Finalmente, Zack Snider realizou um filme no qual os maneirismos tão caros ao diretor de 300 (2006) e Madrugada dos Mortos (2004) ganham vida e significado. No entanto, os maiores agradecimentos devem ser prestados a Alan Moore e Dave Gibbons, autores da obra original. Ambos elaboraram, utilizando os recursos das histórias em quadrinhos, um conceito de storytelling visual que se aproxima, com muito virtuosismo e pertinência narrativo-dramática, da linguagem própria do cinema – uma verdadeira decupagem. A contribuição de Snider é bastante natural: seu estilo se casa, quase que espontaneamente, com o que seria uma adaptação “fiel” da obra de Moore-Gibbons.
Isso não quer dizer que Zack Snider tenha grande talento ou competência como cineasta. Sua felicidade é a mesma que Tom Cruise, por exemplo, tem como ator: seu tipo físico e personalidade simplesmente ficam perfeitos com tais papéis e quais histórias. Uma vez que ambos possuam plena consciência disso e orientem suas carreiras de acordo, ponto para eles. Watchmen é um filme perfeito, em sua proposta. Não gosto do tipo de afirmação que vou fazer, mas corro os riscos mesmo assim: Watchmen é a melhor adaptação que o cinema já empreendeu de uma história em quadrinhos. Temos aí um grande parâmetro para o que vier depois.
É preciso entender que os filmes que se fazem baseados em super-heróis dos gibis não são, geralmente, adaptações de alguma história específica (graphic novel, minissérie, etc). A fantasia em destaque, nesse caso, é transformar em carne e osso figuras míticas que até então só eram vistas na “pulp fiction”. Eis o grande valor do mais recente Batman, de Christopher Nolan (e também, mais ainda, o grande valor do Coringa representado por Heath Ledger). São, essencialmente, filmes de cinema, que não se preocupam – logicamente – em imitar a linguagem quadrinística, cujo maior valor (e limite, ao mesmo tempo) é sugerir um efeito, uma impressão de imagens em movimento, organizadas segundo as leis da montagem cinematográfica.
É por isso que as tentativas de transformar a tela do cinema numa página de gibi, empreendidas por Ang Lee no seu Hulk (2003), não são mais do que risíveis – uma curiosidade pitoresca tal qual as antigas engenhocas que tentavam “animar” as imagens antes da invenção do cinematógrafo. Lee errou porque tentou levar, literalmente, o papel para a tela. Não entendeu que a essência de uma determinada forma de linguagem não está nos meios físicos que ela utiliza, mas no modo como o próprio código (os paradigmas e os sintagmas; no caso, a fotografia e a montagem) se desenvolve utilizando o potencial e os limites dos meios tais (papel ou película).
E é exatamente onde Ang Lee fracassa que Zack Snider triunfará. Mas ele já estava com a faca e o queijo na mão. O caminho lhe tinha sido aberto, preparado e pavimentado por Alan Moore e Dave Gibbons, que empreenderam uma das mais (senão a mais) cinematográfica obra dos quadrinhos. Em termos de decupagem, era muito fácil levar Watchmen do papel para a tela grande (para quem dispusesse dos recursos financeiros e tecnológicos para tanto, é claro). A “maxissérie” original (12 volumes) já era praticamente o storyboard para um filme. Que bom que Snider entendeu (e muito bem) isso. A longa duração da fita (162 minutos; será lançada nos EUA um DVD com versões estendidas que chegarão a 205 minutos) atesta o fato.
Watchmen, o filme, é uma cópia, quase quadro a quadro, da obra original (e pensar que existe uma versão em I-MAX que, até agora, está sem data de estréia no Brasil). Estão ali todos os elementos que fazem a sofisticação artística de Alan Moore e Dave Gibbons: os “movimentos de câmera”, a ironia, os paralelismos metafóricos (envolvendo diversos planos da narrativa, seja numa montagem paralela, seja usando a profundidade de campo), a intrincada intertextualidade (que o filme trabalha bastante utilizando a trilha sonora, incrível acréscimo estético em relação aos quadrinhos: as letras das músicas, dentre as quais contamos Nat King Cole, Bob Dylan e Jimi Hendrix, parecem comentar – às vezes ironicamente – o que se passa na cena).
Tanta virtuose é natural que caia como uma luva para duas obras com a proposta pós-moderna de desconstruir a cultura pop e a civilização da qual ela é a expressão-mor. Em outros contextos, Watchmen soaria constrangedoramente pueril. Enfim, este filme deve ser pensado com o mesmo rigor e seriedade com que se pensa em adaptações de obras literárias. Mais do que fidelidade, as equivalência e pertinências estéticas e temáticas que podemos traçar entre o original e a adaptação são grandes exemplos do que se pode conquistar quando se tem visão e sensibilidade suficientes para compreender uma proposta, um projeto. E me digam uma coisa: o que é aquele Rorschach, hein?!
Isso não quer dizer que Zack Snider tenha grande talento ou competência como cineasta. Sua felicidade é a mesma que Tom Cruise, por exemplo, tem como ator: seu tipo físico e personalidade simplesmente ficam perfeitos com tais papéis e quais histórias. Uma vez que ambos possuam plena consciência disso e orientem suas carreiras de acordo, ponto para eles. Watchmen é um filme perfeito, em sua proposta. Não gosto do tipo de afirmação que vou fazer, mas corro os riscos mesmo assim: Watchmen é a melhor adaptação que o cinema já empreendeu de uma história em quadrinhos. Temos aí um grande parâmetro para o que vier depois.
É preciso entender que os filmes que se fazem baseados em super-heróis dos gibis não são, geralmente, adaptações de alguma história específica (graphic novel, minissérie, etc). A fantasia em destaque, nesse caso, é transformar em carne e osso figuras míticas que até então só eram vistas na “pulp fiction”. Eis o grande valor do mais recente Batman, de Christopher Nolan (e também, mais ainda, o grande valor do Coringa representado por Heath Ledger). São, essencialmente, filmes de cinema, que não se preocupam – logicamente – em imitar a linguagem quadrinística, cujo maior valor (e limite, ao mesmo tempo) é sugerir um efeito, uma impressão de imagens em movimento, organizadas segundo as leis da montagem cinematográfica.
É por isso que as tentativas de transformar a tela do cinema numa página de gibi, empreendidas por Ang Lee no seu Hulk (2003), não são mais do que risíveis – uma curiosidade pitoresca tal qual as antigas engenhocas que tentavam “animar” as imagens antes da invenção do cinematógrafo. Lee errou porque tentou levar, literalmente, o papel para a tela. Não entendeu que a essência de uma determinada forma de linguagem não está nos meios físicos que ela utiliza, mas no modo como o próprio código (os paradigmas e os sintagmas; no caso, a fotografia e a montagem) se desenvolve utilizando o potencial e os limites dos meios tais (papel ou película).
E é exatamente onde Ang Lee fracassa que Zack Snider triunfará. Mas ele já estava com a faca e o queijo na mão. O caminho lhe tinha sido aberto, preparado e pavimentado por Alan Moore e Dave Gibbons, que empreenderam uma das mais (senão a mais) cinematográfica obra dos quadrinhos. Em termos de decupagem, era muito fácil levar Watchmen do papel para a tela grande (para quem dispusesse dos recursos financeiros e tecnológicos para tanto, é claro). A “maxissérie” original (12 volumes) já era praticamente o storyboard para um filme. Que bom que Snider entendeu (e muito bem) isso. A longa duração da fita (162 minutos; será lançada nos EUA um DVD com versões estendidas que chegarão a 205 minutos) atesta o fato.
Watchmen, o filme, é uma cópia, quase quadro a quadro, da obra original (e pensar que existe uma versão em I-MAX que, até agora, está sem data de estréia no Brasil). Estão ali todos os elementos que fazem a sofisticação artística de Alan Moore e Dave Gibbons: os “movimentos de câmera”, a ironia, os paralelismos metafóricos (envolvendo diversos planos da narrativa, seja numa montagem paralela, seja usando a profundidade de campo), a intrincada intertextualidade (que o filme trabalha bastante utilizando a trilha sonora, incrível acréscimo estético em relação aos quadrinhos: as letras das músicas, dentre as quais contamos Nat King Cole, Bob Dylan e Jimi Hendrix, parecem comentar – às vezes ironicamente – o que se passa na cena).
Tanta virtuose é natural que caia como uma luva para duas obras com a proposta pós-moderna de desconstruir a cultura pop e a civilização da qual ela é a expressão-mor. Em outros contextos, Watchmen soaria constrangedoramente pueril. Enfim, este filme deve ser pensado com o mesmo rigor e seriedade com que se pensa em adaptações de obras literárias. Mais do que fidelidade, as equivalência e pertinências estéticas e temáticas que podemos traçar entre o original e a adaptação são grandes exemplos do que se pode conquistar quando se tem visão e sensibilidade suficientes para compreender uma proposta, um projeto. E me digam uma coisa: o que é aquele Rorschach, hein?!
11 comentários:
Ótimo texto, teve uma leitura muito parecida com a minah sobre o que o filem representa... Mas agora é esperar para medir a competência do Snyder fora desse padrão...
Abraços...
Fora desse padrão acho que ele não tem lá muita competência mesmo... E nem precisa, pra falar a verdade... é cada um no seu quadrado!
Permita-me discordar, André... Watchmen não funciona nem como filme, tampouco com adaptação. Como filme, peca por ritmo confuso e algumas atuações sofríveis - de Malin Akerman, só se salva a beleza. Como adaptação, perde força toda vez que Snyder evidencia seu gosto pelo grotesco, em cenas desnecessariamente "gore" ou no exagero do arame fu. O mérito de Snyder está muito mais em seu bom gosto em ter escolhido adaptar a obra de Moore, e em fazê-lo de forma respeitosa, mantendo a essência do original. Melhor seria se ele fosse o produtor e entregasse a direção para alguém de estilo mais "kubrickiano", como a obra pede. E para terminar, não achei a experimentação do Ang Lee ridícula e digo mais: Hulk é um ótimo filme, porém, incompreendido.
Concordo com Luis Felipe. Discordo plenamente com você. Além disso, suas afirmações de que a adaptação é perfeita, praticamente quadro a quadro, é, com certeza, de alguém que não leu a HQ ou leu sem cuidado... Por falar nisso, sua crítica tem aspectos que me lembram a da Isabela Boscov...
Isabela Boscov?! Estou perdido! Descobriram minha grande fonte de inspiração... hahahaha...
Mas, falando sério, pessoal:
Realmente, alguém mais kubrickiano poderia fazer melhor por este filme. Mas quem? O máximo que eu consigo pensar (desculpem minha eventual ignorância) é num Brian de Palma... E, para mim, o surpreendente valor deste filme é que realmente não creio que Brian de Palma teria feito algo muuuuuuito melhor...
É uma questão de gradação: a distância entre "Watchmen" e um grande filme é menor do que esperaríamos, vindo de Zack Snider.
Anyway, filmes assim são os melhores pra discutir, né? A gente se envolve...
Achei o filme ótimo. Na verdade, Watchmen, a HQ, teve de esperar 22 anos para ser finalizada por Watchmen, o filme. O final da história em quadrinhos era muito fraco. O final do filme é muito bom, é mais coerente com o restante da lógica da história e a completa de forma definitiva. O filme manteve o mesmo ar sombrio da HQ e o mesmo drama humano centrado na figura de Rorschach, que foi muito bem interpretado, e nas falas do Dr. Manhattan. É, entretanto, necessário entender que não se trata de uma história fácil, ela não tem heróis, ao contrário, por exemplo, do Batman. O filme, mesmo arriscando perder dinheiro na bilheteria, foi fiel ao espírito dos quadrinhos. Nota 10 para Zack Snyder e sua equipe, na forma, no conteúdo e na honestidade artística.
O filme é bem realizado, gostei. O Rorschach, via de regra, é o personagem mais interessante.
André, soube que quem tinha um projeto muito maior que o de Snider, e que inclusive contava com um elenco de maior peso(Jude Law, Denzel Washington e outros figurões),era Paul Greengrass. O orçamento, entretanto, foi avaliado como caro demais e o estúdio não financiou.
Apesar de ter gostado de Watchmen, não consigo esconder a frustração de não saber o que Greengrass poderia fazer.
O virtuosismo maior do filme ta no texto, que é bem realçado e imaginado com vigor. Eis um baita filme aqui. Adorei.
Ciao!
Paul Greengrass? Nossa, essa eu pagava pra ver!...
Acho que Snyder captou o espírito da quadrinho, mas de maneira errada: através da construção visual. Na minha opiniao, falta alma e aproximaçao com a platéia. Em momento algum "Watchmen" me fez repensar o esquema mocinho/bandido, como em "Cavaeiro das Trevas", ainda que dizer isso tem se tornado cada vez mais clichê. Mas me desculpem os puristas: o final do filme ficou mais interessante que o do quadrinho.
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