segunda-feira, novembro 01, 2010

Air Doll


Mais uma da 34ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

A abertura deste filme faz lembrar, imediatamente, A Garota Ideal (“Lars And The Real Girl”, 2007, de Craig Gillespie). Temos um diálogo dos mais banais entre o casal sentado à mesa de jantar. A decupagem também é a mais cotidiana: um jogo simples de campo e contracampo. Porém, a mulher é uma boneca inflável. Para além do choque desta revelação, causa um estranhamento de grande efeito estético a maneira prosaica de representar o inusitado – o que só faz com que este pareça ainda mais absurdo.

Esvazie o inesperado do seu caráter de surpresa, mostre o peculiar no seio do típico, contamine o normal de uma gota de anormal; eis a fórmula de muitas formas de poesia. Não obstante, Air Doll (“Kûki Ningyô”, Japão, 2009, dir.: Hirokazu Koreeda) tomará rumos bem distintos de sua “prima” norte-americana. Ao invés de investigar as causas e consequências da vida solitária de um homem que resolve namorar uma boneca sexual, a narrativa do japonês mergulhará a fundo na vida e na “alma” da própria criatura de plástico.

Para tanto, logicamente, Koreeda (bem prestigiado por Depois da Vida – “Wandafuru Raifu”, 1998; e Ninguém Pode Saber – “Dare Mo Shiranai”, 2004) fará o filme se vestir de trajes fantásticos, que serão trabalhados dentro de uma chave alegórica bela e pertinente, porém, um tanto quanto simplista. A beleza se encontra em cenas como aquela na qual a boneca (batizada de Nozomi) estranha a sombra translúcida do seu corpo cheio de ar, ao lado da sombra perfeitamente opaca do homem pelo qual está apaixonada (que não é o seu dono, mas um atendente de video-locadora).

Ou a cena em que ela tenta descobrir em que parte do corpo do seu amado se encontra o “bico de ar” dele – para grande prejuízo do próprio. Quanto às mensagens veiculadas, o filme é uma fábula que não economiza tons emotivos e enfáticos para discutir o “vazio” interior das pessoas nas grandes cidades; o ar-sopro que preenche tanto Nozomi quanto a todos nós, representa o espírito de amor, de humanidade, etc; a solidão inviolável, dentre outros temas.

Nisto, as andanças de Nozomi pela cidade lembram as perambulações dos anjos de Wim Wenders, em Asas do Desejo (“Wings of Desire”, 1987), ambas retratadas com lirismo bem franco. Entretanto, o cineasta alemão é mais denso na apresentação e desenvolvimento dos seus temas, sem contar que o tom do filme, apesar de enfático, não chega nunca a se tornar cansativo. O mesmo já não se pode dizer de Air Doll, cujas intenções acabam sobressaindo-se aos resultados, tendo em vista o conjunto.

As questões existenciais colocadas, apesar de bem interessantes (como dissemos), não logram uma efabulação e discussão que vão muito além de uma forma apenas um pouco mais sofisticada de auto-ajuda – a fábula é contemporânea também, infelizmente, no que diz respeito à sua construção. O diretor carrega demais na emoção, naquela trilha sonora que orienta pela mão, o tempo todo, a reação emocional do espectador. Sem contar que praticamente todos os planos deste filme apresentam um leve travelling lateral de câmera, mesmo quando o assunto do quadro está completamente parado.

Este último – e irritante – recurso me faz acreditar que Koreeda tenta ser, para o cinema lírico, o que Michael Bay tenta ser para o épico. De qualquer maneira, os problemas de Air Doll não estão na raiz, mas nos galhos – digamos assim. Como proposta poética e sócio-filosófica dotada de grande sensibilidade, este filme vale o investimento. De resto, outros cineastas humanistas poderiam ensinar a Koreeda um pouco mais de ambiguidade, de meios-tons e um pouco menos de condescendência (cito o próprio Wenders e aqueles que ele elogiou no final de Asas do Desejo: Truffaut, Tarkovski e Ozu).

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