Vou na Mostra para ver o novo do Woody Allen? Sofia Coppola? Amos Gitai? De jeito nenhum. Não tenho paciência alguma para filas, e essa história de “ver primeiro que todo mundo” absolutamente não me atrai. Agora, o que é verdadeiramente entusiasmante é o fato de poder conferir filmes estranhíssimos, de nomes estranhíssimos e que (provavelmente) jamais entrarão no mercado, mesmo em DVD. Não que eu cultive qualquer juízo de valor mais prestigioso ao cinema dito “alternativo”. É só curiosidade mesmo. E os festivais oferecem um cardápio bastante suculento da diversidade da produção cinematográfica mundial.
É neste espírito que gostaria de colocar algumas palavrinhas aqui a respeito de Símbolo (“Shinboru”, Japão, 2009), exibido ontem na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (quem quiser passar pela experiência dele, ainda terá chances nos dias 01 e 02 de novembro, em salas e horários variados – consulte a programação em http://www.mostra.org/). O filme é dirigido e protagonizado por Hitoshi Matsumoto, comediante bastante popular na terra do sol nascente. Esta é a sua segunda incursão no cinema – o debute se deu com Big Man Japan (“Dai Nipponjin”, 2007), que também misturava de maneira bizarra o humor e o fantástico.
A história (tanto quanto se possa dizer que exista uma) é a de um homem (o próprio Matsumoto) que acorda numa sala absolutamente branca e asséptica, sem portas, nem janelas. Vestido de um colorido pijama de bolinhas, divertimo-nos com os exagerados gritos e gestos de surpresa, indignação, entusiasmo, frustração e, enfim, desespero, enquanto o pobre inominado tenta diferentes estratégias para escapar do seu estranho cativeiro. Nas paredes, só se vê pequenas protuberâncias em formato sugestivamente fálico as quais, se pressionadas com o dedo, fazem com que sejam arremessados dentro da sala a maior e mais nonsense variedade de objetos possíveis:
uma escova de dentes cor de rosa, um megafone, um bonsai, um guerreiro tribal africano que corre – e desaparece – de ponta a outra, uma quantidade insaciável de sushi (mas sem molho shoyu, para desespero do pobre homem), etc, etc, etc. É preciso não nos esquecermos de dizer que tais fatos são mostrados em paralelo com a vida de um lutador de luta-livre no México, o famoso “Escargot Man”, herói das crianças, que nunca mostra o rosto (até nas fotos de família ele aparece irremediavelmente mascarado). Ele é uma versão burlesca do “wrestler” interpretado por Mickey Rourke em O Lutador: pretende manter-se nos ringues, enfrentando oponentes cada vez mais jovens e violentos, contrariando as preocupações da família.
O choque linguístico dessas duas narrativas que correm lado a lado já traz uma cômica dose de estranhamento: o japonês e o castelhano em suas formas mais típicas, com as entonações exageradas das quais só um estrangeiro (não tão politicamente correto) saberá rir; na história do homem japonês sem nome, ainda há algumas incursões daquele não menos risível e empostado inglês americano típico dos “advertising”. Enfim, as duas histórias vão convergir – logicamente – em certo ponto do filme. Porém, mesmo creditando o suficiente à carga nonsense do roteiro, a convergência poderia se um pouco mais orgânica e significativa.
A impressão que se fica, em relação exclusivamente ao ponto de contato entre as duas narrativas paralelas, é de que se construiu e pavimentou uma larga e sofisticada rodovia para um vilarejo perdido no mapa. Felizmente (mas não tanto), este ponto de contato não se dá no final do filme; após, serão acrescentados outros elementos que desembocarão na mensagem e no sentido finais – os quais se fazem por demais claros, ainda que certos detalhes específicos da efabulação permaneçam no obscuro do nonsense e do surreal (por exemplo, que lugar é, de fato, o não-lugar em que o homem sem nome fica preso: o máximo que poderíamos tentar dizer é que se trata de uma “casa de máquinas” do universo).
Em relação à tal mensagem, podemos entender Símbolo como uma obra “esclarecedora” e “edificante”, num sentido muito pós-moderno, mais ou menos como se vê em certos filmes de Alejandro González Iñárritu ou Michel Gondry. Agora, ligar Matsumoto a Kubrick, a Jodorowsky, ou mesmo a David Lynch, acredito que seja exagero – não obstante, tal entusiasmo é bem compreensível. O importante é entendermos que não se trata de uma simples alegoria (com suas indigestas doses de didatismo); por outro lado, a simbologia poderia ser um pouco mais complexa e, sobretudo, aberta – que é o que define o melhor da produção mítica já empreendida por esta espécie que vos fala.
É neste espírito que gostaria de colocar algumas palavrinhas aqui a respeito de Símbolo (“Shinboru”, Japão, 2009), exibido ontem na 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (quem quiser passar pela experiência dele, ainda terá chances nos dias 01 e 02 de novembro, em salas e horários variados – consulte a programação em http://www.mostra.org/). O filme é dirigido e protagonizado por Hitoshi Matsumoto, comediante bastante popular na terra do sol nascente. Esta é a sua segunda incursão no cinema – o debute se deu com Big Man Japan (“Dai Nipponjin”, 2007), que também misturava de maneira bizarra o humor e o fantástico.
A história (tanto quanto se possa dizer que exista uma) é a de um homem (o próprio Matsumoto) que acorda numa sala absolutamente branca e asséptica, sem portas, nem janelas. Vestido de um colorido pijama de bolinhas, divertimo-nos com os exagerados gritos e gestos de surpresa, indignação, entusiasmo, frustração e, enfim, desespero, enquanto o pobre inominado tenta diferentes estratégias para escapar do seu estranho cativeiro. Nas paredes, só se vê pequenas protuberâncias em formato sugestivamente fálico as quais, se pressionadas com o dedo, fazem com que sejam arremessados dentro da sala a maior e mais nonsense variedade de objetos possíveis:
uma escova de dentes cor de rosa, um megafone, um bonsai, um guerreiro tribal africano que corre – e desaparece – de ponta a outra, uma quantidade insaciável de sushi (mas sem molho shoyu, para desespero do pobre homem), etc, etc, etc. É preciso não nos esquecermos de dizer que tais fatos são mostrados em paralelo com a vida de um lutador de luta-livre no México, o famoso “Escargot Man”, herói das crianças, que nunca mostra o rosto (até nas fotos de família ele aparece irremediavelmente mascarado). Ele é uma versão burlesca do “wrestler” interpretado por Mickey Rourke em O Lutador: pretende manter-se nos ringues, enfrentando oponentes cada vez mais jovens e violentos, contrariando as preocupações da família.
O choque linguístico dessas duas narrativas que correm lado a lado já traz uma cômica dose de estranhamento: o japonês e o castelhano em suas formas mais típicas, com as entonações exageradas das quais só um estrangeiro (não tão politicamente correto) saberá rir; na história do homem japonês sem nome, ainda há algumas incursões daquele não menos risível e empostado inglês americano típico dos “advertising”. Enfim, as duas histórias vão convergir – logicamente – em certo ponto do filme. Porém, mesmo creditando o suficiente à carga nonsense do roteiro, a convergência poderia se um pouco mais orgânica e significativa.
A impressão que se fica, em relação exclusivamente ao ponto de contato entre as duas narrativas paralelas, é de que se construiu e pavimentou uma larga e sofisticada rodovia para um vilarejo perdido no mapa. Felizmente (mas não tanto), este ponto de contato não se dá no final do filme; após, serão acrescentados outros elementos que desembocarão na mensagem e no sentido finais – os quais se fazem por demais claros, ainda que certos detalhes específicos da efabulação permaneçam no obscuro do nonsense e do surreal (por exemplo, que lugar é, de fato, o não-lugar em que o homem sem nome fica preso: o máximo que poderíamos tentar dizer é que se trata de uma “casa de máquinas” do universo).
Em relação à tal mensagem, podemos entender Símbolo como uma obra “esclarecedora” e “edificante”, num sentido muito pós-moderno, mais ou menos como se vê em certos filmes de Alejandro González Iñárritu ou Michel Gondry. Agora, ligar Matsumoto a Kubrick, a Jodorowsky, ou mesmo a David Lynch, acredito que seja exagero – não obstante, tal entusiasmo é bem compreensível. O importante é entendermos que não se trata de uma simples alegoria (com suas indigestas doses de didatismo); por outro lado, a simbologia poderia ser um pouco mais complexa e, sobretudo, aberta – que é o que define o melhor da produção mítica já empreendida por esta espécie que vos fala.
2 comentários:
Olá André, desculpa invadir seu post para falar de algo 'nada a ver' mas você já conferiu Tropa de Elite 2?
Suas análises sempre equilibram muito bem o lado estético com o "ético" (nao concordo com essa palavra, mas é o bordão) e queria saber sua opinião.
Abs,
Bernardo
Cara, estou louco pra ver! Mas tenho me dedicado mais aos filmes da Mostra... Assim que ela terminar (semana que vem), vou correndo ver as novas aventuras do Cap. Nascimento!
Abs,
André.
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