Eis que entre duas obras-primas do cinema norte-americano (O Poderoso Chefão – 1972; e Apocalipse Now – 1979) Francis Ford Coppola encaixa uma fita à lá cinema europeu. Isto significa que A Conversação (“The Conversation”: EUA, 1974) promove uma impressão mais direta do tempo na tela, em planos mais longos cujos acontecimentos mostrados não se resolvem necessariamente no encaminhamento da intriga.
Ou até se resolvem, mas descrevendo nos mínimos detalhes os gestos e atitudes envolvidos, o que contribui sobremaneira para aprofundar (ou afundar mesmo) o espectador no universo íntimo da personagem principal, o espião profissional Harry Caul (Gene Hackman). E o mais importante nesse foco é acompanhar as andanças de passos retraídos ou tomados muito temerariamente por ele, em uma busca infrutífera.
O drama é: não há nada que ele possa fazer – dentre o que ele queira fazer. Pois já está consumado o que ele talvez desejasse não ter feito. A partir daí, as conseqüências escapam-lhe absolutamente. Cortou-se o fio que transmite o gesto do indivíduo ao rodar do mundo. Perdido no espaço, Harry perdeu os referentes e as relações: sua “namorada”, amigos e colegas de trabalho que o digam.
Só lhe resta tocar saxofone – à toa – no apartamento desmantelado – à toa. A verdade não existe. Se existe, a interpretação apressada dos fatos – e apenas fragmentos de fatos, nada mais – impede o acesso a ela. Mas, de tudo não se tem em mãos mais do que fragmentos mesmo; e para o trabalho com tais elementos, o único instrumento que se torna possível é a frágil interpretação.
Chega-se inevitavelmente a um impasse. E impasses provocam ansiedade, pânico. O quarto de hotel em que Harry se hospeda, quando chega mais próximo de descobrir a verdade e fazer uma interferência positiva em relação a ela, mostra bem o que é isso. Agir sem conhecer todas as variáveis de uma situação. Ou sem conhecer qualquer variável. E, ainda por cima, responsabilizar-se plenamente pelas decisões.
A cena mais significativa da contradição entre a ação individual e a real dimensão das coisas é a que mostra Harry contando e juntando, meio atabalhoado, o dinheiro recebido pelo trabalho “sujo” que é – no final das contas – apenas o “mcguffin” (pretexto) que dispara as reflexões propostas pelo filme. Harry tenta, mas não pode se enganar. O que ele faz não é somente um trabalho.
Mas o que é, de fato, ele não faz a menor idéia. Ou melhor, faz uma idéia muito equivocada. E pagará por isso. A cena citada acima, dentre outras, é um grande momento de encenação cinematográfica pois traz em seu bojo o sentido do personagem e do filme, de modo muito sutil. E só mesmo a imagem mais demorada e mais fixa – mais “europeia” portanto – é capaz de expressar tal conteúdo adequadamente.
Citando Andrei Tarkovski, percebemos em “A Conversação” a pressão do tempo dentro de cada plano. A questão em Coppola é que se trata de um tempo que urge decisões, ações. Mas estas são impossíveis ou equivocadas, como vimos. Assim, o tempo faz os planos como que explodirem (no segundo caso, graças à pressão interna de cada um), ou implodirem (no primeiro, graças à pressão externa, ou seja, à força exercida em um plano pelos adjacentes, daí a expressividade da montagem neste filme).
A última cena é construída com planos de “explosão” (o desmantelar desesperado e inútil do próprio apartamento em busca de escutas), sendo que a última imagem é de “implosão” (a desistência de Harry, que fica a tocar seu saxofone no meio do ambiente destruído). Um movimento de câmera muito simples mas bem expressivo marca esse último plano, fazendo a “ligação” entre o personagem e o resultado de sua ação anterior. A tensão, colocada desde o começo do filme, não se resolveu, nem arrefeceu.
Ou até se resolvem, mas descrevendo nos mínimos detalhes os gestos e atitudes envolvidos, o que contribui sobremaneira para aprofundar (ou afundar mesmo) o espectador no universo íntimo da personagem principal, o espião profissional Harry Caul (Gene Hackman). E o mais importante nesse foco é acompanhar as andanças de passos retraídos ou tomados muito temerariamente por ele, em uma busca infrutífera.
O drama é: não há nada que ele possa fazer – dentre o que ele queira fazer. Pois já está consumado o que ele talvez desejasse não ter feito. A partir daí, as conseqüências escapam-lhe absolutamente. Cortou-se o fio que transmite o gesto do indivíduo ao rodar do mundo. Perdido no espaço, Harry perdeu os referentes e as relações: sua “namorada”, amigos e colegas de trabalho que o digam.
Só lhe resta tocar saxofone – à toa – no apartamento desmantelado – à toa. A verdade não existe. Se existe, a interpretação apressada dos fatos – e apenas fragmentos de fatos, nada mais – impede o acesso a ela. Mas, de tudo não se tem em mãos mais do que fragmentos mesmo; e para o trabalho com tais elementos, o único instrumento que se torna possível é a frágil interpretação.
Chega-se inevitavelmente a um impasse. E impasses provocam ansiedade, pânico. O quarto de hotel em que Harry se hospeda, quando chega mais próximo de descobrir a verdade e fazer uma interferência positiva em relação a ela, mostra bem o que é isso. Agir sem conhecer todas as variáveis de uma situação. Ou sem conhecer qualquer variável. E, ainda por cima, responsabilizar-se plenamente pelas decisões.
A cena mais significativa da contradição entre a ação individual e a real dimensão das coisas é a que mostra Harry contando e juntando, meio atabalhoado, o dinheiro recebido pelo trabalho “sujo” que é – no final das contas – apenas o “mcguffin” (pretexto) que dispara as reflexões propostas pelo filme. Harry tenta, mas não pode se enganar. O que ele faz não é somente um trabalho.
Mas o que é, de fato, ele não faz a menor idéia. Ou melhor, faz uma idéia muito equivocada. E pagará por isso. A cena citada acima, dentre outras, é um grande momento de encenação cinematográfica pois traz em seu bojo o sentido do personagem e do filme, de modo muito sutil. E só mesmo a imagem mais demorada e mais fixa – mais “europeia” portanto – é capaz de expressar tal conteúdo adequadamente.
Citando Andrei Tarkovski, percebemos em “A Conversação” a pressão do tempo dentro de cada plano. A questão em Coppola é que se trata de um tempo que urge decisões, ações. Mas estas são impossíveis ou equivocadas, como vimos. Assim, o tempo faz os planos como que explodirem (no segundo caso, graças à pressão interna de cada um), ou implodirem (no primeiro, graças à pressão externa, ou seja, à força exercida em um plano pelos adjacentes, daí a expressividade da montagem neste filme).
A última cena é construída com planos de “explosão” (o desmantelar desesperado e inútil do próprio apartamento em busca de escutas), sendo que a última imagem é de “implosão” (a desistência de Harry, que fica a tocar seu saxofone no meio do ambiente destruído). Um movimento de câmera muito simples mas bem expressivo marca esse último plano, fazendo a “ligação” entre o personagem e o resultado de sua ação anterior. A tensão, colocada desde o começo do filme, não se resolveu, nem arrefeceu.
2 comentários:
Dentre as inúmeras coisas que podemos destacar deste filme extraordinário está a sequência da escuta (ou da captação de som à distância para fins de espionagem) em uma praça.
O domínio da tecnologia de vanguarda (à época) a serviço do melhor cinema.
Aquela tecnologia, seja a da espionagem, seja a de filmagem e de encenação da espionagem, hoje pode estar superada. Mas a sequência vista hoje mantém um fascínio insuperável.
Pura arte.
Tarso
Esse efeito "vintage" traz mesmo um charme para o filme, visto hoje. Um crítico disse que "A Conversação" é melhor do que "Blow Up". Não sei se concordo, mas a relação é interessante...
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