sexta-feira, janeiro 16, 2009

Ouro e Maldição


Paulo Emílio Sales Gomes define a figura de Erich von Stroheim como um amálgama entre o homem, o criador e o personagem. Toda a mitologia em cima deste verdadeiro “character” do cinema deve-se principalmente à mídia publicitária da antiga Hollywood. Não obstante, o próprio homem muito alimentou a “persona” criada – pelo menos, não lutou contra ela. É devido a Stroheim que se criou o bordão que hoje se tornou folclórico: “The man you love to hate” (O homem que vocês amam odiar). Tal alcunha foi despertada pelos vilões interpretados por Stroheim em filmes de D. W. Griffith sobre a primeira guerra mundial. Aliás, a figura em questão foi assistente de Griffith também em Intolerância (1916).

Ainda de acordo com Paulo Emílio, a linha de conexão entre o homem, o criador cinematográfico e os personagens interpretados por Stroheim é a crueldade. Este aspecto tão peculiar do comportamento humano fez com que André Bazin incluísse o cineasta austríaco no famoso estudo “O Cinema da Crueldade” (esgotadíssimo no Brasil). Pois é tal crueldade que define magnificamente a natureza de um filme como Ouro e Maldição (“Greed”, EUA, 1924). Crueldade que é causa, efeito e modo de se expressar uma tragédia feita de dinheiro, erotismo e pessimiso: três coisas que, para Paulo Emílio, englobam toda a obra do diretor.

Ouro e Maldição é a adaptação do romance “Mac Teague”, de Frank Norris, escritor norte-americano ligado ao estilo de Émile Zola. E é aquele velho Naturalismo que mais testemunhamos nessa narrativa: a inalienável força da hereditariedade, o poder teriomórfico dos instintos (principalmente no que se refere aos impulsos do sexo e da violência, dentre outros elementos meigos da natureza humana), as precárias condições de vida das classes mais baixas – reveladas no modo da denúncia de um ultra-realismo. Neste último aspecto, Stroheim notabiliza-se pela preferência em filmar fora dos estúdios: captando o burburinho da vida cotidiana na cidade de São Francisco tanto quanto o inóspito do Death Valley, no deserto Mojave – também na Califórnia.



O espírito de Stroheim (seu temperamento, filosofia, visão de mundo artística) casa-se muito bem com todo o universo descrito acima. E, sendo um artista com talento exemplar, seu Naturalismo sai em boa parte maduro e equilibrado, bem diferente – é claro – do naturalismo garoto-enxaqueca do nosso Claúdio Assis, ou do naturalismo publicitário-mauricinho de Fernando Meireles. O que “Greed” terá de ingênuo ou envelhecido hoje em dia se deverá antes a idiossincrasias questionáveis da própria literatura e da mentalidade positivistas (muito em voga até então), ou a aspectos típicos das grandes produções do velho cinema mudo.

Como exemplo deste último fator, é deliciosamente ingênua a ênfase com que o diretor apresenta e fixa a imagem do gato de olho na gaiola com o casal de passarinhos pertencente a Mac Tiegue como metáfora visual para o invejoso Marcus, “de olho” na felicidade do casal Mac Tiegue e Trina. São uns cinco ou sei planos repetidos e reiterados até os limites da redundância, apelando para a montagem e até para a sobreposição de imagens. Tudo para que o espectador compreenda bem o que está acontecendo. No entanto, toda a sequência final no Death Valley faz inveja a qualquer filme contemporâneo, mantendo uma incrível vivacidade e força que toca as raias do símbolo (muito além da mera metáfora).

Marcus e Mac Tiegue, perdidos no meio de um deserto ao qual foram levados por sua própria ganância (greed) e do qual jamais retornarão vivos, e ainda assim lutando entre si por um punhado de moedas de ouro. Resume-se aí a tragédia humana. E não podemos nos esquecer das ironias, de um sutilíssimo humor negro, que aparecem só no final do filme. Os últimos 20 minutos desta obra valem mais do que boa parte da produção “audiovisual” de qualquer época – pensando em filmes inteiros. Enfim, a única coisa a talvez lamentar de verdade é a mutilação de Ouro e Maldição: o filme que temos compõe-se de apenas 10 das 42 bobinas originalmente rodadas e que incluíam mais duas narrativas em paralelo com a história de Mac Tiegue. Mas, faz parte.

2 comentários:

Denis Torres disse...

Olá colega André, estou criando um blog sobre cinema e gostaria de incluí-lo na minha lista de links. O endereço é http://thecinemaniaco.wordpress.com/. Depois me dê um retorno aprovando a inclusão de seu link e fazendo uma visita ao blog. Abs!

André Renato disse...

Já aprovei, camarada! Valeu!