A estética “noir” é uma das mais complexas do Cinema. E também é uma estética altamente apaixonada. Na forma e no conteúdo, o filme “noir” golpeia o espectador com um violento choque de idéias, de emoções e de diferentes experiências sensoriais – tudo dentro do signo da oposição, da antítese. Na forma: o intenso contraste visual entre o claro e o escuro (o “chiaroscuro”); o enquadramento em ângulos inusitados (muitas vezes oblíquos), muitas vezes subjetivos (o que revela o foco predominantemente psicológico desses filmes), além da “intermediação” entre a câmera e o seu foco por espelhos, vidraças translúcidas; o uso de lentes grande-angulares; a sobreposição de imagens, etc. No conteúdo: personagens moralmente ambíguos e misteriosos, principalmente a figura da mulher (a famosa “femme-fatale”); um desenlace dos acontecimentos também dúbio e questionável; a ênfase no crime, no contexto policial e investigativo; o sujeito (ou sujeitos) completamente e cada vez mais desorientado em um mundo opressor cujos segredos mais profundos ele luta (muito em vão) para compreender, etc.
É claro que nem todos os filmes que podem ser mais ou menos enquadrados no gênero ou estilo “noir” possuem todas essas características juntas. O importante é reconhecermos que a divisão da arte em gêneros deve ser sempre feita com bastante maleabilidade e generosidade – mas sem abandonar totalmente quaisquer critérios, é lógico. Uma tarefa sempre mais segura na hora de entendermos um gênero e acompanharmos o seu devir futuro é rastrearmos a sua gênese – ou as suas gêneses, pois geralmente têm-se muitas e diversificadas. Quanto ao filme “noir”, partimos das histórias sub-literárias de detetives da Grande Depressão e passamos pelos filmes de terror da mesma época, pelo cinema do Expressionismo alemão (parada importante esta), pelos romances realistas e naturalistas do século XIX que estudam as profundezas mais podres do ser humano e do mundo, pelo espírito do egocentrismo “gótico”, tenebroso e satânico do Ultra-Romantismo, e chegamos finalmente no universo do Barroco do século XVII.
Eis a origem mais remota do Cinema “Noir”. Ele é a grande atualização do espírito dilacerado do homem da Contra-Reforma. O que não é de se surpreender, pois podemos considerar aquela época como a do doloroso nascimento do “eu” moderno. E hoje (século XX), fala-se muito na dissolução desse mesmo “eu”. Basta vermos com atenção “Seven, Os Sete Crimes Capitais” (1995), de David Fincher, para percebermos claramente os resultados mais recentes e trágicos do processo iniciado com o que se convencionou chamar, em História, de Era Moderna. As relações que mais clamam a serem feitas, tomando-se o cinema de Fincher, não são nem tanto com o “noir”, mas com o próprio barroco em si. Não é à toa que, numa cena-chave do filme, o personagem de Morgan Freeman põe a tocar num aparelho de som (ou seja, temos aqui uma magnífica trilha sonora diegética) a fortíssima “Suíte n. 3: Ária”, de J. Sebastian Bach.
No fundo, o Cinema “Noir” trabalha com a dicotomia mais essencial entre condenação (escuro) e redenção (claro), de um modo mais do que psicológico, chegando às raias do metafísico. E arte do barroco clássico é fundamentalmente religiosa. Entretanto, não podemos nos esquecer de que os filmes “noir” são também frutos de sua própria era; assim, muitas vezes, no jogo entre perder-se ou salvar-se, não ocorre nenhuma dessas coisas, ou ocorrem ambas a um só tempo. A Era Contemporânea, ou Pós-Moderna, é a era por excelência das ambigüidades e das relatividades (o relativismo cultural de valores e de pontos de vista). Resumindo, há uma linha de identificação (casual? causal?) entre o “Noir”, o Expressionismo, o Romantismo e o Barroco.
Um fato curioso é que a definição de “filme noir” nasceu entre críticos de cinema na análise de obras que apenas coincidentemente se identificavam. Os diretores dos filmes “noir” clássicos não sabiam que estavam fazendo uma coisa chamada “cinema noir”, nem pretendiam tanto. A mesma coisa aconteceu com a arte barroca. Ela aconteceu muito espontaneamente ao longo do século XVII; o termo “barroco” (e suas conseqüentes aplicações) somente será cunhado por críticos e historiadores de arte do século XIX. Agora, é claro que, hoje em dia, muita gente faz filme “noir” sabendo e pretendendo fazer filme “noir” – o que, em alguns casos, é um problema grave: basta ver “O Homem Que Não Estava Lá” dos irmãos Coen, ou “Sin City” de Robert Rodriguez e Frank Miller. Mas isso já é uma outra história.
É claro que nem todos os filmes que podem ser mais ou menos enquadrados no gênero ou estilo “noir” possuem todas essas características juntas. O importante é reconhecermos que a divisão da arte em gêneros deve ser sempre feita com bastante maleabilidade e generosidade – mas sem abandonar totalmente quaisquer critérios, é lógico. Uma tarefa sempre mais segura na hora de entendermos um gênero e acompanharmos o seu devir futuro é rastrearmos a sua gênese – ou as suas gêneses, pois geralmente têm-se muitas e diversificadas. Quanto ao filme “noir”, partimos das histórias sub-literárias de detetives da Grande Depressão e passamos pelos filmes de terror da mesma época, pelo cinema do Expressionismo alemão (parada importante esta), pelos romances realistas e naturalistas do século XIX que estudam as profundezas mais podres do ser humano e do mundo, pelo espírito do egocentrismo “gótico”, tenebroso e satânico do Ultra-Romantismo, e chegamos finalmente no universo do Barroco do século XVII.
Eis a origem mais remota do Cinema “Noir”. Ele é a grande atualização do espírito dilacerado do homem da Contra-Reforma. O que não é de se surpreender, pois podemos considerar aquela época como a do doloroso nascimento do “eu” moderno. E hoje (século XX), fala-se muito na dissolução desse mesmo “eu”. Basta vermos com atenção “Seven, Os Sete Crimes Capitais” (1995), de David Fincher, para percebermos claramente os resultados mais recentes e trágicos do processo iniciado com o que se convencionou chamar, em História, de Era Moderna. As relações que mais clamam a serem feitas, tomando-se o cinema de Fincher, não são nem tanto com o “noir”, mas com o próprio barroco em si. Não é à toa que, numa cena-chave do filme, o personagem de Morgan Freeman põe a tocar num aparelho de som (ou seja, temos aqui uma magnífica trilha sonora diegética) a fortíssima “Suíte n. 3: Ária”, de J. Sebastian Bach.
No fundo, o Cinema “Noir” trabalha com a dicotomia mais essencial entre condenação (escuro) e redenção (claro), de um modo mais do que psicológico, chegando às raias do metafísico. E arte do barroco clássico é fundamentalmente religiosa. Entretanto, não podemos nos esquecer de que os filmes “noir” são também frutos de sua própria era; assim, muitas vezes, no jogo entre perder-se ou salvar-se, não ocorre nenhuma dessas coisas, ou ocorrem ambas a um só tempo. A Era Contemporânea, ou Pós-Moderna, é a era por excelência das ambigüidades e das relatividades (o relativismo cultural de valores e de pontos de vista). Resumindo, há uma linha de identificação (casual? causal?) entre o “Noir”, o Expressionismo, o Romantismo e o Barroco.
Um fato curioso é que a definição de “filme noir” nasceu entre críticos de cinema na análise de obras que apenas coincidentemente se identificavam. Os diretores dos filmes “noir” clássicos não sabiam que estavam fazendo uma coisa chamada “cinema noir”, nem pretendiam tanto. A mesma coisa aconteceu com a arte barroca. Ela aconteceu muito espontaneamente ao longo do século XVII; o termo “barroco” (e suas conseqüentes aplicações) somente será cunhado por críticos e historiadores de arte do século XIX. Agora, é claro que, hoje em dia, muita gente faz filme “noir” sabendo e pretendendo fazer filme “noir” – o que, em alguns casos, é um problema grave: basta ver “O Homem Que Não Estava Lá” dos irmãos Coen, ou “Sin City” de Robert Rodriguez e Frank Miller. Mas isso já é uma outra história.
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