Gus Van Sant é um cineasta estiloso. Não digo estilístico, apenas “estiloso” mesmo. A fotografia milimetricamente calculada, aproveitando bastante a profundidade de campo, e a montagem em planos muito, muito longos, imprimindo um ritmo pra lá de lento, são os principais cacoetes da técnica do diretor que ousou fazer um “remake” (parecido demais com o original) de Psicose (1998). Vendo os filmes de Van Sant, particularmente este mais recente Last Days (EUA, 2005), entendemos que essas marcas de estilo – que por si só, em princípio, já chamam muito a atenção – são usadas para mostrar e imprimir (quase que literalmente) em nossos olhos e na memória aquilo que foi captado pela câmera. Para Van Sant, o conteúdo da imagem é colocado no mais alto pedestal. O estilo do cineasta chama a atenção porque mostra o que ele quer mostrar de maneira excessiva, até o esgotamento, cansando o espectador.
Porém, antes que alguém já pense em aproximar o diretor de Elephant (2003) do Neo-Realismo italiano, ou da estética minimalista e meditativa de Andrei Tarkovski ou do cinema iraniano, façamos uma ressalva: falta a Gus Van Sant o olhar humanista, condescendente, subjetivamente próximo do objeto focalizado. Gênio Indomável (“Good Will Hunting”, 1997)) pode até ser um filme mais meigo, mas com certeza não é o caso de Last Days. A pseudo / quase-biografia de Kurt Cobain é uma visão excessivamente distanciada (a própria fotografia atesta isso em muitas cenas focadas no decadente Blake, o astro “clichê” do rock, particularmente na seqüência inicial). O olhar de Van Sant sobre um ídolo do rock está nos antípodas do olhar de Oliver Stone em The Doors (1991), sobre Jim Morrison. É claro que Morrison e Cobain são figuras absolutamente diferentes, pertencentes a contextos muito diferentes; e é claro também que Van Sant não precisaria ser tão elegíaco quanto Stone, mas a frieza aqui chega perigosamente perto de uma reificação do indivíduo humano. Tal reificação, usada para quem sabe criticar o star system do Rock And Roll, acaba equivalendo-se a esse mesmo “sistema”. É impressão minha ou eu senti até mesmo um tom escarnecedor na cena em que as autoridades retiram o corpo de Blake? (especialmente no uso da trilha sonora). Outro momento escarninho: a câmera fixa na TV que mostra um vídeo-clipe de R&B enquanto Blake fica “fritando”...
O distanciamento do olhar de Van Sant, por um lado, traz liberdade ao nosso próprio olhar e julgamento, mas, numa perspectiva tão ampla, numa profundidade de campo tão larga, a figura humana reduz-se a apenas mais um elemento do cenário. Não concordo com isso. Last Days teria muito a ganhar se fosse apenas um pouco mais próximo (inclusive no uso de primeiros planos) e subjetivo. Num plano médio, o elemento humano mantém a sua importância e ainda somos capazes de perceber a sua relação com o meio. De qualquer maneira, Last Days está graças a Deus longe daquela elegia descarada e condescendente demais que infesta os filmes-biografias de astros e estrelas da indústria cultural.
Porém, antes que alguém já pense em aproximar o diretor de Elephant (2003) do Neo-Realismo italiano, ou da estética minimalista e meditativa de Andrei Tarkovski ou do cinema iraniano, façamos uma ressalva: falta a Gus Van Sant o olhar humanista, condescendente, subjetivamente próximo do objeto focalizado. Gênio Indomável (“Good Will Hunting”, 1997)) pode até ser um filme mais meigo, mas com certeza não é o caso de Last Days. A pseudo / quase-biografia de Kurt Cobain é uma visão excessivamente distanciada (a própria fotografia atesta isso em muitas cenas focadas no decadente Blake, o astro “clichê” do rock, particularmente na seqüência inicial). O olhar de Van Sant sobre um ídolo do rock está nos antípodas do olhar de Oliver Stone em The Doors (1991), sobre Jim Morrison. É claro que Morrison e Cobain são figuras absolutamente diferentes, pertencentes a contextos muito diferentes; e é claro também que Van Sant não precisaria ser tão elegíaco quanto Stone, mas a frieza aqui chega perigosamente perto de uma reificação do indivíduo humano. Tal reificação, usada para quem sabe criticar o star system do Rock And Roll, acaba equivalendo-se a esse mesmo “sistema”. É impressão minha ou eu senti até mesmo um tom escarnecedor na cena em que as autoridades retiram o corpo de Blake? (especialmente no uso da trilha sonora). Outro momento escarninho: a câmera fixa na TV que mostra um vídeo-clipe de R&B enquanto Blake fica “fritando”...
O distanciamento do olhar de Van Sant, por um lado, traz liberdade ao nosso próprio olhar e julgamento, mas, numa perspectiva tão ampla, numa profundidade de campo tão larga, a figura humana reduz-se a apenas mais um elemento do cenário. Não concordo com isso. Last Days teria muito a ganhar se fosse apenas um pouco mais próximo (inclusive no uso de primeiros planos) e subjetivo. Num plano médio, o elemento humano mantém a sua importância e ainda somos capazes de perceber a sua relação com o meio. De qualquer maneira, Last Days está graças a Deus longe daquela elegia descarada e condescendente demais que infesta os filmes-biografias de astros e estrelas da indústria cultural.
Apesar de tudo, a solução estética de Van Sant não é desprovida de pertinência. É significativo o contraste entre a câmera sóbria e serena que acompanha Blake e o caráter insólito e errático dos seus últimos dias. Percebemos com outros olhos o absurdo daquele personagem e da sua vida. Sem apresentar qualquer elemento de fantástico, o filme nos envolve na atmosfera do irremediavelmente insano, do incondicionalmente irracional, numa claustrofobia psíquica asfixiante e sem saída, quase como nos filmes “surreais” de David Lynch. Torna-se esteticamente bela uma existência vazia, bagunçada e destruída das piores maneiras possíveis, totalmente em ruínas, captada e transmitida melancolicamente por um filme monótono e lento.
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