segunda-feira, julho 07, 2008

O Escafandro e a Borboleta


Poucas vezes o cinema nos proporciona uma senhora experiência de vida, nada mais e nada menos do que isso. Esta que é uma das maiores potencialidades da sétima arte, em relação à qual muitos filmes naufragam absolutamente. Para se mostrar uma experiência, um diretor não deve pretender “tratar” de tal experiência; ele deve mais é deixar a experiência “tratar-se” por si própria. O diretor deve – quase literalmente – mergulhar no universo a ser retratado: no universo humano, na experiência individual e subjetiva dos acontecimentos. Este mergulho deve ser feito com sensibilidade – tanto a humana quanto a artística –, com serenidade, naturalidade e desapego. E, obviamente, com leveza – mas sem confundi-la com superficialidade, o que parece ser difícil: como fazer um filme “investigativo” da experiência humana que seja profundo, sem se tornar pesado?

Enfim, a história de um homem “bon vivant” que, de repente, sofre um derrame (acidente vascular cerebral) e, a partir daí, só é capaz de movimentar o seu olho esquerdo, poderia parecer trágica, piegas, condescendente, dentre outros adjetivos pouco amigáveis. Mas não é a maneira como a própria “vítima” a vive ou escreve sobre ela. Conseqüentemente, não será a maneira como o sábio diretor Julian Schnabel (de “Basquiat” e “Antes do Anoitecer”) decidirá contá-la. O personagem em questão é Jean-Dominique Bauby, editor da prestigiada revista “Elle”, que decide escrever – usando o seu único meio de comunicação com o mundo exterior, o olho esquerdo – um livro sobre a própria vida, dividida entre o “escafandro” (conforme ele chama a sua condição – a síndrome do “locked-in”, ou seja, o indivíduo plenamente consciente mas “trancado” dentro de um corpo imóvel)

e a “borboleta” ( conforme ele vive a sua vida interior, totalmente livre entre a imaginação e a memória). O diretor faz a câmera mergulhar primeiro no corpo de Bauby: nunca a expressão “câmera-olho” foi tão apropriada, ou a técnica da câmera “subjetiva”. Junte-se isso à voz em “off” que nos comunica os pensamentos do personagens e teremos uma solução estilística simples e da maior expressividade. Porém, antes que o espectador se canse ou sinta de maneira enfática demais a vivência do “locked-in”, a câmera do filme vai se objetivando e como que saindo gradativamente do corpo do personagem para mostrá-lo pelos olhos das outras pessoas (só chegamos a ver o seu rosto inteiro depois de bastante tempo de filme). A partir de então, a visão do exterior se intercalará e equilibrará sublimemente com a visão do interior, e também com a visão mais interior ainda que é a das fantasias e lembranças do personagem.

Não é à toa que o filme concorreu ao Oscar de melhor montagem. A variedade e a harmonia dos “focos narrativos” é muito boa. E cada foco é composto com imagens trabalhadas muito poeticamente (o filme também concorreu ao Oscar de melhor fotografia), revelando a já assinalada bagagem pictórica do diretor – Julian Schnabel foi pintor “neo-expressionista” antes de estabelecer-se como cineasta. Schnabel também foi o “music supervisor” de O Escafandro e a Borboleta, e a trilha sonora já é uma das melhores do ano: é particularmente difícil conter as lágrimas quando se ouve “Pale Blue Eyes”, do Velvet Underground. Só para constar, o diretor de fotografia aqui é Janusz Kaminski, cinegrafista “oficial” de Steven Spielberg.

Quanto ao roteiro, que se destaca pelo tom não-condescendente, não-filosófico, enfim, não-nada (ou não-tudo?), e pelos toques de humor que só enriquecem a transmissão das coisas humanas numa chave desinteressada, ficou a cargo de Ronald Harwood – que escreveu os dois (e ótimos) filmes mais recentes de Roman Polanski: “O Pianista” e “Oliver Twist”, além de “O Amor Nos Tempos do Cólera” (2007), de Mike Newell. Enfim, é uma equipe de peso e um bom filme, que ganhou prêmios importantes, dentre eles: melhor diretor em Cannes e Globo de Ouro de melhor diretor e melhor filme em língua estrangeira. Concorreu a outros mais: melhor diretor e roteiro adaptado no Oscar, Palma de Ouro em Cannes. Não digo pelo prestígio das credenciais e da carreira do filme, mas uma obra que é reconhecida em premiações por direção, fotografia, montagem e roteiro, merece um olhar curioso, pois tais elementos é que fazem a arte do cinema.

8 comentários:

Anônimo disse...

Como já comentado, "O Escafandro e a Borboleta" foi uma das melhores experiências que já tive em relação a um filme. A maneira como tudo é conduzido por Schnabel (com um roteiro excepcional do Harwood, aliás) foi acima de qualquer expectativa, um filme memorável!

Anônimo disse...

Bom, vou assistir esse filme hoje mesmo e estou com as expectativas lá em cima!
Parabéns pelo seu blog!

André Renato disse...

É uma grande experiência mesmo, Vinícius!

Mateus, assista com gosto, vale a pena! Valeu pelo apoio!

Anônimo disse...

Você que é antenado com o cinema já se informou sobre a iniciativa da Moviemobz? O espectador pode escolher o filme e a sala de exibição.

O que acha disso?

Dá uma conferida em uma matéria legal sobre o assunto: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2008/07/07/comunidade_virtual_permite_cinefilos_marcarem_sessoes_de_filmes_independentes_favoritos_de_classicos_producoes_em_cartaz-547126144.asp

Acho importante os cinéfilos e críticos se inteirarem do tópico.

Um abraço.

Rodrigo Fernandes disse...

estou aguardando chegar por aqui... mas pelo jeito irei esperar em vão...rs... duvido mutio que entre em cartaz na minha cidade... que merda!
vou ficar memso a expectativa qdo for lançado em DVD...
abraços, André!!!

Anônimo disse...

O filme só ganha elogios! Quero assistir logo!

Ciao!

Anônimo disse...

Confesso q estava com um preconceito danado em relação a esse filme, mas lendo algumas coisas a mais tenho cada vez mais vontade de assistí-lo. Veremos o q acontece.

André Renato disse...

Sem preconceitos, cara! O filme não é tão ruim assim... rsrsrsrs