O melhor da ficção científica não é a ciência em si, o patético fetiche positivista pelos “avanços” do conhecimento e da técnica. Na verdade, pouco importam os detalhes físicos, químicos ou de engenharia das maravilhosas fantasias em séries de TV, filmes, HQ’s ou livros; a suposta verossimilhança científica também está longe de trazer alguma contribuição para a arte ou entretenimento. Os fatores da ciência (suas conquistas ou tropeços) só interessarão na medida em que implicarem um efeito peculiar e significativo sobre o homem, assim como sobre as velhas e novas questões humanas – psicológicas, sociológicas ou filosóficas.
O melhor da ficção científica se investe de fábula ou parábola, de conteúdo sempre simbólico, mítico. O melhor da ficção científica veste as lentes de uma cosmovisão comparável somente à dos poetas e profetas antigos. Realismo mágico, narrativa fantástica, surrealismo, expressionismo, tudo são formas estéticas que devem sua existência e referência à figura humana, e somente à figura humana. A ficção científica, trate ela de utopias ou distopias, é o que mais se aproxima – na cultura pop – da função do profeta nas sociedades antigas, ou dos contadores de histórias. Enfim, emendo-me numa questão: o melhor da ficção científica é, pensando melhor, a ciência ou as ciências em si; mas as ciências humanas.
O Incrível Homem Que Encolheu (“The Incredible Shrinking Man”, EUA, 1957, dir.: Jack Arnold) é um filme empolgante e surpreendente, talvez não para quem já esteja acostumado com a science fiction dos anos 50, mas com certeza para quem baseia sua dieta na pouco protéica produção contemporânea de Hollywood. O roteiro é de Richard Matheson (o cara!), baseado num romance seu. Matheson é a mente doentia por trás de I Am Legend (adaptado três vezes para o cinema) e de vários episódios de Além da Imaginação (“Twilight Zone”), incluindo o magnífico “Nightmare at 20,000 feet” – já comentado neste Blog.
A história é a de Scott Carey, norte-americano médio, que, após ser exposto a uma espécie de nevoeiro (radioativo? extraterrestre? místico?) em alto-mar, começa lentamente a encolher de tamanho, até... desaparecer? Os efeitos especiais são ótimos, mesmo para os padrões de hoje em dia: as lutas épicas entre o protagonista e o gato da família, ou contra uma aranha do tamanho de um elefante são perfeitas; a fotografia em preto-e-branco, dando bastante destaque às incalculáveis diferenças de proporção e perspectiva, também é magistral. Mas o melhor deste filme será, logicamente, o conteúdo fabulístico. É uma história de mudança da visão de mundo de um indivíduo, com todos os resultados – traumáticos ou epifânicos – que seguirão daí.
Para sobreviver, Scott Carey precisará abandonar a visão – de si mesmo e das coisas – que tinha antes e adotar uma nova, mais adequada à sua nova condição. Eis o aprendizado moral, que se reveste de uma forte iluminação interior, apesar do sofrimento, das dificuldades e perdas que tudo isso implica, incluindo o abandono de qualquer esperança de ser “curado” e de voltar a ter uma vida normal junto de sua esposa. É neste ponto que o filme revelará sua grande coragem: a narrativa não faz concessões a um final “feliz” em que todas as mudanças se desfazem, se “corrigem”, ficando apenas a lembrança de tudo como se fosse um sonho bizarro, ou pesadelo.
Tudo neste filme tem uma consequência, e uma consequência sem retorno. Já era! Agora é bola pra frente e seja o que Deus quiser... Uma parte considerável da produção contemporânea de Hollywood parece desprovida desse tão básico senso de responsabilidade, de causa e efeito. São filmes totalmente inconsequentes, nos quais o herói, depois de aprender a lidar com os traumas que as mudanças da vida lhe oferecem, acaba sendo recompensado com alguma espécie de grande prêmio: amor, riqueza, ou o retorno – mais ou menos miraculoso – ao velho estado de coisas antes da tempestade. Na fita de Matheson, não há nenhuma dessas bobagens. A única premiação de Scott Carey é a sua própria consciência, uma consciência que nenhum homem antes dele jamais teve.
Quer final mais feliz do que esse?
O melhor da ficção científica se investe de fábula ou parábola, de conteúdo sempre simbólico, mítico. O melhor da ficção científica veste as lentes de uma cosmovisão comparável somente à dos poetas e profetas antigos. Realismo mágico, narrativa fantástica, surrealismo, expressionismo, tudo são formas estéticas que devem sua existência e referência à figura humana, e somente à figura humana. A ficção científica, trate ela de utopias ou distopias, é o que mais se aproxima – na cultura pop – da função do profeta nas sociedades antigas, ou dos contadores de histórias. Enfim, emendo-me numa questão: o melhor da ficção científica é, pensando melhor, a ciência ou as ciências em si; mas as ciências humanas.
O Incrível Homem Que Encolheu (“The Incredible Shrinking Man”, EUA, 1957, dir.: Jack Arnold) é um filme empolgante e surpreendente, talvez não para quem já esteja acostumado com a science fiction dos anos 50, mas com certeza para quem baseia sua dieta na pouco protéica produção contemporânea de Hollywood. O roteiro é de Richard Matheson (o cara!), baseado num romance seu. Matheson é a mente doentia por trás de I Am Legend (adaptado três vezes para o cinema) e de vários episódios de Além da Imaginação (“Twilight Zone”), incluindo o magnífico “Nightmare at 20,000 feet” – já comentado neste Blog.
A história é a de Scott Carey, norte-americano médio, que, após ser exposto a uma espécie de nevoeiro (radioativo? extraterrestre? místico?) em alto-mar, começa lentamente a encolher de tamanho, até... desaparecer? Os efeitos especiais são ótimos, mesmo para os padrões de hoje em dia: as lutas épicas entre o protagonista e o gato da família, ou contra uma aranha do tamanho de um elefante são perfeitas; a fotografia em preto-e-branco, dando bastante destaque às incalculáveis diferenças de proporção e perspectiva, também é magistral. Mas o melhor deste filme será, logicamente, o conteúdo fabulístico. É uma história de mudança da visão de mundo de um indivíduo, com todos os resultados – traumáticos ou epifânicos – que seguirão daí.
Para sobreviver, Scott Carey precisará abandonar a visão – de si mesmo e das coisas – que tinha antes e adotar uma nova, mais adequada à sua nova condição. Eis o aprendizado moral, que se reveste de uma forte iluminação interior, apesar do sofrimento, das dificuldades e perdas que tudo isso implica, incluindo o abandono de qualquer esperança de ser “curado” e de voltar a ter uma vida normal junto de sua esposa. É neste ponto que o filme revelará sua grande coragem: a narrativa não faz concessões a um final “feliz” em que todas as mudanças se desfazem, se “corrigem”, ficando apenas a lembrança de tudo como se fosse um sonho bizarro, ou pesadelo.
Tudo neste filme tem uma consequência, e uma consequência sem retorno. Já era! Agora é bola pra frente e seja o que Deus quiser... Uma parte considerável da produção contemporânea de Hollywood parece desprovida desse tão básico senso de responsabilidade, de causa e efeito. São filmes totalmente inconsequentes, nos quais o herói, depois de aprender a lidar com os traumas que as mudanças da vida lhe oferecem, acaba sendo recompensado com alguma espécie de grande prêmio: amor, riqueza, ou o retorno – mais ou menos miraculoso – ao velho estado de coisas antes da tempestade. Na fita de Matheson, não há nenhuma dessas bobagens. A única premiação de Scott Carey é a sua própria consciência, uma consciência que nenhum homem antes dele jamais teve.
Quer final mais feliz do que esse?
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