segunda-feira, junho 16, 2008

O Incrível Hulk


O Hulk de Ang Lee é um bom filme, mas feito por quem não conhece e (ou) não se interessa pelo mito Hulk. Sendo honesto, o filme pesquisou aspectos do personagem, de sua história e de suas imagens “marcas-registradas” (o que é extremamente importante nas fitas atuais de super-heróis vindos dos quadrinhos), fez um recorte e colocou o resultado na tela com grande profissionalismo, pesquisando também aspectos da linguagem das histórias em quadrinhos e adaptando-os para o cinema de um modo muito interessante artisticamente. Como filme, o único ponto negativo daquela primeira versão foi a ênfase exagerada – ingênua e superficial – no plot do “daddy issues” entre Bruce Banner e o seu papai (apesar do talento de Nick Nolte). Com isso, também acabou-se desviando um pouco (ou talvez muito) do foco original do tema “Hulk”.

Agora, este novo Incrível Hulk ("The Incredible Hulk", EUA, 2008, dir.: Louis Leterrier) transpira por todos os seus poros a paixão do fã. A essência do personagem e do seu universo estão aqui, e apenas a essência. Para que mais? Tal essência vem, obviamente, dos gibis, mas também – talvez a maior parte dela – da série de TV (1978-1982). Os fãs remexer-se-ão na cadeira com as múltiplas referências: um Bruce Banner eternamente nômade, sem lenço nem documento nem dinheiro, a pedir carona vestido com sua indefectível jaqueta (e calça) jeans, carregando nada mais do que a trouxa; aquela mesma musiquinha triste no piano; os avisos do tipo “não me deixe com raiva”; a ponta de Lou Ferrigno – na qual o subtexto intertextual é mais do que evidente (coisa bem nerd isso).

A mistura de Frankenstein com Mr. Hide, que dá a graça ao (anti)-herói, também está aqui muito bem trabalhada, a psicologia de porta de bar também – e da maneira como deve acontecer na cultura pop, ou seja, sem excessos de pedantismo mas também sem banalização, sem que fique nada muito explícito (foi o erro de Ang Lee): quem quiser, que vá estudar o assunto e procurar as associações. Cinematograficamente, o filme de Leterrier é cinema de fato, no sentido tradicional. Talvez tenhamos de dizer que a ousadia estética de Ang Lee tenha sido uma ingenuidade sem tamanho. Adaptar a linguagem dos quadrinhos para o cinema nada mais é, de fato, do que usar com muito gosto a linguagem própria do cinema – já que a “nona” arte nada mais faz do que levar a gramática da “sétima” para o papel: vejam-se os storyboards.

Agora, “transformar” a tela do cinema numa folha de “pulp paper” é tão absurdo como, por exemplo, querendo-se adaptar “com propriedade” o Crime e Castigo de Dostoievski, decidir filmar a própria folha de papel impresso do livro. Ang Lee não adaptou tanto a linguagem estética dos quadrinhos, quanto a sua forma material. Para colocar em termos lingüísticos, o diretor não construiu um discurso apegado à função metalingüística (que discute o código), mas meramente à função fática (ou seja, ao canal de comunicação). Talvez por isso as platéias tenham rejeitado tanto. Quem lê quadrinhos, gostará de O Incrível Hulk; e quem vê este filme haverá de se sentir tentado a ler as histórias. Como em qualquer filme da Marvel (é incrível que seja possível hoje falar nisto como se fosse um gênero), a dimensão auto-irônica se faz presente: no caso, “resolve-se” a questão de somente as calças de Bruce Banner nunca serem feitas em pedaços durante a transformação.

Para encerrar, fazendo uma daquelas associações de que falei, reproduzo abaixo um trecho de Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, de Carl Gustav Jung:

“No que diz respeito à concentração e tensão das forças psíquicas, há sempre algo que se nos afigura como magia; o fato é que elas desenvolvem uma força inesperada de penetração, a qual freqüentemente supera o esforço consciente da vontade. Pode-se observar tal efeito experimentalmente no estado de concentração artificial induzido pela hipnose: em meus cursos eu costumava hipnotizar uma histérica de frágil compleição, que mergulhava num sono profundo, e a deixava deitada quase um minuto com a cabeça apoiada numa cadeira e os calcanhares em outra, rígida como uma tábua. Seu pulso subia pouco a pouco até 90. Entre os estudantes havia um atleta que tentou em vão imitar esse experimento mediante um esforço voluntário e consciente. Logo ele fraquejou e não conseguia manter a posição. Seu pulso subira a 120.” (pg. 216)

Se o inconsciente de uma pessoa “normal” possui esse poder, imagine o de uma pessoa afetada por raios gama...

2 comentários:

pseudo-autor disse...

Dando-se desconto ao foto de ser um filme de super-herói (portanto feito para entretere nada mais), O problema desse novo Hulk, para mim, foi a excessiva referência a série (sempre curti muito mais o gibi do que a série televisiva com David Banner). Fazer o quê! eu sou um gibimaníaco, cara! No mais, Louis Leterrier foi mais feliz do que Ang Lee, pois deu ao público o que ele quer: pão e circo (no caso, hulk esmaga o abominável).

André Renato disse...

Pois é: múltiplos referenciais (a série, o gibi) agradarão a públicos diferentes. Difícil é corresponder a todos... Quanto a mim, a série de TV do Hulk faz parte da história de minha vida, mas nunca me aproximei muito dos gibis.