quinta-feira, fevereiro 18, 2010

Besouro



Gente, cinema e propaganda são duas coisas bem diferentes, tá? Mesmo que se trate de cinema “comercial” ou “popular”, é preciso estudar um pouquinho mais sobre o que é a tal da linguagem artística; e, principalmente, aprender que uma narrativa – qualquer que seja – não se reduz ao uso de determinados recursos técnicos para provocar determinados efeitos (persuasivos) no “público-alvo”. Besouro parece saído das mãos de algum aluno das faculdades de marketing ou mesmo de cinema – levando-se em conta aqui os padrões de ensino que muitas vezes essas escolas parecem seguir.

Explico: Besouro é técnica (e tecnologicamente) perfeito, o que já é um grande orgulho para o nosso pobre cinema nacional, não? A fotografia é belíssima nas cores e na composição dos planos, a montagem é bem... digamos, profissional: o filme não apresenta qualquer “barriga” – terminologia técnica odiosa, que as escolas de filmagem parecem usar apenas para o mal: para os “profissionais”, os tempos mortos da narrativa, tão caros a toda uma estética do cinema europeu e asiático, não passam de defeitos de montagem; tudo bem, quando se trata de publicidade; mas Cinema é outra coisa, convenhamos; precisa ser outra coisa.

O que mais? O trabalho dos atores, em si mesmo (ou seja, descontando o roteiro pífio), é razoavelmente natural, sem muitos daqueles vícios teatrais ou noveleiros que assolam nosso cinema. A coreografia da capoeira, incluindo os tão falados efeitos especiais do cara que fez O Tigre e O Dragão (2000) é autenticamente inspiradora. Mas paramos por aqui. As qualidades deste filme referem-se todas a elementos isolados. Se fosse um videoclipe, estaria ótimo. Mas para um filme narrativo não dá, né? O diretor chama-se João Daniel Tikhomiroff e vem da publicidade: a sinopse na contra-capa do DVD anuncia que ele é “um dos diretores de comerciais mais premiados do mundo”... Então tá!

Desde quando dirigir comerciais habilita alguém a fazer Cinema? Aqui vai apenas uma opinião: dirigir comerciais desabilita um cidadão qualquer a dirigir filmes; a não ser que se faça cinema como cinema, e não como propaganda. Os grandes cineastas oriundos da publicidade parecem entender essa diferença: que o digam Ugo Giorgetti e Ridley Scott (considerando apenas os primeiros filmes deste último). Enfim, o diretor de Besouro promoveu uma tão grande lipoaspiração nas “barrigas” do filme que a história e os personagens simplesmente acabam não convencendo.

A única coisa com que nós, pobres espectadores-consumidores, ficamos é o nada sutil discurso do diretor e da roteirista, tentando nos convencer de que o capoeirista Besouro é um grande herói nacional... Então tá, mais uma vez! É importante ressaltar: o filme é uma colagem muito esquisita de vários elementos isolados, que não se articulam num todo narrativo-orgânico que seja convincente. A hora e meia de exibição está longe de ser suficiente para que nós compreendamos e nos envolvamos com os personagens e acontecimentos; tudo fica muito atirado, para todos os cantos.

As personagens não têm a consistência que seus equivalente históricos merecem. Querendo fazer homenagem a Besouro, o filme corre o risco de atingir o resultado contrário. O “sub-plot” amoroso é inacreditavelmente mal trabalhado. Mesmo para os filmes B de artes marciais, esta produção é tosca em termos de roteiro. Pelo menos não é tão ruim quanto o Plastic City – Cidade de Plástico, que ainda está nos cinemas – para que se veja o quanto as coisas podem ser sempre piores do que se imagina. O problema é: ambos os filmes enfiam goela abaixo do espectador os elementos da narrativa,

Mas não os trabalham suficientemente para que nós nos convençamos da sua verossimilhança. Mesmo para os intuitos de um cinema-publicidade, isto é uma grande besteira. O filme não se vende por si só. Um exemplo: em vários momentos da fita, ressalta-se a culpa atribuída a Besouro por ter “abandonado” o seu mestre e “deixado” que ele fosse assassinado. E o espectador fica se perguntando: mas por que ele tem culpa mesmo? O que ele fez ou deixou de fazer de tão grave assim, especificamente falando? Quais os fatos envolvidos na celeuma? Bem, o filme simplesmente não mostra essas coisas. Paciência.

O máximo que temos são rápidos planos no comecinho da história que mostram a relação “paterna” entre o mestre Alípio e seu jovem discípulo Besouro. De novo (ai ai ai): então tá! Se tivermos boa memória enquanto vemos o filme, entenderemos o que os produtores quiseram mostrar. Mas entre a intenção e a realização há alguma distância, não há? Bem, mais um filme bobo para a nossa cinematografia. Maturidade técnico-tecnológica não traz a reboque, infelizmente, a maturidade artística. Besouro está mais para um “trailer” de 94 minutos de duração do que para um filme de verdade.

4 comentários:

Alyson Santos disse...

É. O melhor filme brasileiro que saiu mesmo é "A Deriva". rs!

Abraços!

Ana Carolina disse...

hahaha eu adoro ler suas análises!

Wally disse...

Concordo totalmente. Visual ótimo, história porca. Estrutura totalmente irregular.

André Renato disse...

Valeu, galera!

Ainda não vi "À Deriva", agora fico curioso... É divertido escrever sobre filmes que a gente odeia, tanto quanto aqueles que a gente gosta! Ruim mesmo é só ter que escrever sobre aquelas coisas que não fedem nem cheiram para nós...