Nos limites entre o consciente e o inconsciente, entre o mundo físico e o metafísico, entre o real e o mito, entre a prosa e a poesia, entre o adulto e o infantil, entre a vigília e o sono, entre o desvelado e o segredo, a razão e o instinto, o temporal e o eterno, a luz e as trevas, o masculino e o feminino, o bem e o mal, o yin e o yang, encontra-se a obra (ou delírio? – daydream / devaneio) de Henry Selick e Neil Gaiman. Coraline retira sua impressionante força da ambigüidade que está na base do pensamento infantil, mitológico e (ou poético). Trata-se de uma vidência toda especial que era atributo dos antigos poetas / profetas das civilizações (civilizações?) primitivas, num tempo em que o homem ainda se encontrava mais conectado às raízes do seu próprio ser (o inconsciente) e de todos os seres (a natureza).
Hoje, neste nosso mundo absolutamente dessacralizado e violentado das piores maneiras, tais funções restam nas mãos dos artistas (escritores? cineastas?). Selick e Gaiman, inserindo-se na melhor tradição dos escritores “videntes” e suas fábulas de infantis para adultas (Lewis Carroll) ou de adultas para infantis (Johnathan Swift) promovem o sempre rico e altamente pertinente embate entre a vivência mito-poética universal (por mais que se queira reprimi-la) e as (se é que se pode chamar) vivências do mundo contemporâneo, pós-moderno, pós-estruturalista, pós-tudo. Devemos dar graças (aos primitivos deuses pagãos) que ainda existem, no cinema, gente como Henry Selick, Tim Burton, Guillermo Del Toro, Hayao Miyazaki (diretor de A Viagem de Chihiro) – sem contar aqueles que produzem para a TV,
como C. H. Greenblatt (a mente insana criadora da séria animada Chowder, atualmente em cartaz no Cartoon Network) e Maxwell Atoms (responsável pelas Aventuras de Billy e Mandy, também do Cartoon Network). Numa indústria cultural assolada por “Hanna Montana”, “High School Musical”, “Gossip Girl”, “Lazytown”, “Crepúsculo” e outras enfermidades cujos males para as almas das crianças e adolescentes ainda serão pagos pela sociedade de um futuro bastante próximo, respiramos aliviados em saber que a sombra da barbárie ainda não obscureceu todos os pontos da superfície desta terra em relação a qual uns poucos (ainda) iluminados se sentem cada vez mais exilados. Nos extras do DVD de O Estranho Mundo de Jack, Henry Selick (o diretor) explica as suas afinidades com Tim Burton (o roteirista)
dizendo algo como ambos pertencendo ao mesmo universo (ou à mesma raça espiritual, ou coisa assim). Pois bem. Que esses “alienígenas” em nosso meio se unam e façam frente à sistemática violação do espírito humano livre, criativo e totalizante (no sentido de dialogar com e unir todos os planos de oposições que compõem nosso ser e nossa existência numa universalidade transcendente), zelando particularmente para jamais fazer ou deixar que se façam das crianças e adolescentes nada menos do que eles realmente são. Em nosso tempo, qualquer idéia de revolução, mudança ou reflexão crítica deverá passar, necessariamente, por esses âmbitos, sob a pena de não fazer nada mais do que reproduzir – ainda que sob novas roupagens – velhas formas de barbárie.
Artistas dessa natureza não tratam de criar fábulas “góticas”, ou de mostrar o lado “cruel” e “macabro” do universo infanto-juvenil. O buraco é muito mais embaixo: gente da raça de Lewis Carroll, assumindo heroicamente a função dos profetas dos antigos tempos, não nos deixa esquecer velhos arquétipos, e suas representações míticas das mais essenciais; com isso, eles nos fazem lembrar o tempo todo de nós mesmos, ainda que as forças tenebrosas da “modernidade” (que vão muito além de uma mera “massificação”, “banalização” ou “fragmentação” dos indivíduos) estejam aí para promover o contrário. Coraline, por sua vez, promove nada mais nada menos do que sugestões para um verdadeiro (e sempre livre, significativo e nada dogmático) encontro de nós conosco mesmos, com este e com quaisquer outros mundos.
Hoje, neste nosso mundo absolutamente dessacralizado e violentado das piores maneiras, tais funções restam nas mãos dos artistas (escritores? cineastas?). Selick e Gaiman, inserindo-se na melhor tradição dos escritores “videntes” e suas fábulas de infantis para adultas (Lewis Carroll) ou de adultas para infantis (Johnathan Swift) promovem o sempre rico e altamente pertinente embate entre a vivência mito-poética universal (por mais que se queira reprimi-la) e as (se é que se pode chamar) vivências do mundo contemporâneo, pós-moderno, pós-estruturalista, pós-tudo. Devemos dar graças (aos primitivos deuses pagãos) que ainda existem, no cinema, gente como Henry Selick, Tim Burton, Guillermo Del Toro, Hayao Miyazaki (diretor de A Viagem de Chihiro) – sem contar aqueles que produzem para a TV,
como C. H. Greenblatt (a mente insana criadora da séria animada Chowder, atualmente em cartaz no Cartoon Network) e Maxwell Atoms (responsável pelas Aventuras de Billy e Mandy, também do Cartoon Network). Numa indústria cultural assolada por “Hanna Montana”, “High School Musical”, “Gossip Girl”, “Lazytown”, “Crepúsculo” e outras enfermidades cujos males para as almas das crianças e adolescentes ainda serão pagos pela sociedade de um futuro bastante próximo, respiramos aliviados em saber que a sombra da barbárie ainda não obscureceu todos os pontos da superfície desta terra em relação a qual uns poucos (ainda) iluminados se sentem cada vez mais exilados. Nos extras do DVD de O Estranho Mundo de Jack, Henry Selick (o diretor) explica as suas afinidades com Tim Burton (o roteirista)
dizendo algo como ambos pertencendo ao mesmo universo (ou à mesma raça espiritual, ou coisa assim). Pois bem. Que esses “alienígenas” em nosso meio se unam e façam frente à sistemática violação do espírito humano livre, criativo e totalizante (no sentido de dialogar com e unir todos os planos de oposições que compõem nosso ser e nossa existência numa universalidade transcendente), zelando particularmente para jamais fazer ou deixar que se façam das crianças e adolescentes nada menos do que eles realmente são. Em nosso tempo, qualquer idéia de revolução, mudança ou reflexão crítica deverá passar, necessariamente, por esses âmbitos, sob a pena de não fazer nada mais do que reproduzir – ainda que sob novas roupagens – velhas formas de barbárie.
Artistas dessa natureza não tratam de criar fábulas “góticas”, ou de mostrar o lado “cruel” e “macabro” do universo infanto-juvenil. O buraco é muito mais embaixo: gente da raça de Lewis Carroll, assumindo heroicamente a função dos profetas dos antigos tempos, não nos deixa esquecer velhos arquétipos, e suas representações míticas das mais essenciais; com isso, eles nos fazem lembrar o tempo todo de nós mesmos, ainda que as forças tenebrosas da “modernidade” (que vão muito além de uma mera “massificação”, “banalização” ou “fragmentação” dos indivíduos) estejam aí para promover o contrário. Coraline, por sua vez, promove nada mais nada menos do que sugestões para um verdadeiro (e sempre livre, significativo e nada dogmático) encontro de nós conosco mesmos, com este e com quaisquer outros mundos.
4 comentários:
eu tenho vontade de ver, mas no cinema que fui só tinha dublado. escolhi outro. beijos, pedrita
Vi o trailer e gostei. Sem demora assito.
Parabéns pelo blog Renato!
Valeu pelo apoio, camarada!
"Penso em ti, murmuro o teu nome; e não sou eu: sou feliz"
Fernando Pessoa
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