Eis. Um filme de ideias em que estas não falem mais alto do que a arte. A Fita Branca (2009) encontra o equilíbrio exato entre a tese e a imprescindível sublimação que ela deve ter num discurso que se pretenda artístico. Michael Haneke realiza isso tanto melhor quanto a sua mensagem possua um caráter abrangente. Não, o filme não é sobre as origens do nazismo; segundo o próprio diretor – em entrevista à Folha de S. Paulo –, A Fita Branca procura mostrar o quanto uma educação absolutista produz seres humanos absolutistas. E isso não é nada bom, vide o histórico de regimes autoritários do século XX – tanto quanto o histórico de muitos grupos que se “opuseram” a eles.
E o que é melhor: o espectador não se sente, digamos, molestado com as imagens na tela grande. Pois Haneke sabe que o que interessa ao seu filme não é a violência em si, mas a cultura, a educação, as relações humanas que conduzem a ela, paulatinamente. Muitos atos de violência acontecem ao longo da narrativa, mas nenhum deles é mostrado explicitamente, tudo o que sabemos são relatos, sinais e suposições. A Fita Branca alinha-se aos clássicos romances de formação: mas no lugar do narrador-protagonista que esquadrinha os anos que o fizeram ser o que é, tem-se um professor de aldeia que tenta de alguma maneira entender fatos que sente terem sido importantes na sua vida, na de seus conterrâneos e na de seu próprio país –
conforme as intenções confessadas logo no início de sua narração (voz em “off”). Daí podermos dizer que se trata de um filme sobre a barbárie do 3º Reich; no entanto, prefiro associá-lo às declarações do próprio diretor, tanto porque A Fita Branca é (mais um) ótimo exemplo para as ideias do filósofo Adorno (no livro “Educação e Emancipação”), para quem todo e qualquer apagamento das individualidades produz resultados para lá de temerosos – e incalculáveis num primeiro momento. Ninguém naquela aldeia imagina que espécie de cidadãos as suas crianças se tornarão às custas da educação que recebem dos pais e com os singulares exemplos de “justiça” praticados pelas pessoas ali.
Assim, é interessante ressaltar: A Fita Branca é um filme que procura fazer refletir sobre o horror... praticado entre sociedade, mas sem mostrar qualquer coisa mais concreta desse horror. Michael Haneke não faz coro com cineastas ingênuos (para dizer o mínimo) que, a pretexto de discutir a violência, nada mais fazem do que contribuir com o seu fetiche. O mal se faz invisível na medida em que se dilui entre todos, compartilhado e tolerado com surpreendente “vista grossa”. Isso vale para os personagens do filme e para os homens de cinema. Haneke não adota qualquer facilidade que contribua para um entendimento imediato e julgamento rápido por parte do espectador –
que se sentiria no geral bastante feliz com isso, naturalmente. Apesar de o filme ser vendido como “perturbador”, ele não tem cena chocante alguma, não faz revelações bombásticas e é em preto-e-branco. Em relação a este último aspecto e também à composição do quadro, precisamos dizer que a fotografia de A Fita Branca é um espetáculo à parte: já fazia um tempo que não se viam imagens tão sólidas na tela do cinema, pois a ênfase não está no contraste do “chiaroscuro”, mas no molde cinzento-cimento dos rostos dos personagens “suspeitos”, de uma dureza e frieza inquietantes. De qualquer maneira, o cineasta fez uma obra difícil; não de ser vista, mas de ser “degustada”:
a narrativa-investigação é absolutamente desnuda de qualquer suspense e provoca até sono nos mais desacostumados (a fita tem quase duas horas e meia). Os seus valores estéticos e a importância dos temas não se dão facilmente ao espectador afobado. No mais, as imagens falam – muito implicitamente – por si sós e os atores são muito bem dirigidos nesse propósito. É o equilíbrio entre idéia e arte, de que falei no começo. Entre conteúdo e forma. O debate que o diretor quis provocar, devemos pescá-lo do fundo da “mise en scène”: lá está transfigurado em ato e fato o jogo de oposições que muitas figurinhas carimbadas do cinema-inteligente tentam produzir, mas que fica só na base do discurso mesmo.
Por isso, Michael Haneke não terá os mesmos fãs de um Lars Von Trier (Anticristo); ou do Quentin Tarantino de Bastardos Inglórios, no que diz respeito à temática “nazista”. Ainda bem. A Fita Branca é um filme bem mais... adulto. Enfim, cinema é mesmo como um sonho (desculpando a metáfora de psicologia de porta-de-botequim): sublimação; efabulação; metáfora; alegoria. E para isso, não é necessário apelar ao fantástico; o mais absurdo está na realidade mais cotidiana, refestela-se debaixo de nossos narizes e nós não percebemos. Pode apostar. Circunspecção. Os aldeões de... são muito circunspectos. Principalmente o pastor: modelo do “cidadão de bem”, que ama os filhos e faz tudo por eles. Pois é aí que começa o horror.
E o que é melhor: o espectador não se sente, digamos, molestado com as imagens na tela grande. Pois Haneke sabe que o que interessa ao seu filme não é a violência em si, mas a cultura, a educação, as relações humanas que conduzem a ela, paulatinamente. Muitos atos de violência acontecem ao longo da narrativa, mas nenhum deles é mostrado explicitamente, tudo o que sabemos são relatos, sinais e suposições. A Fita Branca alinha-se aos clássicos romances de formação: mas no lugar do narrador-protagonista que esquadrinha os anos que o fizeram ser o que é, tem-se um professor de aldeia que tenta de alguma maneira entender fatos que sente terem sido importantes na sua vida, na de seus conterrâneos e na de seu próprio país –
conforme as intenções confessadas logo no início de sua narração (voz em “off”). Daí podermos dizer que se trata de um filme sobre a barbárie do 3º Reich; no entanto, prefiro associá-lo às declarações do próprio diretor, tanto porque A Fita Branca é (mais um) ótimo exemplo para as ideias do filósofo Adorno (no livro “Educação e Emancipação”), para quem todo e qualquer apagamento das individualidades produz resultados para lá de temerosos – e incalculáveis num primeiro momento. Ninguém naquela aldeia imagina que espécie de cidadãos as suas crianças se tornarão às custas da educação que recebem dos pais e com os singulares exemplos de “justiça” praticados pelas pessoas ali.
Assim, é interessante ressaltar: A Fita Branca é um filme que procura fazer refletir sobre o horror... praticado entre sociedade, mas sem mostrar qualquer coisa mais concreta desse horror. Michael Haneke não faz coro com cineastas ingênuos (para dizer o mínimo) que, a pretexto de discutir a violência, nada mais fazem do que contribuir com o seu fetiche. O mal se faz invisível na medida em que se dilui entre todos, compartilhado e tolerado com surpreendente “vista grossa”. Isso vale para os personagens do filme e para os homens de cinema. Haneke não adota qualquer facilidade que contribua para um entendimento imediato e julgamento rápido por parte do espectador –
que se sentiria no geral bastante feliz com isso, naturalmente. Apesar de o filme ser vendido como “perturbador”, ele não tem cena chocante alguma, não faz revelações bombásticas e é em preto-e-branco. Em relação a este último aspecto e também à composição do quadro, precisamos dizer que a fotografia de A Fita Branca é um espetáculo à parte: já fazia um tempo que não se viam imagens tão sólidas na tela do cinema, pois a ênfase não está no contraste do “chiaroscuro”, mas no molde cinzento-cimento dos rostos dos personagens “suspeitos”, de uma dureza e frieza inquietantes. De qualquer maneira, o cineasta fez uma obra difícil; não de ser vista, mas de ser “degustada”:
a narrativa-investigação é absolutamente desnuda de qualquer suspense e provoca até sono nos mais desacostumados (a fita tem quase duas horas e meia). Os seus valores estéticos e a importância dos temas não se dão facilmente ao espectador afobado. No mais, as imagens falam – muito implicitamente – por si sós e os atores são muito bem dirigidos nesse propósito. É o equilíbrio entre idéia e arte, de que falei no começo. Entre conteúdo e forma. O debate que o diretor quis provocar, devemos pescá-lo do fundo da “mise en scène”: lá está transfigurado em ato e fato o jogo de oposições que muitas figurinhas carimbadas do cinema-inteligente tentam produzir, mas que fica só na base do discurso mesmo.
Por isso, Michael Haneke não terá os mesmos fãs de um Lars Von Trier (Anticristo); ou do Quentin Tarantino de Bastardos Inglórios, no que diz respeito à temática “nazista”. Ainda bem. A Fita Branca é um filme bem mais... adulto. Enfim, cinema é mesmo como um sonho (desculpando a metáfora de psicologia de porta-de-botequim): sublimação; efabulação; metáfora; alegoria. E para isso, não é necessário apelar ao fantástico; o mais absurdo está na realidade mais cotidiana, refestela-se debaixo de nossos narizes e nós não percebemos. Pode apostar. Circunspecção. Os aldeões de... são muito circunspectos. Principalmente o pastor: modelo do “cidadão de bem”, que ama os filhos e faz tudo por eles. Pois é aí que começa o horror.
2 comentários:
Bela crítica, parabéns.
Obrigado.
O filme é inspirador.
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