segunda-feira, março 26, 2007

Mona Lisa e Madeleine


A Mona Lisa sempre me deu medo. Desde criança, quando eu olhava para aquele quadro e sentia um arrepio sutil, no fundo da alma, com aquele olhar em cima de mim como quem diz: “eu sei quem você é...” Quando cresci, e ganhei coragem para enfrentar aquele rosto, aquele busto e mãos tão calmos, porém, tão incisivos como se estivessem representados na linguagem corporal correspondente, percebi com espanto que o olhar zombeteiro e condescendente se desfazia tão logo eu mantivesse firme e sério o meu, como quem dissesse: “e aí, o que é que você quer de mim?” O poderoso olhar de Lisa passava rapidamente para o de uma tristeza, uma depressão profunda levemente revelada na superfície da face como uma ponta de iceberg, como uma melancolia apaixonada de quem diz: “eu sou fraca... por favor, me ajude...”

A vitalidade quieta, a naturalidade de Mona Lisa sempre me assombraram. Estudando a composição mais famosa de Leonardo da Vinci percebemos, como se estivéssemos diante do Mágico de Oz, os meios e razões desse assombro. O sopro de vida em Mona Lisa revela-se na técnica do “sfumato”, ou seja, ao misturar traços e cores de forma a se fazer uma passagem gradativa e vaga de uns aos outros, como se víssemos o quadro através de névoa e de sombras. As partes do rosto humano onde mais se percebe a expressão – e o seu significado – estão na face de Lisa envoltas em leves sombras: os cantos da boca e os cantos dos olhos. Isso dá a ela aquele caráter vago ou dissimulado que tanto nos incomoda – principalmente aos homens. Será este o mesmo mistério feminino que Machado de Assis tinha em mente ao compor sua Capitu de olhos de ressaca, oblíquos e dissimulados?

Mas não é só o “sfumato” que dá a vida peculiar e assombrosa à Mona Lisa. A assimetria entre os lados esquerdo e direito do quadro também contribui para o canto de sereia que a moça executa para nós. Tal assimetria percebe-se claramente no cenário onírico em que se coloca Lisa: é um truque inteligente de Leonardo para que passemos a régua ao meio do quadro e descubramos com susto a dupla face da moça. Com o lado esquerdo do lábio, ela zomba de nós; com o direito, ela revela sua própria fragilidade. Entretanto, o mais interessante é não “estudar” a Mona Lisa; apenas deixá-la exercer seus efeitos ambíguos e agradavelmente perturbadores em nosso inconsciente.

De Leonardo, não nos cansamos de admirar o irracional (a assimetria) calculada e sutilmente injetado no seio do racional (a composição como um todo, que é marca-registrada da Renascença). Leonardo conseguiu realizar o sonho mítico de toda arte e de toda forma de linguagem: transformar o significante em seu significado, aproximar a linguagem ao máximo do seu referente, dando vida a ela (é fantástico que neste particular, Leonardo seja mais sucedido até do que alguns cineastas – tendo-se o cinema como a mais “realista” das artes). Conforme diz E. H. Gombrich, na magnífica obra The Story of Art:

“Long ago, in the distant past, people had looked at portraits with awe, because they had thought that in preserving the likeness the artist could somehow preserve the soul of the person he portrayed. Now the great scientist, Leonardo, had made some of the dreams and fears of these first image-makers come true. He knew the spell which would infuse life into the colours spread by his magic brush.”

Continua no post abaixo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mona Lisa para mim
não foi um fantasma
que assombrou Davinci
por toda sua vida mais
sim foi um ardiloso domoniozinho
que o atormentava ate que ele
não aguentou mais e mostrou para
o mundo o rosto a criatura que o
perseguia.
Se vocês olharem bem alem de verem
que os olhos de Mona Lisa são
vazios veram uma grande maldade e
deboche neles.