A imagem no cinema revela, desvela. Tudo o que aparece no enquadramento está posto a nu. E nos esquecemos de que o campo de visão na tela remete a um olhar, a um ponto de vista: o da câmera, antes de mais nada; uma máquina colocada em algum ponto daquele mesmo espaço físico, recortando-o e estabelecendo o que chamamos de espaço diegético. Mas o seu próprio corpo, logicamente, fica fora desse espaço “inventado”.
Assim, o que está caché ( = escondido ) é, em primeiro lugar, a própria câmera, a maior responsável pela existência não-velada do filme. A condição necessária para que mostre tudo é a de se esconder a si própria – e ao seu próprio ato. Há algo de vergonha nisso, da relação conflituosa entre pudor e fetiche. O ato da câmera é um ato de vouyerismo. Todas essas constatações são banais, mas por que as fazemos aqui?
Apenas para pensar um pouco na maneira como foi construída a narrativa fílmica de Caché (França / Áustria / Alemanha / Itália / EUA, 2005; dir.: Michael Haneke). Temos ali (o olhar de) uma câmera que invade a esfera da intimidade de uma família burguesa – por direito inviolável. O objetivo subentendido desse primeiro ato de violência é desmascarar a violência primeira que está na formação do indivíduo burguês (no caso, um apresentador de TV).
Para tanto, a própria câmera denunciante (assim como o seu pressuposto operador) não podem jamais se revelar. E isso o diretor leva muito a sério. No intuito de demonstrar sua tese e manter uma espécie de coerência poética, o filme não faz qualquer concessão às expectativas do (olha só o termo) espectador. Caché é bastante naturalista, mas de um modo muito bem elaborado, sofisticado até.
A imagem da câmera de vídeo que espia e a imagem da própria câmera do filme de Haneke entram em indissociável amálgama nos momentos que podemos chamar de “estribilhos” do filme. Mais importante: o filme começa e termina por tal identificação. Sabemos, é claro, que ambas são manuseadas por alguém, por alguma subjetividade.
Mas, para criar na medida do possível o necessário o efeito de objetividade em relação a uma “verdade” descoberta, as subjetividades “sádicas” do terrorista e do próprio Haneke – respectivamente – precisam apagar-se. De que adiantaria Georges (o apresentador) saber que as imagens enviadas para ele foram produzidas por algum desafeto seu (ainda que com grandes motivos), ou ainda por algum psicopata estranho qualquer?
Desse modo, ele não seria posto em contato consigo mesmo, com as próprias e assustadoras verdades interiores que tentou reprimir mas que se manifestam livremente nos seus sonhos (onde mais?). E através desse mesmo “caché”, nós espectadores somos colocados na mesma posição que o protagonista, tornamo-nos cúmplices dele; com isso, podemos supostamente compreender melhor a sua situação.
Assim, o plano do artista (Haneke), o plano da narrativa (Georges) e o plano do espectador ombreiam-se na mesma coerência. Jamais descobriremos, (assim como Georges) a verdade factual, pois a única que interessa é das atitudes e pensamentos do próprio personagem. Para ser bem aproveitado, este filme requer anti-espectadores.
Assim, o que está caché ( = escondido ) é, em primeiro lugar, a própria câmera, a maior responsável pela existência não-velada do filme. A condição necessária para que mostre tudo é a de se esconder a si própria – e ao seu próprio ato. Há algo de vergonha nisso, da relação conflituosa entre pudor e fetiche. O ato da câmera é um ato de vouyerismo. Todas essas constatações são banais, mas por que as fazemos aqui?
Apenas para pensar um pouco na maneira como foi construída a narrativa fílmica de Caché (França / Áustria / Alemanha / Itália / EUA, 2005; dir.: Michael Haneke). Temos ali (o olhar de) uma câmera que invade a esfera da intimidade de uma família burguesa – por direito inviolável. O objetivo subentendido desse primeiro ato de violência é desmascarar a violência primeira que está na formação do indivíduo burguês (no caso, um apresentador de TV).
Para tanto, a própria câmera denunciante (assim como o seu pressuposto operador) não podem jamais se revelar. E isso o diretor leva muito a sério. No intuito de demonstrar sua tese e manter uma espécie de coerência poética, o filme não faz qualquer concessão às expectativas do (olha só o termo) espectador. Caché é bastante naturalista, mas de um modo muito bem elaborado, sofisticado até.
A imagem da câmera de vídeo que espia e a imagem da própria câmera do filme de Haneke entram em indissociável amálgama nos momentos que podemos chamar de “estribilhos” do filme. Mais importante: o filme começa e termina por tal identificação. Sabemos, é claro, que ambas são manuseadas por alguém, por alguma subjetividade.
Mas, para criar na medida do possível o necessário o efeito de objetividade em relação a uma “verdade” descoberta, as subjetividades “sádicas” do terrorista e do próprio Haneke – respectivamente – precisam apagar-se. De que adiantaria Georges (o apresentador) saber que as imagens enviadas para ele foram produzidas por algum desafeto seu (ainda que com grandes motivos), ou ainda por algum psicopata estranho qualquer?
Desse modo, ele não seria posto em contato consigo mesmo, com as próprias e assustadoras verdades interiores que tentou reprimir mas que se manifestam livremente nos seus sonhos (onde mais?). E através desse mesmo “caché”, nós espectadores somos colocados na mesma posição que o protagonista, tornamo-nos cúmplices dele; com isso, podemos supostamente compreender melhor a sua situação.
Assim, o plano do artista (Haneke), o plano da narrativa (Georges) e o plano do espectador ombreiam-se na mesma coerência. Jamais descobriremos, (assim como Georges) a verdade factual, pois a única que interessa é das atitudes e pensamentos do próprio personagem. Para ser bem aproveitado, este filme requer anti-espectadores.
2 comentários:
Grande lucidez, mais uma vez!
abraço,
Wanderson Lima
Valeu!
Estamos aí...
Abs!
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