De Wim Wenders, eu sempre gostei de Asas do Desejo (1987); mas nunca tinha visto Paris, Texas (1984). O engraçado é que eu sempre imaginei que haveria neste filme alguma relação entre a cidade de Paris e o estado do Texas, o que me fazia pensar no inusitado: Paris, a cidade-luz, meca do cosmopolitismo; Texas, o “far-west”, a terra árida do conservadorismo republicano e do petróleo. Em vista disso, é curiosa a surpresa de descobrir que se trata, no filme, de uma cidadezinha no Texas chamada Paris: Paris – vírgula – Texas. Ao invés de o micro dentro do macro, temos aqui o macro dentro do micro, o que ajuda a expressar o caráter simbólico / universal da história narrada, verdadeira parábola da condição do indivíduo no mundo e das relações familiares, particularmente as filiais.
Nonada. Lembramo-nos de Guimarães Rosa no comecinho de Paris, Texas: parece que o próprio mundo se inicia na primeira cena, com Harry Dean Stanton vagando a esmo pelo deserto, sem memória. E o foco se manterá sempre nele e em sua busca, até o fim. Por isso, apesar da amplidão do deserto e da fotografia também ampla – predominando os planos mais abertos –, a sensação que o filme passa ao espectador é a de quase uma claustrofobia: o espaço parece mergulhado nas águas profundas do oceano-aquário da subjetividade do protagonista. A própria atuação de Stanton aponta para isto: ele se move devagar como se estivesse embaixo d’água. E o ritmo do filme nada do mesmo modo. Águas profundas são símbolo do inconsciente e é intrigante vermos Stanton inconscientemente perdido no meio do deserto-sequidão. Estamos falando de contrastes bem interessantes e o filme todo está carregado deles, no plano narrativo e no estético. Neste último, o uso que Wim Wenders faz das cores é algo raro no cinema “in color”.
Para André Bazin, o cinema é uma força centrífuga: o recorte da tela “mostra” mais o que está de fora do que as coisas que se inserem no plano. O que não aparece no quadro não desaparece simplesmente; continua existindo no mundo. Neste ponto, ainda segundo o mestre francês, o cinema difere radicalmente do teatro, máquina centrípeta na qual todo o universo se arrasta e reduz ao palco iluminado. Analisando desse modo, Paris, Texas é muito mais um filme teatral do que cinematográfico: cada sequência, cada cena, cada plano são como uma mônada, possuem um peso, uma força, um significado que parecem bastar-se a si mesmos, não só em termos de composição estética mas também – e principalmente – de roteiro. Isto não quer dizer que se trate de uma narrativa fragmentária; está mais para uma narrativa exemplar, nos termos da parábola, na qual as relações entre a parte e o todo, o particular e o universal, o uno e o múltiplo são profundamente dialéticas: todos esses planos se encontram imbricados uns nos outros em cada momento – e não apenas na sua união.
É um filme surpreendente. Grande vocação para clássico. Já o é, não?
2 comentários:
Ainda não assisti. Alias, não conheço nada de Wim Wenders - e preciso.
Veja especialmente "Asas do Desejo"...
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