Clint Eastwood é o artista mais clássico do cinema contemporâneo. O rigor e a sobriedade formais com que ele nos apresenta os seus filmes remetem à disciplina de um quadro do Renascimento; junto disso, os temas e mensagens veiculadas são tão antigos e universais quanto a própria cultura humana. Clint Eastwood sempre toma as circunstâncias mais particulares (a Segunda Guerra Mundial, o universo do boxe, o “far-west”) para arrancar delas o máximo de pertinência humana, que transcende qualquer tempo e lugar. Os filmes de Eastwood podem muito bem ser estudados como documentos, mas o cineasta vai bem além do documental. Tomemos aqui o caso particular de Os Imperdoáveis (“Unforgiven”, EUA, 1992). Os maiores westerns já produzidos pelo cinema não ficam apenas na discussão das questões particulares da ocupação do oeste americano. Eles ascendem à esfera do mito (personagens e situações míticas), carregado de significado arquetípico. Os grandes “faroestes” são parábolas em que o vazio e a amplidão do espaço diegético (o lugar em que se passa a narrativa fílmica) sugerem a abrangência universal dos conteúdos (o Monumental Valley, imortalizado nos filmes de John Ford, possui uma força poética e sugestiva que vai além de qualquer descrição em palavras); as estórias poderiam acontecer em qualquer lugar ou época, com quaisquer pessoas (já citei o aforismo do nosso Guimarães Rosa: “O sertão é do tamanho do mundo”). Essa dimensão é o melhor dos filmes de “bangue-bangue”. Basta lembrarmos de No Tempo das Diligências, Rastros de Ódio, Sete Homens e um Destino, Duelo de Titãs, Matar ou Morrer, Era Uma Vez no Oeste... Façamos a conexão entre essas obras e as velhas novelas de cavalaria medievais, a literatura sertaneja de Guimarães Rosa (particularmente o romance Grande Sertão: Veredas), os filmes de samurai de Akira Kurosawa, e teremos uma idéia do verdadeiro cosmo de mitos universais que povoam culturas das mais diferentes. As maiores fitas de “bangue-bangue” são carregadas de épico e de lírico misturados e elevados a uma potência que só encontramos nos maiores clássicos da Literatura.
Em Os Imperdoáveis, Clint Eastwood, mais do que com o épico e com o lírico, vai trabalhar com o terceiro gênero fundamental da Literatura Clássica: o dramático. Este filme – assim como outros do diretor: Sobre Meninos e Lobos (“Mystic River, EUA, 2003), por exemplo – constrói-se como uma tragédia grega clássica: temos aí o indivíduo que se vê preso em uma teia cada vez mais elaborada de acontecimentos cruéis, de uma tal forma que parece (é o que queremos acreditar) ser ação de forças superiores (o destino ou os deuses caprichosos); não obstante, trata-se apenas das conseqüências de suas próprias atitudes. Assim sendo, esse sujeito deve superar o próprio karma para consolidar a mudança de vida e a redenção por pecados passados (ainda que tal redenção seja apenas psicológica, pois o que mais importa às vezes é o indivíduo perdoar-se a si mesmo). Eis o caso do personagem de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis – e também em Menina de Ouro (“Million Dollar Baby”, EUA, 2004). Além disso, o filme apresenta de interessante o fato paradoxal de que, para se reabilitar perante si próprio, o ex-pistoleiro tem que voltar a pecar. Alguém aí se lembra de A Hora e Vez de Augusto Matraga, magnífico conto de Guimarães Rosa? Frankie Dunn aceita pegar em armas mais uma (última) vez, com a meta de fazer justiça a outro (vingar a prostituta) e a si mesmo (ganhar a recompensa financeira). Entretanto, o desenrolar dos acontecimentos (eis o aspecto trágico) leva-o a perder a objetividade de suas ações, assim como o equilíbrio tão duramente conquistado ao abandonar a vida do crime; Frankie acaba cometendo atos realmente cruéis; em seu âmago, ele volta a ser e a sentir coisas que acreditava superadas, mas cuja lembrança ainda o atormentava.
Com isso, chegamos à mistura entre Classicismo e Romantismo que a fita (e outras do cineasta) promove. É do Romantismo essa demanda subjetiva e os tormentos psíquicos que explicamos, são românticas as questões de honra (a dignidade das prostitutas), amor (lembre-se que era a falecida esposa de Eastwood que o tinha salvado da vida bandida) e lealdade (o amigo Morgan Freeman) que também definem outros grandes westerns. No plano formal, temos a decupagem clássica – simples e objetiva – junto de um tom melancólico trazido pelos rostos e pela trilha sonora; porém, tudo com muita sobriedade. Um Romantismo sóbrio. Ou um Classicismo ébrio.
Em Os Imperdoáveis, Clint Eastwood, mais do que com o épico e com o lírico, vai trabalhar com o terceiro gênero fundamental da Literatura Clássica: o dramático. Este filme – assim como outros do diretor: Sobre Meninos e Lobos (“Mystic River, EUA, 2003), por exemplo – constrói-se como uma tragédia grega clássica: temos aí o indivíduo que se vê preso em uma teia cada vez mais elaborada de acontecimentos cruéis, de uma tal forma que parece (é o que queremos acreditar) ser ação de forças superiores (o destino ou os deuses caprichosos); não obstante, trata-se apenas das conseqüências de suas próprias atitudes. Assim sendo, esse sujeito deve superar o próprio karma para consolidar a mudança de vida e a redenção por pecados passados (ainda que tal redenção seja apenas psicológica, pois o que mais importa às vezes é o indivíduo perdoar-se a si mesmo). Eis o caso do personagem de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis – e também em Menina de Ouro (“Million Dollar Baby”, EUA, 2004). Além disso, o filme apresenta de interessante o fato paradoxal de que, para se reabilitar perante si próprio, o ex-pistoleiro tem que voltar a pecar. Alguém aí se lembra de A Hora e Vez de Augusto Matraga, magnífico conto de Guimarães Rosa? Frankie Dunn aceita pegar em armas mais uma (última) vez, com a meta de fazer justiça a outro (vingar a prostituta) e a si mesmo (ganhar a recompensa financeira). Entretanto, o desenrolar dos acontecimentos (eis o aspecto trágico) leva-o a perder a objetividade de suas ações, assim como o equilíbrio tão duramente conquistado ao abandonar a vida do crime; Frankie acaba cometendo atos realmente cruéis; em seu âmago, ele volta a ser e a sentir coisas que acreditava superadas, mas cuja lembrança ainda o atormentava.
Com isso, chegamos à mistura entre Classicismo e Romantismo que a fita (e outras do cineasta) promove. É do Romantismo essa demanda subjetiva e os tormentos psíquicos que explicamos, são românticas as questões de honra (a dignidade das prostitutas), amor (lembre-se que era a falecida esposa de Eastwood que o tinha salvado da vida bandida) e lealdade (o amigo Morgan Freeman) que também definem outros grandes westerns. No plano formal, temos a decupagem clássica – simples e objetiva – junto de um tom melancólico trazido pelos rostos e pela trilha sonora; porém, tudo com muita sobriedade. Um Romantismo sóbrio. Ou um Classicismo ébrio.
Eis a hora e vez de Clint Eastwood.
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