Não admira, assim, que haja tanta e tão variada mitologia em cima de seu mais famoso quadro. Os maiores artistas, de todos os tempos, têm essa competência de magos. A verdadeira transcendência da obra de arte não se dá através da mera recusa do real; mas sim, graças ao mergulho às profundezas mais secretas da realidade (daí o “cientista” Leonardo), onde se encontrará a vida, a alma, a razão das coisas e, conseqüentemente, se conquistará a competência necessária para reproduzi-las, “aprisionando” essa alma em uma obra artística. Há muitas obras, em todas as artes, proposital e vulgarmente “fantasmagóricas” que não são, entretanto, tão fantasmagóricas quanto a Mona Lisa. Nenhum monstro, ET ou criatura das trevas assusta tanto quanto a bem iluminada Lisa.
Esse poder de esconder e revelar (ambigüidade maravilhosa) sutil e inconscientemente o irreal por trás das aparências do real tem a ver com o que Freud chama de unheimlish (o “familiar e estranho” ao mesmo tempo) – e que estudamos num post recente a propósito do cinema “surreal” de David Lynch. É literalmente fantástico que a maior e mais conhecida obra da arte “realista” e “mimética” tenha, ao mesmo tempo, tamanho poder de sugestão, de transcendência, de assombroso que vai se derramando lentamente das beiras da “realidade”. Leonardo da Vinci é um gênio único.
Mas e quanto ao cinema? Na Sétima Arte talvez encontramos algo que, longe de se igualar à Mona Lisa, procura caminhar nos seus passos: falo da obra de Alfred Hitchcock – mestre da sugestão e do “unheimlish” – particularmente no filme Um Corpo que Cai (“Vertigo”, EUA, 1958). Na cena em que Judy volta ao seu apartamento, ainda tensa do encontro casual que teve com Scottie, e sabendo que ele ficara extremamente assombrado com a semelhança entre ela e seu antigo amor Madeleine (de quem Judy assumira a identidade num golpe do qual Scottie fora uma das vítimas), a câmera começa a rodar em volta do rosto de Judy, a partir da nuca até a sua face em cheio, e o espectador tem uma sensação similar de quando olha para a Mona Lisa: um “unheimlish” tão forte que quase se transforma em terror explícito... É incrível que o rosto da belíssima atriz Kim Novak possa despertar tais sensações.
Esse poder de esconder e revelar (ambigüidade maravilhosa) sutil e inconscientemente o irreal por trás das aparências do real tem a ver com o que Freud chama de unheimlish (o “familiar e estranho” ao mesmo tempo) – e que estudamos num post recente a propósito do cinema “surreal” de David Lynch. É literalmente fantástico que a maior e mais conhecida obra da arte “realista” e “mimética” tenha, ao mesmo tempo, tamanho poder de sugestão, de transcendência, de assombroso que vai se derramando lentamente das beiras da “realidade”. Leonardo da Vinci é um gênio único.
Mas e quanto ao cinema? Na Sétima Arte talvez encontramos algo que, longe de se igualar à Mona Lisa, procura caminhar nos seus passos: falo da obra de Alfred Hitchcock – mestre da sugestão e do “unheimlish” – particularmente no filme Um Corpo que Cai (“Vertigo”, EUA, 1958). Na cena em que Judy volta ao seu apartamento, ainda tensa do encontro casual que teve com Scottie, e sabendo que ele ficara extremamente assombrado com a semelhança entre ela e seu antigo amor Madeleine (de quem Judy assumira a identidade num golpe do qual Scottie fora uma das vítimas), a câmera começa a rodar em volta do rosto de Judy, a partir da nuca até a sua face em cheio, e o espectador tem uma sensação similar de quando olha para a Mona Lisa: um “unheimlish” tão forte que quase se transforma em terror explícito... É incrível que o rosto da belíssima atriz Kim Novak possa despertar tais sensações.
Contudo, ainda mais perturbadora do que essa cena é aquela em que Scottie, a muito custo, consegue fazer Judy vestir-se, maquiar-se e pentear-se como Madeleine. Sentado perto da janela do apartamento, ele a vê sair lentamente do banheiro e parar a uma certa distância, inundada pela luz verde, fortíssima e nevoenta que vem do letreiro no prédio da frente e que mal permite divisar a figura de Judy-Madeleine. Aqui, Hitchcock – à sua própria maneira (numa chave mais negativa e mais propositalmente irreal) – parece buscar aquele “sfumato” que dá vida espiritual e fantasmagórica a uma figura que se encontra, em mais de um sentido, perdida entre a ilusão e a realidade. Quem é Judy? Quem é Madeleine? Quem é Mona Lisa?
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