A melhor forma de protesto nas artes não é aquele nervosismo dos manifestos e das obras “engajadas”. Uma crítica que usa – assim como o seu alvo – da mesma indiferença, ou desprezo, ou ainda crueldade para com o gênero humano não é uma crítica de verdade. Ela não faz mais do que se igualar ao seu objeto. Todo o conteúdo e toda a forma de uma obra de arte que se pretenda de “resistência” – nos mínimos detalhes – devem estabelecer uma oposição bem clara (sem, contudo, perder a sutileza, o que não é fácil). Explicando melhor: eu prefiro mil, mil vezes os filmes de Charles Chaplin e de Jacques Tati enquanto crítica ao capitalismo burguês a qualquer Glauber Rocha, Jean-Luc Godard, ou outro cineasta “cult” entre o público universitário “esclarecido”. E por que? Não tanto por causa da comédia, da sátira corrosiva, mas simplesmente porque a humanidade, o senso do humano que há nesses dois grandes mestres não se encontra – pelo menos, não com a mesma dose – em mais ninguém. Acredito que só a humanidade mais pura e essencial (e também acredito que essa pureza é possível) é capaz de se contrapor ao maquinário do capital. Apenas o riso (seja ele ingênuo, seja sarcástico) pode ser uma arma eficaz contra a seriedade, a sisudez fanática que assombra tanto o capitalismo mais selvagem quanto o socialismo mais doutrinário.
Aí está o cinema de Jacques Tati. Seu grande personagem, Ms. Hulot, em sua ingenuidade engajada – o paradoxo é apenas aparente – renova em nós tanto as forças para a “luta” quanto a esperança num “outro mundo possível”. Não me venham dizer que estou fazendo uma leitura marxista; o conservadorismo revolucionário (outro paradoxo maravilhoso) de Tati vai muito além de qualquer sistema ou ideologia política “muderna”... O diretor de Meu Tio, não faz dissertação (comum no cinema narrativo dito engajado), mas também não pratica narração: os enredos de seus filmes mal poderiam ser parafraseados. Tati apenas descreve, utilizando para isso todo o poder específico da sétima arte. Seus filmes são compostos por uma série de quadros cômicos de grande significado.
Em Meu Tio (1958), temos um solteirão boêmio (Ms. Hulot), morador de um bairro antigo e popular, que desenvolve uma relação muito próxima com o sobrinho, filho único de sua irmã, despertando o ciúmes do pai (disfarçado em outras formas de indignação). É muito engraçado ver o Sr. Arpel e a esposa falando sobre Hulot, dizendo que “ele precisa de um rumo na vida, que precisa casar e se estabelecer, arrumar um emprego, porque assim do jeito que está não dá... ele é uma má influência para o sobrinho...” Essas falas, essas mentalidades, quantas vezes já não ouvimos isso nas famílias burguesas? O mais triste (ou mais feliz) é que os burgueses em Tati não são maus. De jeito nenhum. Sua intolerância vem apenas da estreiteza de sua visão de mundo, que foi proporcionada por sua estreita experiência de vida. A família é apenas uma vítima da máquina cultural do capitalismo.
Cada plano em Meu Tio, na minha opinião a obra-prima do diretor, é cuidadosamente decupado e altamente significativo. Jacques Tati é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes e verdadeiros cineastas – na acepção do cinema puro de que Alfred Hitchcock fala nas entrevistas com François Truffaut: significar o máximo possível usando meios exclusivamente cinematográficos, sem apelar para diálogos, trabalhando apenas com a câmera e seus movimentos, com a fotografia e a montagem. Nesse aspecto, os filmes de Tati são praticamente mudos (Ms. Hulot fala o mínimo necessário), e não apenas para fazer corpo à tradição das gags visuais de comediantes de gestos desengonçados.
Não convém esmiuçar aqui todas as gags do filme, mas algumas delas são impagáveis. Logo no começo, temos o “mundo cão”: o cachorrinho da família burguesa se diverte nas ruas do bairro popular com os cães vadios, chafurdando no lixo e correndo para lá e para cá. Mas quando ele volta para casa, os outros não passam do portão; ficam olhando longamente para dentro. Esse cãozinho e o Ms. Hulot são os únicos da família que têm essa mobilidade social por conta própria, os únicos que vivem livres e plenamente no mundo. Hulot ainda faz o favor de levar o sobrinho para o bairro popular, onde ele brincará com os garotos “vadios”. Fico pensando em nossas crianças moradoras dos bairros nobres e dos condomínios fechados...
Aí está o cinema de Jacques Tati. Seu grande personagem, Ms. Hulot, em sua ingenuidade engajada – o paradoxo é apenas aparente – renova em nós tanto as forças para a “luta” quanto a esperança num “outro mundo possível”. Não me venham dizer que estou fazendo uma leitura marxista; o conservadorismo revolucionário (outro paradoxo maravilhoso) de Tati vai muito além de qualquer sistema ou ideologia política “muderna”... O diretor de Meu Tio, não faz dissertação (comum no cinema narrativo dito engajado), mas também não pratica narração: os enredos de seus filmes mal poderiam ser parafraseados. Tati apenas descreve, utilizando para isso todo o poder específico da sétima arte. Seus filmes são compostos por uma série de quadros cômicos de grande significado.
Em Meu Tio (1958), temos um solteirão boêmio (Ms. Hulot), morador de um bairro antigo e popular, que desenvolve uma relação muito próxima com o sobrinho, filho único de sua irmã, despertando o ciúmes do pai (disfarçado em outras formas de indignação). É muito engraçado ver o Sr. Arpel e a esposa falando sobre Hulot, dizendo que “ele precisa de um rumo na vida, que precisa casar e se estabelecer, arrumar um emprego, porque assim do jeito que está não dá... ele é uma má influência para o sobrinho...” Essas falas, essas mentalidades, quantas vezes já não ouvimos isso nas famílias burguesas? O mais triste (ou mais feliz) é que os burgueses em Tati não são maus. De jeito nenhum. Sua intolerância vem apenas da estreiteza de sua visão de mundo, que foi proporcionada por sua estreita experiência de vida. A família é apenas uma vítima da máquina cultural do capitalismo.
Cada plano em Meu Tio, na minha opinião a obra-prima do diretor, é cuidadosamente decupado e altamente significativo. Jacques Tati é, sem dúvida nenhuma, um dos grandes e verdadeiros cineastas – na acepção do cinema puro de que Alfred Hitchcock fala nas entrevistas com François Truffaut: significar o máximo possível usando meios exclusivamente cinematográficos, sem apelar para diálogos, trabalhando apenas com a câmera e seus movimentos, com a fotografia e a montagem. Nesse aspecto, os filmes de Tati são praticamente mudos (Ms. Hulot fala o mínimo necessário), e não apenas para fazer corpo à tradição das gags visuais de comediantes de gestos desengonçados.
Não convém esmiuçar aqui todas as gags do filme, mas algumas delas são impagáveis. Logo no começo, temos o “mundo cão”: o cachorrinho da família burguesa se diverte nas ruas do bairro popular com os cães vadios, chafurdando no lixo e correndo para lá e para cá. Mas quando ele volta para casa, os outros não passam do portão; ficam olhando longamente para dentro. Esse cãozinho e o Ms. Hulot são os únicos da família que têm essa mobilidade social por conta própria, os únicos que vivem livres e plenamente no mundo. Hulot ainda faz o favor de levar o sobrinho para o bairro popular, onde ele brincará com os garotos “vadios”. Fico pensando em nossas crianças moradoras dos bairros nobres e dos condomínios fechados...
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