O mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras. Ao emigrar do oriente, os homens encontraram uma planície no país de Senaar, e aí se estabeleceram. E disseram uns aos outros: “Vamos fazer tijolos e cozê-los no fogo!” Utilizaram tijolos em vez de pedras, e piche no lugar de argamassa. Disseram: “Vamos construir uma cidade e uma torre que chegue até o céu, para ficarmos famosos e não nos dispersarmos pela superfície da terra”.
Então Javé desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E Javé disse: “Eles são um povo só e falam uma só língua. Isso é apenas o começo de seus empreendimentos. Agora, nenhum projeto será irrealizável para eles. Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro”.
Javé os espalhou daí para toda a superfície da terra, e eles pararam de construir a cidade. Por isso, a cidade recebeu o nome de Babel, pois foi aí que Javé confundiu a língua de todos os habitantes da terra, e foi daí que ele os espalhou por toda a superfície da terra. Gênesis 11, 1-9
É fascinante a universalidade do mito da Torre de Babel. Ele é ainda mais significativo em nossos prepotentes dias de “globalização”. Com tudo isso, é ainda mais estimulante imaginar o que o diretor de Amores Brutos (2000) e de 21 Gramas (2003) poderia fazer estabelecendo tais relações. Quão grande e bela seria a tragédia da nova Babel, expressa na visão fatalista e na narrativa não-linear, multi-facetada e fragmentária, com a fotografia e montagem nervosas que mostram a identidade do diretor Alejandro González Iñarrítu.
Não obstante, assistir a Babel (2006) é vislumbrar um potencial não-realizado, tal qual a masturbação do jovem pastor marroquino que, literalmente, dará o tiro inicial que ricocheteará pondo em movimento toda a história do filme. Assim como aquela masturbação, o tiro dado é uma atitude consciente, dotada de um propósito fixo e de um resultado esperado, porém... o ato é tão mal calculado que posteriormente só termos a lamentar tamanha pretensão. O tiro saiu pela culatra.
Atitudes mal calculadas perpassam “Babel” de cima a baixo. O caçador japonês que dá de presente seu rifle a um montanhês marroquino; o montanhês que vende esse rifle a um pastor; o pastor que dá o famigerado rifle nas mãos de seus filhos, para que matem os chacais que ameaçam as cabras; os filhos que usam o rifle para brincar, especialmente um deles, que faz tiro ao alvo em um ônibus de turistas; o marido da turista americana alvejada, que não dá folga para a babá dos seus filhos, mesmo sendo o dia do casamento do filho desta; a baba que, então, decide levar os filhos do patrão até o México. Por fim, um tanto quanto à parte, a filha do caçador japonês, adolescente surda-muda que toma medidas desesperadas para cortejar os homens de cujas carícias ela tanto necessita...
As conseqüências de tudo isso serão tão amplas e drásticas que nos assoma à mente a palavra tragédia. Contudo, diferentemente da tragédia clássica, esta aqui está exclusivamente nas mãos dos homens. Não há deuses caprichosos e impiedosos. Não há Prometeu que ajude os homens a construir Babel, mas também não há Javé que os puna por tal ousadia. Este filme poderia ser chamado mais adequadamente de uma “tragédia de erros”, porque de comédia não há sequer um risco de sombra. A não ser que entendamos “comédia” segundo Dante (A Divina Comédia) ou Balzac (A Comédia Humana). Talvez pendamos mais para Balzac.
Enfim, a nova produção de Alejandro González Iñarrítu discursa sobre atitudes mal calculadas e o seu próprio discurso é também uma atitude mal calculada. O filme em si é burocrático e cansativo, parece ter saído de cartilhas de roteiro, de linguagem cinematográfica, de antropologia, de psicologia, etc. A fita choca e entedia, particulariza e banaliza a um só tempo, de um modo que nos faz lembrar dos noticiários cotidianos em jornais e telejornais. É uma obra frouxa, não esperava isso do diretor de “Amores Brutos” e de “21 Gramas”.
“Babel” parece não se preocupar em realizar o potencial trágico e dramático de seu enredo e dos seus personagens. É raso, mas com águas turvadas artificialmente para parecerem profundas. É de um academicismo “pop”: não aprofunda a discussão dos problemas sequer propõe soluções. Desse jeito, talvez até agrade a jornalistas da CNN, cinéfilos esnobes, jovens universitários prepotentes e professores de geografia, de sociologia ou de atualidades que talvez queiram exibir o filme aos seus alunos com conhecimento de mundo defasado.
Mas quem não é iniciante, nem queira iniciar os outros, não se interessará muito por “Babel”. Não bastam “conteúdo” e “técnica” para se fazer uma obra de arte. É necessário colocar nela um certo tipo de sensibilidade, de sublime (e aprofundá-los sem exagerá-los), que façam transcender o caráter de noticiário, de tese, sob pena de o filme ficar demasiadamente artificial. Por isso, a única coisa que se salva é a parte “japonesa”. Ela daria um (ótimo) filme à parte, só ela tem algo desse “éter” que as boas obras artísticas possuem. Parte dele vem da atriz Rinko Kikuchi, indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar pelo papel de Chieko. O próprio fato dessa estória parecer estar um tanto distante das outras (não no espaço mas na semântica, digamos assim) revela a sua superioridade e a desigualdade do filme: juntando as várias narrativas encadeadas, a japonesa é a que mais pesa, sem que haja uma explicação digamos orgânica para isso, ou seja, o drama da jovem surda-muda não tem relações muito próximas com o resto do filme. A não ser, é claro, se pensarmos na questão das atitudes mal calculadas e no problema da incomunicabilidade. Mas é aí que perceberemos o como a parte japonesa é melhor do que as outras... Ainda bem que o filme termina com ela! (Numa cena belíssima, aliás)
É fascinante a universalidade do mito da Torre de Babel. Ele é ainda mais significativo em nossos prepotentes dias de “globalização”. Com tudo isso, é ainda mais estimulante imaginar o que o diretor de Amores Brutos (2000) e de 21 Gramas (2003) poderia fazer estabelecendo tais relações. Quão grande e bela seria a tragédia da nova Babel, expressa na visão fatalista e na narrativa não-linear, multi-facetada e fragmentária, com a fotografia e montagem nervosas que mostram a identidade do diretor Alejandro González Iñarrítu.
Não obstante, assistir a Babel (2006) é vislumbrar um potencial não-realizado, tal qual a masturbação do jovem pastor marroquino que, literalmente, dará o tiro inicial que ricocheteará pondo em movimento toda a história do filme. Assim como aquela masturbação, o tiro dado é uma atitude consciente, dotada de um propósito fixo e de um resultado esperado, porém... o ato é tão mal calculado que posteriormente só termos a lamentar tamanha pretensão. O tiro saiu pela culatra.
Atitudes mal calculadas perpassam “Babel” de cima a baixo. O caçador japonês que dá de presente seu rifle a um montanhês marroquino; o montanhês que vende esse rifle a um pastor; o pastor que dá o famigerado rifle nas mãos de seus filhos, para que matem os chacais que ameaçam as cabras; os filhos que usam o rifle para brincar, especialmente um deles, que faz tiro ao alvo em um ônibus de turistas; o marido da turista americana alvejada, que não dá folga para a babá dos seus filhos, mesmo sendo o dia do casamento do filho desta; a baba que, então, decide levar os filhos do patrão até o México. Por fim, um tanto quanto à parte, a filha do caçador japonês, adolescente surda-muda que toma medidas desesperadas para cortejar os homens de cujas carícias ela tanto necessita...
As conseqüências de tudo isso serão tão amplas e drásticas que nos assoma à mente a palavra tragédia. Contudo, diferentemente da tragédia clássica, esta aqui está exclusivamente nas mãos dos homens. Não há deuses caprichosos e impiedosos. Não há Prometeu que ajude os homens a construir Babel, mas também não há Javé que os puna por tal ousadia. Este filme poderia ser chamado mais adequadamente de uma “tragédia de erros”, porque de comédia não há sequer um risco de sombra. A não ser que entendamos “comédia” segundo Dante (A Divina Comédia) ou Balzac (A Comédia Humana). Talvez pendamos mais para Balzac.
Enfim, a nova produção de Alejandro González Iñarrítu discursa sobre atitudes mal calculadas e o seu próprio discurso é também uma atitude mal calculada. O filme em si é burocrático e cansativo, parece ter saído de cartilhas de roteiro, de linguagem cinematográfica, de antropologia, de psicologia, etc. A fita choca e entedia, particulariza e banaliza a um só tempo, de um modo que nos faz lembrar dos noticiários cotidianos em jornais e telejornais. É uma obra frouxa, não esperava isso do diretor de “Amores Brutos” e de “21 Gramas”.
“Babel” parece não se preocupar em realizar o potencial trágico e dramático de seu enredo e dos seus personagens. É raso, mas com águas turvadas artificialmente para parecerem profundas. É de um academicismo “pop”: não aprofunda a discussão dos problemas sequer propõe soluções. Desse jeito, talvez até agrade a jornalistas da CNN, cinéfilos esnobes, jovens universitários prepotentes e professores de geografia, de sociologia ou de atualidades que talvez queiram exibir o filme aos seus alunos com conhecimento de mundo defasado.
Mas quem não é iniciante, nem queira iniciar os outros, não se interessará muito por “Babel”. Não bastam “conteúdo” e “técnica” para se fazer uma obra de arte. É necessário colocar nela um certo tipo de sensibilidade, de sublime (e aprofundá-los sem exagerá-los), que façam transcender o caráter de noticiário, de tese, sob pena de o filme ficar demasiadamente artificial. Por isso, a única coisa que se salva é a parte “japonesa”. Ela daria um (ótimo) filme à parte, só ela tem algo desse “éter” que as boas obras artísticas possuem. Parte dele vem da atriz Rinko Kikuchi, indicada ao Globo de Ouro e ao Oscar pelo papel de Chieko. O próprio fato dessa estória parecer estar um tanto distante das outras (não no espaço mas na semântica, digamos assim) revela a sua superioridade e a desigualdade do filme: juntando as várias narrativas encadeadas, a japonesa é a que mais pesa, sem que haja uma explicação digamos orgânica para isso, ou seja, o drama da jovem surda-muda não tem relações muito próximas com o resto do filme. A não ser, é claro, se pensarmos na questão das atitudes mal calculadas e no problema da incomunicabilidade. Mas é aí que perceberemos o como a parte japonesa é melhor do que as outras... Ainda bem que o filme termina com ela! (Numa cena belíssima, aliás)
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