O Gângster (“American Gangster”, EUA, 2007) segue muito bem a linha das melhores fitas “de gângster” dos Estados Unidos. Esta é a riqueza (pois não é todo mundo que tem um talento tão maneirista) e o limite de Ridley Scott (pois não vai além do maneirismo: ou seja, da ótima – mas banal repetição – de velhas – mas interessantes fórmulas). Não obstante, é a melhor produção do diretor desde Os Vigaristas (2003). O filme acompanha a ascensão e queda do chefão do tráfico Frank Lucas (o ótimo Denzel Washington), que, com muito talento e “visão”, domina “a parada” nos violentos subúrbios de Nova Iorque (Harlem, Bronx, Brooklin, Nova Jersey) na passagem dos anos 60 para os 70. Trata-se de uma história real. A trajetória de Frank é narrada em paralelo com a do policial e aspirante a advogado Richie Roberts (Russel Crowe), um dos raros tiras honestos da cidade (e ele é muito honesto mesmo).
Ambos representam as duas faces da moeda do famoso “sonho americano”. Mas essas faces não são simplesmente opostas; elas se relacionam de uma maneira mais dialética, como no símbolo do “yin” e do “yang”. Lucas é um homem que não faz mais do que seguir à risca os velhos ideais “americanos”: família, espírito empreendedor, pioneirismo, livre iniciativa, integridade, honestidade. É o autêntico “self-made man”. Sua mentalidade e seu discurso não entram em contradição com suas atitudes ou com seu modo de vida; pelo menos, não mais do que a mentalidade e o discurso de um grande empresário entraria em contradição com o papel efetivo que ele representa neste mundo. Assim, o “criminoso” não é um corpo estranho, um agente patológico que “corrompe” a sociedade; os “bandidos” são apenas um dos seus muitos produtos e sub-produtos.
A relação do gângster com a sociedade está mais para uma simbiose (ambos dependem um do outro) do que para o velho e manjado parasitismo. Ridley Scott procura deixar todas essas idéias bem claras, com muita didática e o entusiasmo daquele que acredita estar revelando a verdade da “caverna de Platão” para os seus habitantes. Mesmo não “puxando a sardinha” exatamente para lado nenhum (nem polícia nem bandido), este filme é, sociológica e ideologicamente (e também psicologicamente), tão primário quanto aquela “aula” que vemos em Tropa de Elite. Em termos de cinema, são interessantes os planos que mostram as ruas e as habitações do “povão” da Nova Iorque daquela época (e o próprio “povão”): Scott enfatiza aquelas imagens com o mesmo destaque que algum documentário ou alguns longas de ficção mostram as condições de vida em países de “terceiro mundo”.
Ainda na questão da simbiose, o mais interessante é o como a carreira de Frank Lucas se desenvolve em paralelo com a Guerra do Vietnã... Aqui é que vemos que os dois “lados” da América estão mais juntinhos do que muitos gostariam de admitir. Dentro disso, é curioso e significativo o destino (ou falta de destino, para sermos mais exatos) que a participação militar nesta história vai ter no final do filme. Na outra face, o policial Roberts também não é nenhum “santo”, mas faz com muita força de vontade e caráter aquilo que ele tem que fazer. Assim como Lucas. Logo, mal podemos esperar para ver o encontro destas duas forças. Para resumir, no conteúdo este filme não faz nada do que as melhores películas do gênero já não fizeram. Mas faz bem. Ridley Scott afirma mais uma vez seu caráter publicitário. “American Gangster” tem todos os elementos para vender bem.
Na forma, o comercial também é muito bem feito. Este filme segue muito de perto a linguagem do cinema que gosta de transmitir “idéias”. O elemento mais clássico desta linguagem é lógico que é a montagem. E a montagem de O Gângster é muito gostosa de se ver. Faz jus à tradição hollywoodiana de Griffith à Scorsese. O filme inteiro se constrói à base de diversos paralelos (não só os dentre Lucas e Roberts), cada um carregado de assuntos e idéias suficientes para preencher o tempo de umas duas aulas-debate completas. Como a montagem, nesta forma de cinema, estabelece a relação lógica entre planos específicos, é evidente que os planos também tenham que ser prenhes, por sua vez, de assunto e de idéia. E a realização deste fato, no filme, também é evidente.
Mas evidente até demais. O enquadramento e a montagem semanticamente pensados e praticados assumem, infelizmente, uma forma direta e clara demais. Didática, até mesmo (como já disse). O filme é de um didatismo que pode agradar e impressionar bastante adolescentes engajados ou jovens calouros universitários, mas para mim já não funciona mais. Mas, afinal, a Academia de Hollywood não adora filmes pedagógicos? Não são eles que concorrem e ganham “oscars” muitas vezes? (Este O Gângster está concorrendo este ano a melhor direção de arte e melhor atriz coadjuvante para Ruby Dee – que faz a matriarca da família Lucas, a “Mama” Lucas). Tudo neste filme fica demasiadamente claro, simples e inequívoco. Na fotografia, na montagem e no roteiro, tudo se encaixa e se resolve, cada coisa caindo como uma luva em seu devido lugar.
Não há acasos, inesperados, coisas que dão errado na história (a não ser, é lógico, aquilo que todo mundo já espera que dê errado – coisa que o filme procura deixar muito, muito claro). Também não há sublimes, não há sutilezas, não há o desconhecido, o mistério. Neste aspecto, O Gângster é praticamente uma dissertação – não por acaso, o roteiro foi baseado num artigo jornalístico (“The Return of Superfly”, escrito por Marc Jacobson – o link para o texto é http://nymag.com/nymetro/news/people/features/3649/). Este filme não tem a sutileza e a transcendência (que não precisa ser necessariamente religiosa) que vemos em Martin Scorsese (basta pegar Os Infiltrados como exemplo). Enfim, é uma obra competente e interessante, mas com um vôo um pouco baixo. My man...
Ambos representam as duas faces da moeda do famoso “sonho americano”. Mas essas faces não são simplesmente opostas; elas se relacionam de uma maneira mais dialética, como no símbolo do “yin” e do “yang”. Lucas é um homem que não faz mais do que seguir à risca os velhos ideais “americanos”: família, espírito empreendedor, pioneirismo, livre iniciativa, integridade, honestidade. É o autêntico “self-made man”. Sua mentalidade e seu discurso não entram em contradição com suas atitudes ou com seu modo de vida; pelo menos, não mais do que a mentalidade e o discurso de um grande empresário entraria em contradição com o papel efetivo que ele representa neste mundo. Assim, o “criminoso” não é um corpo estranho, um agente patológico que “corrompe” a sociedade; os “bandidos” são apenas um dos seus muitos produtos e sub-produtos.
A relação do gângster com a sociedade está mais para uma simbiose (ambos dependem um do outro) do que para o velho e manjado parasitismo. Ridley Scott procura deixar todas essas idéias bem claras, com muita didática e o entusiasmo daquele que acredita estar revelando a verdade da “caverna de Platão” para os seus habitantes. Mesmo não “puxando a sardinha” exatamente para lado nenhum (nem polícia nem bandido), este filme é, sociológica e ideologicamente (e também psicologicamente), tão primário quanto aquela “aula” que vemos em Tropa de Elite. Em termos de cinema, são interessantes os planos que mostram as ruas e as habitações do “povão” da Nova Iorque daquela época (e o próprio “povão”): Scott enfatiza aquelas imagens com o mesmo destaque que algum documentário ou alguns longas de ficção mostram as condições de vida em países de “terceiro mundo”.
Ainda na questão da simbiose, o mais interessante é o como a carreira de Frank Lucas se desenvolve em paralelo com a Guerra do Vietnã... Aqui é que vemos que os dois “lados” da América estão mais juntinhos do que muitos gostariam de admitir. Dentro disso, é curioso e significativo o destino (ou falta de destino, para sermos mais exatos) que a participação militar nesta história vai ter no final do filme. Na outra face, o policial Roberts também não é nenhum “santo”, mas faz com muita força de vontade e caráter aquilo que ele tem que fazer. Assim como Lucas. Logo, mal podemos esperar para ver o encontro destas duas forças. Para resumir, no conteúdo este filme não faz nada do que as melhores películas do gênero já não fizeram. Mas faz bem. Ridley Scott afirma mais uma vez seu caráter publicitário. “American Gangster” tem todos os elementos para vender bem.
Na forma, o comercial também é muito bem feito. Este filme segue muito de perto a linguagem do cinema que gosta de transmitir “idéias”. O elemento mais clássico desta linguagem é lógico que é a montagem. E a montagem de O Gângster é muito gostosa de se ver. Faz jus à tradição hollywoodiana de Griffith à Scorsese. O filme inteiro se constrói à base de diversos paralelos (não só os dentre Lucas e Roberts), cada um carregado de assuntos e idéias suficientes para preencher o tempo de umas duas aulas-debate completas. Como a montagem, nesta forma de cinema, estabelece a relação lógica entre planos específicos, é evidente que os planos também tenham que ser prenhes, por sua vez, de assunto e de idéia. E a realização deste fato, no filme, também é evidente.
Mas evidente até demais. O enquadramento e a montagem semanticamente pensados e praticados assumem, infelizmente, uma forma direta e clara demais. Didática, até mesmo (como já disse). O filme é de um didatismo que pode agradar e impressionar bastante adolescentes engajados ou jovens calouros universitários, mas para mim já não funciona mais. Mas, afinal, a Academia de Hollywood não adora filmes pedagógicos? Não são eles que concorrem e ganham “oscars” muitas vezes? (Este O Gângster está concorrendo este ano a melhor direção de arte e melhor atriz coadjuvante para Ruby Dee – que faz a matriarca da família Lucas, a “Mama” Lucas). Tudo neste filme fica demasiadamente claro, simples e inequívoco. Na fotografia, na montagem e no roteiro, tudo se encaixa e se resolve, cada coisa caindo como uma luva em seu devido lugar.
Não há acasos, inesperados, coisas que dão errado na história (a não ser, é lógico, aquilo que todo mundo já espera que dê errado – coisa que o filme procura deixar muito, muito claro). Também não há sublimes, não há sutilezas, não há o desconhecido, o mistério. Neste aspecto, O Gângster é praticamente uma dissertação – não por acaso, o roteiro foi baseado num artigo jornalístico (“The Return of Superfly”, escrito por Marc Jacobson – o link para o texto é http://nymag.com/nymetro/news/people/features/3649/). Este filme não tem a sutileza e a transcendência (que não precisa ser necessariamente religiosa) que vemos em Martin Scorsese (basta pegar Os Infiltrados como exemplo). Enfim, é uma obra competente e interessante, mas com um vôo um pouco baixo. My man...
4 comentários:
Concordou com a vitoria da Ruby no SAG? será que é uma tendencia tbm para o Oscar repetir tal premiação?
Muita gente achou desprezível ela ter ganho.. teve muitas controversias, heheh... falaram qeu elea aprece muito pocuo e nada dignod e boas atuaç~eos, aepnas uma...enfim, depois de tantos coemntário já qeu fiquei mais ansiosos de assistir a ese fime só apra ver se ela faz jsutiça com ot anto que estam falando aml dela...rs
abraços
Ruby Dee aparece mesmo pouco no filme. Mas atua muito bem, principalmente em uma cena... Parece que o SAG e o Oscar estão agora julgando o trabalho do ator por cenas específicas, não importando a função que o ator ou atriz tem para o filme como um todo...
Poxa, que pena que apesar de ter achado interessante vc não gostou tanto do filme. Ah, e esse "My man" no final, hahaha, ficou ótimo! Se eu tivesse pensado nisso, teria terminado meu texto assim tb, quando escrevi sobre o filme. Tem tudo a ver mesmo! Abraço.
Não achei o filme o máximo, mas gostei razoavelmente bem. Valeu a pena ter visto e é um filme gostoso de ver, pois prende a atenção de tal maneira que a gente nem vê as mais de duas horas de exibição passarem. Abraços!
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