Uma elegia à vida. Pois a vida é maior do qualquer um dos complicados esquemas dentro dos quais nós constantemente ficamos tentando aprisioná-la, condicioná-la. Podemos chamar esses esquemas de sonhos, planos de vida, conquistas, vitórias, mas não podemos nos deixar dominar por sua mesquinharia. Contudo, sejamos sensatos: não se trata aqui de abandonar o que nos move e comove; apenas lidar com os planejamentos e expectativas de uma maneira desapegada, aproveitando ao máximo o que eles tem de melhor a oferecer, mas não condicionar – de modo algum – nosso ser ou o conjunto das nossas experiências à algum determinado objetivo que atinjamos ou não (principalmente se o não atingirmos).
Viver a vida de maneira alegre e “desencanada”: essa é a lição do velho “Grandpa”. Obrigado, vovô! Foi bem dado o Oscar a Alan Arkin por esse personagem. Dentro de uma família tipicamente disfuncional, o vovô “chapado” é uma presença curiosa e estimulante. É uma daquelas personagens cujo brilho é fazer as outras brilharem. Pelo que se entende, o vovô é uma daquelas pessoas que só descobrem o que é a vida de verdade, e o que dá graça a ela, tarde demais; ainda assim, it ain’t over till its over. Desse modo, temos um vovô tarado, usuário de heroína (a velhice, para ele, é o momento certo para se usar essa droga), e sobretudo alegre, daquela alegria simples e pouco exigente das crianças. Não é à toa que o vovô e a pequena Olive são as figuras que mantêm a família unida no que ela tem de bom, e ainda ajudam cada um de seus membros a despertarem- se, conhecerem-se melhor em seu interior e, assim, a viverem melhor – consigo mesmos e com os outros.
Pequena Miss Sunshine (“Little Miss Sunshine”, EUA, 2006, dir.: Jonathan Dayton e Valerie Faris) consegue a façanha de trazer personagens com todas as características do tipo, mas, ainda assim, dotados de uma especificidade e densidade humanas trabalhadas muito bem pelo filme, em paralelo com o lado típico. Não é um daqueles filmes indie com pessoas esquisitas e sorumbáticas; mas também não é daqueles filmes de tese, onde as pessoas são apenas cascas a serem preenchidas com idéias e ideologias. Esses dois tipos de filmes costumam ser bem recebidos nos meios cinéfilos mais alternativos e cultos. Entretenato, “Pequena Miss Sunshine” é um filme profundamente humano, a um tempo cômico e dramático. Tudo nele é bem mesurado e encaixado com graça e sutileza.
A galeria de personagens é fantástica: o pai, Richard (Greg Kinnear) é um guru da auto-ajuda que não consegue ajudar a si próprio, não faz sucesso nem ganha dinheiro com a sua fórmula mágica do sucesso. A ingenuidade com que ele repete para todo mundo (especialmente para a sua filha, a pequena Olive), convictamente, aqueles lugares-comuns da auto-ajuda para profissionais e esportistas fazem dele a figura mais patética do filme. A cena, logo no início, em que vemos Richard palestrar com paixão e ímpeto e, no plano seguinte, vemos que a sua “platéia” é composta apenas de uma meia dúzia de “gatos pingados”, é de uma força e graça cinematográficas exemplares. Bonito é o momento em que, finalmente, Richard usará de suas baboseiras para tomar uma atitude realmente positiva e eficiente para si e para todos os outros. A mãe, Sheryl (Toni Collette), é a mãe típica, a “Marge Simpson” não muito esclarecida mas profundamente preocupada com a sua família. O filho mais velho, Dwayne (Paul Dano), é o adolescente revoltado, justamente a figura “indie” esquisita e sorumbática, leitor assíduo de Nietzche que sonha em entrar para a Academia da Força Aérea. A filha mais nova, Olive (Abigail Breslin), sonha em ser “Miss” e batalha, desde já, em concursos de beleza infantis. O tio – irmão de Sheryl – Frank (Steve Carrell), é o segundo maior especialista em Marcel Proust nos EUA; as razões de ele não ser o número um ajudam a compor a sua tragédia, que tinha acabado de levá-lo a uma tentativa de suicídio. É o novo membro, que entra na família para ser cuidado pela irmã. E, a figura mais interessante, “figuraça” até, fica a cargo do “grandpa” (Alan Arkin) – pai de Richard, do qual já falamos.
Pois é tal família que entrará numa Kombi amarela com defeitos de embreagem e buzina para levar a pequena Olive ao concurso de beleza “Pequena Miss Sunshine”. Com esses personagens, já vá imaginando como será a viagem. E acredite: o filme não decepcionará qualquer imaginação.
A fotografia é muito bonita e significativa, especialmente na cena em profundidade de campo, quando a família tenta resgatar Dwayne – literalmente – do fundo da ribanceira. A ação da pequena Olive nesta cena, filmada de tal maneira, constitui um momento de grandiosidade cinematográfica como fazia tempo que eu não via. As gags são muito bem captadas e montadas, como na cena da palestra no início, que já comentamos, e também a cena em que a buzina da Kombi dispara continuamente por conta própria – num som ao mesmo tempo chinfrim e altamente irritante – o que chama a atenção de um policial que, naquele momento, não seria bom que revistasse o veículo...
A moral do filme pode parecer óbvia e banal, mas é daquelas que continuamente nos esquecemos. Além do mais, o roteiro e a decupagem desculpariam qualquer ingenuidade de conteúdo. Mas o final não é nem um pouco ingênuo. Temos aqui uma crítica bem astuta. Não gosto de “spoilers”, por isso apenas colocarei a seguinte questão: os concursos de beleza infantis para meninas exploram descaradamente a sexualidade precoce: as meninas ali, de 6 ou 7 anos, em trajes sumários, com maquiagem pesada e atitudes “provocantes” parecem pequenas bonecas representando a futura mulher-objeto. É perturbador, elas não parecem seres humanos de verdade. Sendo assim, como pode ser mal visto o fato de uma delas realmente assumir esse fato e jogar pra valer o “jogo”, fazendo a sua apresentação sob a forma de strip-tease? É claro que esse “strip-tease” não passará do maiôzinho que ela veste, mas o fato de alguém assumir corajosamente a máscara e entregar-se de fato às funções exigidas por tal máscara revela muito a nossa hipocrisia, quando imediatamente desqualificamos com nojo um “exagero” desses.
Por isso, agradeçamos mais uma vez: Obrigado, vovô!
Viver a vida de maneira alegre e “desencanada”: essa é a lição do velho “Grandpa”. Obrigado, vovô! Foi bem dado o Oscar a Alan Arkin por esse personagem. Dentro de uma família tipicamente disfuncional, o vovô “chapado” é uma presença curiosa e estimulante. É uma daquelas personagens cujo brilho é fazer as outras brilharem. Pelo que se entende, o vovô é uma daquelas pessoas que só descobrem o que é a vida de verdade, e o que dá graça a ela, tarde demais; ainda assim, it ain’t over till its over. Desse modo, temos um vovô tarado, usuário de heroína (a velhice, para ele, é o momento certo para se usar essa droga), e sobretudo alegre, daquela alegria simples e pouco exigente das crianças. Não é à toa que o vovô e a pequena Olive são as figuras que mantêm a família unida no que ela tem de bom, e ainda ajudam cada um de seus membros a despertarem- se, conhecerem-se melhor em seu interior e, assim, a viverem melhor – consigo mesmos e com os outros.
Pequena Miss Sunshine (“Little Miss Sunshine”, EUA, 2006, dir.: Jonathan Dayton e Valerie Faris) consegue a façanha de trazer personagens com todas as características do tipo, mas, ainda assim, dotados de uma especificidade e densidade humanas trabalhadas muito bem pelo filme, em paralelo com o lado típico. Não é um daqueles filmes indie com pessoas esquisitas e sorumbáticas; mas também não é daqueles filmes de tese, onde as pessoas são apenas cascas a serem preenchidas com idéias e ideologias. Esses dois tipos de filmes costumam ser bem recebidos nos meios cinéfilos mais alternativos e cultos. Entretenato, “Pequena Miss Sunshine” é um filme profundamente humano, a um tempo cômico e dramático. Tudo nele é bem mesurado e encaixado com graça e sutileza.
A galeria de personagens é fantástica: o pai, Richard (Greg Kinnear) é um guru da auto-ajuda que não consegue ajudar a si próprio, não faz sucesso nem ganha dinheiro com a sua fórmula mágica do sucesso. A ingenuidade com que ele repete para todo mundo (especialmente para a sua filha, a pequena Olive), convictamente, aqueles lugares-comuns da auto-ajuda para profissionais e esportistas fazem dele a figura mais patética do filme. A cena, logo no início, em que vemos Richard palestrar com paixão e ímpeto e, no plano seguinte, vemos que a sua “platéia” é composta apenas de uma meia dúzia de “gatos pingados”, é de uma força e graça cinematográficas exemplares. Bonito é o momento em que, finalmente, Richard usará de suas baboseiras para tomar uma atitude realmente positiva e eficiente para si e para todos os outros. A mãe, Sheryl (Toni Collette), é a mãe típica, a “Marge Simpson” não muito esclarecida mas profundamente preocupada com a sua família. O filho mais velho, Dwayne (Paul Dano), é o adolescente revoltado, justamente a figura “indie” esquisita e sorumbática, leitor assíduo de Nietzche que sonha em entrar para a Academia da Força Aérea. A filha mais nova, Olive (Abigail Breslin), sonha em ser “Miss” e batalha, desde já, em concursos de beleza infantis. O tio – irmão de Sheryl – Frank (Steve Carrell), é o segundo maior especialista em Marcel Proust nos EUA; as razões de ele não ser o número um ajudam a compor a sua tragédia, que tinha acabado de levá-lo a uma tentativa de suicídio. É o novo membro, que entra na família para ser cuidado pela irmã. E, a figura mais interessante, “figuraça” até, fica a cargo do “grandpa” (Alan Arkin) – pai de Richard, do qual já falamos.
Pois é tal família que entrará numa Kombi amarela com defeitos de embreagem e buzina para levar a pequena Olive ao concurso de beleza “Pequena Miss Sunshine”. Com esses personagens, já vá imaginando como será a viagem. E acredite: o filme não decepcionará qualquer imaginação.
A fotografia é muito bonita e significativa, especialmente na cena em profundidade de campo, quando a família tenta resgatar Dwayne – literalmente – do fundo da ribanceira. A ação da pequena Olive nesta cena, filmada de tal maneira, constitui um momento de grandiosidade cinematográfica como fazia tempo que eu não via. As gags são muito bem captadas e montadas, como na cena da palestra no início, que já comentamos, e também a cena em que a buzina da Kombi dispara continuamente por conta própria – num som ao mesmo tempo chinfrim e altamente irritante – o que chama a atenção de um policial que, naquele momento, não seria bom que revistasse o veículo...
A moral do filme pode parecer óbvia e banal, mas é daquelas que continuamente nos esquecemos. Além do mais, o roteiro e a decupagem desculpariam qualquer ingenuidade de conteúdo. Mas o final não é nem um pouco ingênuo. Temos aqui uma crítica bem astuta. Não gosto de “spoilers”, por isso apenas colocarei a seguinte questão: os concursos de beleza infantis para meninas exploram descaradamente a sexualidade precoce: as meninas ali, de 6 ou 7 anos, em trajes sumários, com maquiagem pesada e atitudes “provocantes” parecem pequenas bonecas representando a futura mulher-objeto. É perturbador, elas não parecem seres humanos de verdade. Sendo assim, como pode ser mal visto o fato de uma delas realmente assumir esse fato e jogar pra valer o “jogo”, fazendo a sua apresentação sob a forma de strip-tease? É claro que esse “strip-tease” não passará do maiôzinho que ela veste, mas o fato de alguém assumir corajosamente a máscara e entregar-se de fato às funções exigidas por tal máscara revela muito a nossa hipocrisia, quando imediatamente desqualificamos com nojo um “exagero” desses.
Por isso, agradeçamos mais uma vez: Obrigado, vovô!
Um comentário:
Dwayne sou eu futuramente na adolecencia...
Olha. Foi uma honra tê-lo no meu blog.
Zumbie Walk vc foi?
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