Quem for ao cinema para ver 10.000 a. C. (EUA, 2007, dir.: Roland Emmerich), esperando encontrar algo entre 2001, Uma Odisséia no Espaço (“2001, A Space Odissey”, EUA, 1968, dir.: Stanley Kubrick) e A Guerra do Fogo (“La Guerre du Feu”, Canadá / França / EUA, 1981, dir.: Jean-Jacques Annaud), vai quebrar a cara. Durante muito tempo, o cinema de Hollywood nos acostumou com épicos digamos cerebrais. Epopéias construídas em cima de pesquisa e orientação quase didáticas, epopéias preocupadas com o registro cinematográfico de uma era e de seus acontecimentos que infelizmente não dispunham – no calor do seu momento – da máquina inventada por Lumière, máquina diabólica que veio para se tornar a maior testemunha da História.
Em tais filmes (que pipocavam principalmente nos anos 50 e 60), exalava por todos os seus poros uma maravilhosa sensação de fascinação pelo passado. E pelo passado em si só, visto por nossos olhos contemporâneos como o grande outro, modulando desinteressadamente o seu canto de sereia de mito e de mistério. O abismo do passado (ainda mais do passado distante) é quase como uma divindade caprichosa e indiferente; ele não está nem aí para a nossa tola curiosidade, nem para os medos e esperanças do homem de sua época. O homem, este “bicho da terra tão pequeno” (no dizer do poeta Camões) que tem contra si todos os elementos deste mundo, não possuindo qualquer possibilidade de abrigo. Pois bem, toda esta dimensão do fascínio pela grande aventura humana (é a palavra que melhor a define) passa longe, bem longe de 10.000 a. C.
Roland Emmerich não chega nem aos pés da classe, da inteligência e do coração de um William Wyler (Ben-Hur, 1959), de um Joseph L. Mankiewicz (Cleópatra, 1963), de um Stanley Kubrick (Spartacus, 1960), de um Anthony Mann (El Cid, 1961; A Queda do Império Romano, 1964). E não é o único. Ridley Scott, que também tem lá a sua tara pelos épicos (Gladiador, 1999; Cruzada, 2005), precisa voltar para a escola do mesmo modo. O que é que acontece? De duas, uma: 1. ou Emmerich de fato estuda e pesquisa a tradição cinematográfica (e também literária, científica, filosófica e cultural) relativa ao tema que deseja filmar (o que se recomenda a qualquer aspirante a “artista”);
2. ou o diretor de Godzilla (1998) crê de tal maneira em sua própria genialidade (ou descrê absolutamente em qualquer tradição, o que seria imbecil da mesma forma), que senta para escrever o seu filme como se fosse este o primeiro da história, partindo completamente do zero, da tabula rasa (lembremos que ele também co-assina o roteiro de 10.000 a. C.). Qualquer que seja a escolha, o diretor tropeça e cai muito, muito aquém da sua meta. Nós até podemos entender se algum jovem com pouca bagagem cinematográfica adorar 10.000 a. C. Mas se dermos uns 4 ou 5 filmes antigos mais ou menos do mesmo gênero para esse mesmo jovem assistir, a título de comparação, ele verá com toda a certeza o como que a obra de Roland Emmerich empalidece perto do que é o verdadeiro tesouro.
E é uma pena, pois eu até tinha gostado de O Dia Depois de Amanhã (2004). Emmerich, assim como outros diretores atuais de “blockbusters” (o nome de Michael Bay é o que sempre vem à mente em primeiro lugar), parece seguir radicalmente à risca uma certa lógica do audiovisual contemporâneo, que pode ser resumida como uma extrema subestimação do público espectador: o filme não pode ser longo demais (o que, para eles, significa que deva ter menos de duas horas), com um conteúdo complicado ou aprofundado demais (ou seja, algo que vá além do nível “Wikipédia”), com um ritmo lento demais (a cada cinco minutos deve acontecer algo “bombástico”, para prender o espectador na cadeira, para impedi-lo de dormir; o filme tem que ser “dinâmico”, a câmera tem que estar em constante e veloz movimento, a montagem precisa ser de “vídeo-clipe”, etc).
Emmerich é da geração da passagem entre MTV e Internet (anos 90 / 00), ou seja, a geração da velocidade da informação, a geração das crianças hiper-ativas e dos adolescentes com transtorno de déficit de atenção. Assim, talvez Roland Emmerich nem seja um cineasta ruim, mas apenas um (sub) produto de sua época. É até engraçado perceber o como que os diretores do “cinemão” de tempos atrás já não pertencem à nossa época atual: homens como Steven Spielberg e George Lucas já viraram dinossauros; comparem-se os seus filmes mais recentes com os de seus “herdeiros” e se verá o quanto possuem de uma classe, de uma bagagem (cinematográfica e cultural) e de uma série de preocupações e valores que já não existem mais. A mesma coisa vale para Peter Jackson, o único que busca – e consegue – dialogar com o cinema mais clássico.
Imagine-se toda a fascinação pela imagem do homem primitivo na paisagem do final da Era do Gelo, imagem que poderia fazer gente como Stanley Kubrick ter verdadeiros orgasmos cinematográficos, fotogênicos. Pois Emmerich trata essa imagem como aqueles turistas de final de semana que jogam latinha de cerveja na trilha da cachoeira. Para completar e evidenciar o caráter de alguns planos de 10.000 a. C., só falta um Linkin’ Park na trilha sonora... Enfim, o diretor está (muito) mais interessado na trama folhetinesca dos personagens (nem vou começar a discutir isto aqui sob um ponto de vista antropológico). O que, em princípio, nem é algo ruim: lembremos que a primeira grande superprodução épica do cinema envolvia uma história de novela das 8: trata-se do grande e clássico Cabiria (Itália, 1914, dir.: Giovanni Pastrone).
No entanto, logo se nota que Cabiria possui um roteiro muito bem arquitetado, coerente, significativo, profundo e eficiente. O melodrama de Cabiria funciona. O de 10.000 a. C. não. O roteiro deste filme é incrivelmente “meia-boca”, oportunista, incoerente e gratuito. Só pode agradar a crianças que não tenham visto sequer o longa de animação Irmão Urso (EUA, 2003, dir.: Aaron Blaise e Robert Walker). Retomando o que eu dizia no começo, para finalizar: se o espectador esperar de 10.000 a. C. alguma espécie de Kubrick da vida, sairá terrivelmente frustrado. Mas, se entrar na sala de cinema com Irmão Urso em mente, é possível que desgoste menos do filme. Pois a película de Emmerich não é um épico cerebral (e nem precisaria ser), mas um melodrama histórico. Não obstante, mesmo em relação a este último gênero, a fita é fraca. Irmão Urso é muito melhor.
Em tais filmes (que pipocavam principalmente nos anos 50 e 60), exalava por todos os seus poros uma maravilhosa sensação de fascinação pelo passado. E pelo passado em si só, visto por nossos olhos contemporâneos como o grande outro, modulando desinteressadamente o seu canto de sereia de mito e de mistério. O abismo do passado (ainda mais do passado distante) é quase como uma divindade caprichosa e indiferente; ele não está nem aí para a nossa tola curiosidade, nem para os medos e esperanças do homem de sua época. O homem, este “bicho da terra tão pequeno” (no dizer do poeta Camões) que tem contra si todos os elementos deste mundo, não possuindo qualquer possibilidade de abrigo. Pois bem, toda esta dimensão do fascínio pela grande aventura humana (é a palavra que melhor a define) passa longe, bem longe de 10.000 a. C.
Roland Emmerich não chega nem aos pés da classe, da inteligência e do coração de um William Wyler (Ben-Hur, 1959), de um Joseph L. Mankiewicz (Cleópatra, 1963), de um Stanley Kubrick (Spartacus, 1960), de um Anthony Mann (El Cid, 1961; A Queda do Império Romano, 1964). E não é o único. Ridley Scott, que também tem lá a sua tara pelos épicos (Gladiador, 1999; Cruzada, 2005), precisa voltar para a escola do mesmo modo. O que é que acontece? De duas, uma: 1. ou Emmerich de fato estuda e pesquisa a tradição cinematográfica (e também literária, científica, filosófica e cultural) relativa ao tema que deseja filmar (o que se recomenda a qualquer aspirante a “artista”);
2. ou o diretor de Godzilla (1998) crê de tal maneira em sua própria genialidade (ou descrê absolutamente em qualquer tradição, o que seria imbecil da mesma forma), que senta para escrever o seu filme como se fosse este o primeiro da história, partindo completamente do zero, da tabula rasa (lembremos que ele também co-assina o roteiro de 10.000 a. C.). Qualquer que seja a escolha, o diretor tropeça e cai muito, muito aquém da sua meta. Nós até podemos entender se algum jovem com pouca bagagem cinematográfica adorar 10.000 a. C. Mas se dermos uns 4 ou 5 filmes antigos mais ou menos do mesmo gênero para esse mesmo jovem assistir, a título de comparação, ele verá com toda a certeza o como que a obra de Roland Emmerich empalidece perto do que é o verdadeiro tesouro.
E é uma pena, pois eu até tinha gostado de O Dia Depois de Amanhã (2004). Emmerich, assim como outros diretores atuais de “blockbusters” (o nome de Michael Bay é o que sempre vem à mente em primeiro lugar), parece seguir radicalmente à risca uma certa lógica do audiovisual contemporâneo, que pode ser resumida como uma extrema subestimação do público espectador: o filme não pode ser longo demais (o que, para eles, significa que deva ter menos de duas horas), com um conteúdo complicado ou aprofundado demais (ou seja, algo que vá além do nível “Wikipédia”), com um ritmo lento demais (a cada cinco minutos deve acontecer algo “bombástico”, para prender o espectador na cadeira, para impedi-lo de dormir; o filme tem que ser “dinâmico”, a câmera tem que estar em constante e veloz movimento, a montagem precisa ser de “vídeo-clipe”, etc).
Emmerich é da geração da passagem entre MTV e Internet (anos 90 / 00), ou seja, a geração da velocidade da informação, a geração das crianças hiper-ativas e dos adolescentes com transtorno de déficit de atenção. Assim, talvez Roland Emmerich nem seja um cineasta ruim, mas apenas um (sub) produto de sua época. É até engraçado perceber o como que os diretores do “cinemão” de tempos atrás já não pertencem à nossa época atual: homens como Steven Spielberg e George Lucas já viraram dinossauros; comparem-se os seus filmes mais recentes com os de seus “herdeiros” e se verá o quanto possuem de uma classe, de uma bagagem (cinematográfica e cultural) e de uma série de preocupações e valores que já não existem mais. A mesma coisa vale para Peter Jackson, o único que busca – e consegue – dialogar com o cinema mais clássico.
Imagine-se toda a fascinação pela imagem do homem primitivo na paisagem do final da Era do Gelo, imagem que poderia fazer gente como Stanley Kubrick ter verdadeiros orgasmos cinematográficos, fotogênicos. Pois Emmerich trata essa imagem como aqueles turistas de final de semana que jogam latinha de cerveja na trilha da cachoeira. Para completar e evidenciar o caráter de alguns planos de 10.000 a. C., só falta um Linkin’ Park na trilha sonora... Enfim, o diretor está (muito) mais interessado na trama folhetinesca dos personagens (nem vou começar a discutir isto aqui sob um ponto de vista antropológico). O que, em princípio, nem é algo ruim: lembremos que a primeira grande superprodução épica do cinema envolvia uma história de novela das 8: trata-se do grande e clássico Cabiria (Itália, 1914, dir.: Giovanni Pastrone).
No entanto, logo se nota que Cabiria possui um roteiro muito bem arquitetado, coerente, significativo, profundo e eficiente. O melodrama de Cabiria funciona. O de 10.000 a. C. não. O roteiro deste filme é incrivelmente “meia-boca”, oportunista, incoerente e gratuito. Só pode agradar a crianças que não tenham visto sequer o longa de animação Irmão Urso (EUA, 2003, dir.: Aaron Blaise e Robert Walker). Retomando o que eu dizia no começo, para finalizar: se o espectador esperar de 10.000 a. C. alguma espécie de Kubrick da vida, sairá terrivelmente frustrado. Mas, se entrar na sala de cinema com Irmão Urso em mente, é possível que desgoste menos do filme. Pois a película de Emmerich não é um épico cerebral (e nem precisaria ser), mas um melodrama histórico. Não obstante, mesmo em relação a este último gênero, a fita é fraca. Irmão Urso é muito melhor.
3 comentários:
rapaz ... é muita coragem para ver um filmeco desse com um macho de tanga o tempo todo e nenhuma mina pra pagar peitinho ...
poxa ... é um pouco forçado comparar grandes obras do cinema como Guerra de Fogo e 2001 com mais um lixo de Roland Emmerich ...
Achei o filme bastante monótono, mesmo não sendo tão longo. Um abraço.
Tarãm! Mais uma bela porcaria do cinema.
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