Juno (EUA, 2007, dir.: Jason Reitman) não é um filme independente. É um filme indie. A diferença? Bem, Indie é um gênero, e um gênero não só artístico, mas cultural. O Indie nasceu da cultura pop dita alternativa, e tem as suas expressões no comportamento jovem, no seu vestuário, na música e também – por que não? – no Cinema. No entanto, o Indie já cresceu o suficiente para ser assimilado e engolido pela famigerada “indústria cultural”, caindo nas redes do “sistema”, do mainstream. Neste caso, ele só continuaria sendo “alternativo” por se tratar de um gênero com suas próprias especificidades; mas não passaria de mais uma marca de refrigerante na prateleira.
Como produto de mercado, as características da cultura e da estética indie se transformam em fórmulas e cacoetes. Estas fórmulas e cacoetes são trabalhados meticulosamente não como expressão artística, mas como estratégia de marketing que visa a melhor aceitação do produto. Muitas vezes, jornalistas, críticos e o próprio público-alvo são “trabalhados” previamente para que se crie neles – e eles criem em outros – uma expectativa, até mesmo uma ansiedade pelo produto prestes a ser lançado; esta ansiedade poderá contribuir muito positivamente para a recepção do produto. É o que chamamos de hype.
Agora, por que estou eu falando dessas coisas? Para acusar Juno de um bem sucedido golpe publicitário? Não. Meu desejo, do fundo do coração, é questionar a natureza e a razão deste filme. A dúvida cruel que me aflige é: seria Juno indie, mesmo se não existisse o mercado indie? Ou será que Juno não passa de um “hype” muito bem tramado? A nova obra de Jason Reitman é autêntica ou não? Melhor ainda: em que medida ela é autêntica? Pois há tantos elementos no filme que nos fazem acreditar que ela o seja, quanto há os que nos fazem duvidar e torcer o nariz.
O caso de Juno me lembra bastante o da banda de rock The White Stripes. Todos os elementos do grupo de Meg e Jack White – e não só os musicais, mas também a “atitude”, o figurino, o visual dos shows, dos videoclipes e das capas dos discos – contribuem e confluem para a criação de uma identidade visual única e bem marcante, quase como se fosse... uma marca! Um produto bem chamativo à venda nos supermercados da cultura... É claro que tudo o que eu digo são apenas especulações, difíceis de serem conferidas e comprovadas. Mas a dúvida surge e fica.
Talvez a coisa seja e não seja ao mesmo tempo, e propositalmente. Graças a um manejo muito engenhoso de uma profunda e rica ambigüidade (dialética até), coisas como os White Stripes e Juno seriam obras autenticamente artísticas que se disfarçam de produtos de mercado para comentar e criticar esses mesmos produtos – ou simplesmente para carregarem mais livremente a suas próprias idéias originais –, aproveitando-se do processo mercadológico para se difundirem melhor a si mesmas. É uma campanha de marketing, um golpe publicitário, mas também é mais do que isso; e por uma causa nobre. Eis a Pop Art.
De qualquer maneira, como alguns discos ou bandas de rock, Juno é um filme conceitual. Todos os seus elementos (todos mesmo), desde o design dos créditos e da abertura, passando pela fotografia (com uma composição quase musical entre os elementos do quadro, incluindo o rico trabalho com cores vivas), pela montagem (com um ritmo também musical, lembrando um videoclipe do REM ou do Belle and Sebastian) e pela trilha sonora (recheada de indie rock, é claro), chegando na atuação repleta de “atitude” e de mil e um trejeitos da protagonista (vivida pela promissora Ellen Page) e de outros personagens (todos carismáticos e deliciosamente disfuncionais), tudo neste filme ajuda na criação de uma identidade perfeitamente coesa, coerente e sobretudo simpática.
Identidade que é destacada do começo ao fim da projeção como se fosse um caso de auto-afirmação. Ou seja, como se o filme fosse em si tão adolescente quanto os personagens que o animam. Esta é uma coerência que o recente Paranoid Park de Van Sant não tem (coisa que eu critiquei quando escrevi sobre ele). Apesar das óbvias diferenças na história e nos personagens, o discurso audiovisual de Jason Reitman neste filme está mais “colado” ao seu assunto do que o de Gus Van Sant em relação ao dele. Isto faz com que Juno seja mais simpático e agradável de se ver do que Paranoid Park. Mas não quer dizer que seja um filme “melhor”.
De qualquer modo, Juno é como um disco do Belle and Sebastian (banda escocesa paradigma do indie rock), que aliás faz parte da trilha sonora, inclusive no que toca à sensibilidade. O roteiro, escrito pela ex-stripper Diablo Cody (que ganhou um Oscar por ele), daria perfeitamente uma letra para alguma canção da banda de Stuart Murdoch. Juno é poser como os típicos freqüentadores das baladas indie daqui de São Paulo, o que pode ser bom ou mal, dependendo do gosto e da opinião que o espectador tenha em relação a posers, e a posers indie, especificamente. Na medida em que for um produto da pequena grande indústria do “alternativo”, as fórmulas e cacoetes de Juno podem agradar àqueles que os apreciam, mas é importante lembrar que não passariam de fórmulas e cacoetes, da mesma família (embora não do mesmo gênero) que as fórmulas e cacoetes dos filmes de Michael Bay, por exemplo.
A história de Juno gira em torno das quatro estações de um ano, que nos países de clima temperado possuem características bem próprias e trazem cores bem diferentes para a paisagem. Estas quatro estações mudarão consideravelmente as cores da vida e da pessoa de Juno McGuff (Ellen Page), uma adolescente que engravida acidentalmente durante o outono. Até as portas do verão seguinte (quando nascerá o bebê), Juno passará por grandes transformações e mudará as pessoas ao seu redor – justamente como a natureza atingida pelos efeitos das estações. Após cogitar muito brevemente o aborto, ela decidirá desde cedo dar o bebê para a adoção.
Para tanto, ela escolhe um casal muito gente fina, bem-sucedido, cujo maior desejo é ter filhos, mas que até então não os conseguiu: Mark (Jason Bateman, o Michael Bluth da série “Arrested Development”) e Vanessa Loring (Jeniffer Garner). O processo de adoção não ocorrerá sem os seus percalços, mas, no final, o caráter sazonal associado à narrativa provará ser bem significativo. A vida é um ciclo. Eis a sua beleza e sentido. O interessante também é que Juno é um filme de personagem, como o próprio título o atesta. A personagem de Ellen Page é quase como uma Capitu: menina-mulher forte, decidida, com uma inteligência maliciosa e sarcástica, manifesta em atitudes sempre indubitavelmente pragmáticas.
Em vários aspectos, Juno é mais madura do que os adultos que a rodeiam: o pai, a mãe ausente, a madrasta, os Loring. Tanto que ela dá lições claras de maturidade e todos eles. Contudo, uma maturidade tamanha só poderia estar ligada a uma ingenuidade também muito grande. Quero dizer, somente com uma certa dose de ingenuidade, inexperiência ou ignorância que podemos tomar certas atitudes com tanta segurança e rapidez. Desta forma, a pureza de Juno faz com que ela seja mais adulta do que os adultos que, perdendo tal pureza, passam a cometer erros “infantis”.
Mark Loring é o típico “kidult” norte-americano: entre os seus “late thirdies” e “early fourthies”, mas que ainda não viveu, processou e superou muitas experiências e mentalidades adolescentes. Não é à toa que vai rolar uma forte identificação entre ele e Juno. E o fato de Mark ser fanático pelo rock dos anos 90, enquanto Juno defende os clássicos da década de 70, também é bastante bizarro e significativo. Aliás, quase chorei ao ver no filme o raro álbum “If I were a Carpenter”, tributo aos Carpenters feito nos anos 90 por bandas do rock alternativo. É um dos discos que fizeram a minha adolescência! Pena que pouca gente conhece (não é o caso de Jason Reitman)...
É importante lembrar também que Juno (Hera, na versão grega), esposa de Júpiter (Zeus, entre os gregos), é a “femme-fatale” da mitologia greco-romana. Esta referência é explicada pela própria personagem de Page. Mas a jovem Juno é maquiavélica e altruísta ao mesmo tempo: a solução que ela encontra para a “desgraça” da sua gravidez será a “graça divina” para outras e necessitadas pessoas. Isto é que é estar dentro do melhor espírito do “fazer das tripas coração”. E ela acredita na humanidade (mas não sem abalos de fé) e no amor. Personagem forte e polêmica, contraditória mas sempre vencedora, Juno lembra muito o protagonista de Obrigado Por Fumar (2006), filme anterior e estréia na direção de Jason Reitman. Interpretado intensamente por Aaron Eckhart, Nick Naylor e Juno são pessoas intensas e carismáticas, anti-heróis que realizam às avessas o sonho americano. Vamos ver o que vem em seguida.
Como produto de mercado, as características da cultura e da estética indie se transformam em fórmulas e cacoetes. Estas fórmulas e cacoetes são trabalhados meticulosamente não como expressão artística, mas como estratégia de marketing que visa a melhor aceitação do produto. Muitas vezes, jornalistas, críticos e o próprio público-alvo são “trabalhados” previamente para que se crie neles – e eles criem em outros – uma expectativa, até mesmo uma ansiedade pelo produto prestes a ser lançado; esta ansiedade poderá contribuir muito positivamente para a recepção do produto. É o que chamamos de hype.
Agora, por que estou eu falando dessas coisas? Para acusar Juno de um bem sucedido golpe publicitário? Não. Meu desejo, do fundo do coração, é questionar a natureza e a razão deste filme. A dúvida cruel que me aflige é: seria Juno indie, mesmo se não existisse o mercado indie? Ou será que Juno não passa de um “hype” muito bem tramado? A nova obra de Jason Reitman é autêntica ou não? Melhor ainda: em que medida ela é autêntica? Pois há tantos elementos no filme que nos fazem acreditar que ela o seja, quanto há os que nos fazem duvidar e torcer o nariz.
O caso de Juno me lembra bastante o da banda de rock The White Stripes. Todos os elementos do grupo de Meg e Jack White – e não só os musicais, mas também a “atitude”, o figurino, o visual dos shows, dos videoclipes e das capas dos discos – contribuem e confluem para a criação de uma identidade visual única e bem marcante, quase como se fosse... uma marca! Um produto bem chamativo à venda nos supermercados da cultura... É claro que tudo o que eu digo são apenas especulações, difíceis de serem conferidas e comprovadas. Mas a dúvida surge e fica.
Talvez a coisa seja e não seja ao mesmo tempo, e propositalmente. Graças a um manejo muito engenhoso de uma profunda e rica ambigüidade (dialética até), coisas como os White Stripes e Juno seriam obras autenticamente artísticas que se disfarçam de produtos de mercado para comentar e criticar esses mesmos produtos – ou simplesmente para carregarem mais livremente a suas próprias idéias originais –, aproveitando-se do processo mercadológico para se difundirem melhor a si mesmas. É uma campanha de marketing, um golpe publicitário, mas também é mais do que isso; e por uma causa nobre. Eis a Pop Art.
De qualquer maneira, como alguns discos ou bandas de rock, Juno é um filme conceitual. Todos os seus elementos (todos mesmo), desde o design dos créditos e da abertura, passando pela fotografia (com uma composição quase musical entre os elementos do quadro, incluindo o rico trabalho com cores vivas), pela montagem (com um ritmo também musical, lembrando um videoclipe do REM ou do Belle and Sebastian) e pela trilha sonora (recheada de indie rock, é claro), chegando na atuação repleta de “atitude” e de mil e um trejeitos da protagonista (vivida pela promissora Ellen Page) e de outros personagens (todos carismáticos e deliciosamente disfuncionais), tudo neste filme ajuda na criação de uma identidade perfeitamente coesa, coerente e sobretudo simpática.
Identidade que é destacada do começo ao fim da projeção como se fosse um caso de auto-afirmação. Ou seja, como se o filme fosse em si tão adolescente quanto os personagens que o animam. Esta é uma coerência que o recente Paranoid Park de Van Sant não tem (coisa que eu critiquei quando escrevi sobre ele). Apesar das óbvias diferenças na história e nos personagens, o discurso audiovisual de Jason Reitman neste filme está mais “colado” ao seu assunto do que o de Gus Van Sant em relação ao dele. Isto faz com que Juno seja mais simpático e agradável de se ver do que Paranoid Park. Mas não quer dizer que seja um filme “melhor”.
De qualquer modo, Juno é como um disco do Belle and Sebastian (banda escocesa paradigma do indie rock), que aliás faz parte da trilha sonora, inclusive no que toca à sensibilidade. O roteiro, escrito pela ex-stripper Diablo Cody (que ganhou um Oscar por ele), daria perfeitamente uma letra para alguma canção da banda de Stuart Murdoch. Juno é poser como os típicos freqüentadores das baladas indie daqui de São Paulo, o que pode ser bom ou mal, dependendo do gosto e da opinião que o espectador tenha em relação a posers, e a posers indie, especificamente. Na medida em que for um produto da pequena grande indústria do “alternativo”, as fórmulas e cacoetes de Juno podem agradar àqueles que os apreciam, mas é importante lembrar que não passariam de fórmulas e cacoetes, da mesma família (embora não do mesmo gênero) que as fórmulas e cacoetes dos filmes de Michael Bay, por exemplo.
A história de Juno gira em torno das quatro estações de um ano, que nos países de clima temperado possuem características bem próprias e trazem cores bem diferentes para a paisagem. Estas quatro estações mudarão consideravelmente as cores da vida e da pessoa de Juno McGuff (Ellen Page), uma adolescente que engravida acidentalmente durante o outono. Até as portas do verão seguinte (quando nascerá o bebê), Juno passará por grandes transformações e mudará as pessoas ao seu redor – justamente como a natureza atingida pelos efeitos das estações. Após cogitar muito brevemente o aborto, ela decidirá desde cedo dar o bebê para a adoção.
Para tanto, ela escolhe um casal muito gente fina, bem-sucedido, cujo maior desejo é ter filhos, mas que até então não os conseguiu: Mark (Jason Bateman, o Michael Bluth da série “Arrested Development”) e Vanessa Loring (Jeniffer Garner). O processo de adoção não ocorrerá sem os seus percalços, mas, no final, o caráter sazonal associado à narrativa provará ser bem significativo. A vida é um ciclo. Eis a sua beleza e sentido. O interessante também é que Juno é um filme de personagem, como o próprio título o atesta. A personagem de Ellen Page é quase como uma Capitu: menina-mulher forte, decidida, com uma inteligência maliciosa e sarcástica, manifesta em atitudes sempre indubitavelmente pragmáticas.
Em vários aspectos, Juno é mais madura do que os adultos que a rodeiam: o pai, a mãe ausente, a madrasta, os Loring. Tanto que ela dá lições claras de maturidade e todos eles. Contudo, uma maturidade tamanha só poderia estar ligada a uma ingenuidade também muito grande. Quero dizer, somente com uma certa dose de ingenuidade, inexperiência ou ignorância que podemos tomar certas atitudes com tanta segurança e rapidez. Desta forma, a pureza de Juno faz com que ela seja mais adulta do que os adultos que, perdendo tal pureza, passam a cometer erros “infantis”.
Mark Loring é o típico “kidult” norte-americano: entre os seus “late thirdies” e “early fourthies”, mas que ainda não viveu, processou e superou muitas experiências e mentalidades adolescentes. Não é à toa que vai rolar uma forte identificação entre ele e Juno. E o fato de Mark ser fanático pelo rock dos anos 90, enquanto Juno defende os clássicos da década de 70, também é bastante bizarro e significativo. Aliás, quase chorei ao ver no filme o raro álbum “If I were a Carpenter”, tributo aos Carpenters feito nos anos 90 por bandas do rock alternativo. É um dos discos que fizeram a minha adolescência! Pena que pouca gente conhece (não é o caso de Jason Reitman)...
É importante lembrar também que Juno (Hera, na versão grega), esposa de Júpiter (Zeus, entre os gregos), é a “femme-fatale” da mitologia greco-romana. Esta referência é explicada pela própria personagem de Page. Mas a jovem Juno é maquiavélica e altruísta ao mesmo tempo: a solução que ela encontra para a “desgraça” da sua gravidez será a “graça divina” para outras e necessitadas pessoas. Isto é que é estar dentro do melhor espírito do “fazer das tripas coração”. E ela acredita na humanidade (mas não sem abalos de fé) e no amor. Personagem forte e polêmica, contraditória mas sempre vencedora, Juno lembra muito o protagonista de Obrigado Por Fumar (2006), filme anterior e estréia na direção de Jason Reitman. Interpretado intensamente por Aaron Eckhart, Nick Naylor e Juno são pessoas intensas e carismáticas, anti-heróis que realizam às avessas o sonho americano. Vamos ver o que vem em seguida.
3 comentários:
Então... não sei se passaria no cinema moço pois é um filme de qualidade realmente duvidavel, no sentido "imagem"... sabe filme pornô? que tem aquela imagem q parece VHS? Pois é... a grande sacada é o roteiro e é ele que o salva... te aconselho a procurar... sabe... pela net ;)
Abraço!
Pelo que entendi há um pé atrás em relção ao filme por parte do André. Não por ele em si, mas pela intenção de seus realizadores. Bem, eu gostei bastante do filme, mas muita gente ficou com a mesma idéia do André. Veremos, pois tb tenho minhas expectativas.
http://blogcinefilia.zip.net
Veja sem preconceitos ou pré-conceitos, Vinícius. "Juno" é um filme que vale a pena, mas algumas ressalvas e dúvidas sempre precisam ser feitas...
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