenas em 1905. A estética desta obra é a mesma dos presépios de natal e dos quadros da paixão em igrejas, todos de inspiração na arte sacra medieval – com pouca e tosca, ou nenhuma perspectiva (pois o que mais importa aqui é a mensagem do conteúdo; é uma arte exclusivamente pragmática e didática a arte devota).
A primeira obra conscientemente representativa / teatral do Cinema já tinha sido uma Paixão, realizada por Louis Lumière em 1897. É curioso o como a arte do cinema no mundo ocidental tenha nascido da mesma maneira que a arte do teatro e da pintura: através da religião cristã. Mais do que enxergar esse fato como um retorno negativo ao medieval, é interessante que o intelectual laico contemporâneo reconheça com fascinação humana a permanência de temas arquetípicos e transcendentais na arte e na cultura. Quanto à contribuição especificamente cinematográfica do filme de Zecca, este promove, ao contrário de Méliès, a movimentação da câmera em desajeitadas panorâmicas que procuram mostrar a totalidade e grandeza dos cenários. A Paixão de Zecca fez um estrondoso sucesso, ganhando uma nova versão em 1907 e abrindo caminho para uma nova etapa no nascimento e no desenvolvimento da Sétima Arte: o Filme de Arte.
Seguem abaixo “A História de um Crime” e um trecho de “A Paixão” – colorizado à mão. Foi lançado no Brasil, pelo selo Magnus Opus (especializado em filmes raros e de vanguarda), um DVD intitulado “Cristo”, contendo “A Vida e Paixão de Jesus Cristo” e “Da Manjedoura à Cruz” (1912), também de Zecca e Pathé.
2 comentários:
Ótimo texto André.
Abraço!!!
Valeu, camarada! Espero que estes textos sejam úteis, pois é difícil encontrar livros ou sites brasileiros que falem sobre a "arqueologia" do cinema (mostrando os filmes, inclusive - graças a Deus que existe o Youtube estrangeiro)... Abraços!
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