“O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que lançamos pela primeira vez um olhar inteligente sobre nós mesmos (...)” Marguerite Yourcenar
A epígrafe-mote do filme é bonita – ela aparecerá mais uma vez no final. Pena que não é usada para se construir, a partir daí, uma narrativa que trabalhe de maneira detalhada, profunda e complexa a psicologia do indivíduo, os atos, fatos, decisões, erros e remorsos que compõem a tragédia humana. Meu Nome Não É Johnny acaba passando como uma parábola das mais simples com uma mensagem moralizante ainda mais simples, ou melhor, simplista. Nada contra o sentido moral da experiência de João Guilherme Estrella, do modo como ele mesmo a viveu ou como nós a possamos testemunhar; não é necessário que se faça nenhuma glamourização do crime ou da figura mítica do criminoso rebelde, charmoso, bonitão e bem-nascido. Mas a maneira como a narrativa deste filme foi construída parece daqueles livros pseudo-romanescos de auto-ajuda evangélica, espírita, anti-drogas, anti-álcool, etc., publicados para o bem da moralização da nossa juventude.
Não sei se, na verdade, é o livro no qual se baseia o filme que é assim. De qualquer maneira, fica registrada a reclamação. O fato é que, justamente por ser uma daquelas vidas exemplares (no sentido de vidas que servem de modelo para se discutir coisas importantes e transmitir mensagens mais importantes ainda), a vida de João Estrella merece uma biografia cinematográfica – ou literária – mais à altura do drama, da tragédia, da arte; de uma elaboração artística, de uma estetização que não banalizasse a experiência humana em vista de um propósito didático moralizante dos mais redutores. Repito: não é que não deva haver moral, mas esta, justamente por ser uma dimensão importantíssima, deve receber um tratamento artístico mais elevado e mais livre, digamos assim. Ainda que a arte tenha moral, esta jamais deve carregar a obra artística nas costas de uma maneira tão explícita e simplista – conseqüentemente – reduzindo tristemente a maravilha complexa da experiência humana, ainda que trágica.
O que não se parece compreender é que o tratamento dramático, trágico e psicologicamente profundo, complexo, de uma narrativa assim é o que mais contribuiria – positivamente – para que o conteúdo moral fosse eficientemente veiculado, numa forma estética. Como maior exemplo de uma narrativa fílmica bem construída – no sentido em que estamos tratando – é a série O Poderoso Chefão, clássico de Coppola. Um filme como Cassino, de Scorsese, também vai na mesma linha. Não estou querendo dizer com isso que Mauro Lima devesse ter imitado o estilo desses dois diretores. A questão não está no estilo de direção, está na elaboração do roteiro. Meu Nome Não É Johnny não se decide entre ser o “Brazilian Gangster” (referência que fazemos aqui ao mais recente filme de Ridley Scott: o “American Gangster”) e uma versão um pouco mais elaborada do livro da Bruna Surfistinha misturado com qualquer historinha simploriamente edificante para acalmar os ânimos de pais zelosos.
O filme quer mostrar muita coisa importante em pouco tempo. É lógico que muitas delas acabam ficando na base do sumário, apenas o suficiente para que a “tese” seja demonstrável – neste caso, a tese positiva de que qualquer pessoa pode se recuperar e se regenerar, contrária obviamente à maioria das teses que assolam o cinema Naturalista do mundo cão brasileiro. Querer tratar de maneira adequada tanto da vida criminosa de João Estrella, quanto da sua vida carcerária e pós-carcerária (o lento processo de regeneração) demandaria um filme de pelo menos três horas (eis de novo os grandes modelos de Coppola e Scorsese). Agora, se o cinema comercial brasileiro ainda não está maduro o suficiente para produzir um longa tão volumoso e dispendioso, que se reduzam pelo menos as ambições, faça-se um recorte menor da vida do personagem para se colocar na tela.
Enfim, é um problema comum no nosso cinema este: dar um passo maior do que as próprias pernas. Não que se devam dar passos pequenos, mas a idéia é “malhar” as pernas para que possam dar passos e saltos cada vez maiores. Neste filme, é grotesco e chocante o desnível entre o começo e o final. O começo nos promete um Coppola ou Scorsese e o final nos entrega mais uma novela das 8. Apesar de tudo, a experiência de assisti-lo é agradável graças ao trabalho de Selton Mello, de alguns coadjuvantes (principalmente os policiais corruptos, que dão cenas bem boladas e engraçadas) e dos atores que compõem o elenco da prisão e do manicômio, dentre os quais se repete a presença de Flávio Bauraqui – de Quase Dois Irmãos. A trilha sonora, a direção de arte (na reconstituição de época), a fotografia e a montagem também chamam a atenção. Só o roteiro mesmo que estraga. Enfim, é um filme bastante profissional, mas para ser arte (mesmo que apenas arte “de gênero”) falta algo mais.
2 comentários:
O filme é bom. Mas é um desequilibrio entre estudo de personagem e crítica social. O problema é que ele vê seu forte no segundo caso, e ta errado. O que deveria ter sido mais aprofundado no filme era o estudo de personagem, que teria sido excelente. Ao menos Selton Mello faz sua parte.
Ciao!
Esses desequilíbrios revelam o estado imaturo do nosso cinema. Mas também revelam que nossos filmes estão tentando atingir patamares mais superiores, estão seguindo o caminho "certo". Acredito que uma hora tudo se acertará...
Selton Mello faz mais do que a sua parte! ele é um ator de cinema de verdade. Ele tem um tipo, uma personalidade, um jeito de falar e de fazer humor, uma postura, um conjunto de gestos e olhares que são sempre os mesmos (basicamente), mas que ficam muito bem num filme e encaixam nos personagens que ele interpreta. Ator de cinema não é isso mesmo?
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