quinta-feira, outubro 16, 2008

A Carruagem Fantasma


A Carruagem Fantasma (“Körkalen”, Suécia, 1921, dir.: Victor Sjöström) é um clássico dos clássicos. Não no sentido de intensidade – de que seria o maior clássico dentre todos os do cinema – mas no sentido mais exato da expressão: a obra de Sjöström está na fonte de grandes filmes e grandes diretores que vieram depois. E só. De resto, o filme é pouco conhecido e menos assistido. Mas Ingmar Bergman presta tributo a ele, especialmente em O Sétimo Selo (1957); e também Stanley Kubrick, especialmente em O Iluminado (1980): é assim que descobrimos de onde “vem” realmente a antológica cena de Jack Nicholson, ensandecido, arrebentando a machadadas a porta do cômodo onde se escondem a mulher e o filho. Sjöström é um cineasta dos cineastas, assim como alguns poetas são “poet’s poet” (um poeta de poetas).

O enredo e a mensagem de A Carruagem Fantasma parecerão ingênuos às inteligências contemporâneas: o filme é uma fábula (adulta) com visão de realidade e princípios morais bastante simplistas. A história lembra uma mistura de Um Conto de Natal (“A Christmas Carol”), clássico literário de Charles Dickens, e A Felicidade Não Se Compra (“It’s A Wonderful Life”), clássico da Hollywood clássica de Frank Capra. Há uma metáfora no filme que resume bem a proposta de Sjöström: “mend the coat = mend the ways”. A jovem e solícita irmã do Exército da Salvação (Edit) tenta, ao mesmo tempo, costurar o casaco do velho alcoólatra (David Holm) – todo rasgado – e “costurar” a sua vida, lutando para que o homem largue a bebida e a vida nas ruas. O fato de Holm rasgar cinicamente todas as emendas feitas, na frente da coitada da boa samaritana, já vai dando mostras do seu “caráter”.

Mas é na realização que a fita conquista seus maiores méritos. Primeiramente, na estrutura narrativa: em um dado momento, vemos as imagens da história da “carruagem fantasma” (de que a última pessoa que morrer ao final de um ano conduzirá a carruagem da morte por todo o ano seguinte, recolhendo a alma dos que morrerem) sendo contada por um personagem chamado Georges (que está em um bar junto de seus camaradas de copo). No entanto, já a história de Georges está sendo recontada por um antigo amigo seu (David Holm), enquanto bebe com outros pés-de-cana na sarjeta, às vésperas do ano novo. O filme primeiro mostra Holm; daí, corta para Georges; então, corta para a história contada por este. Ao fim de tudo (inclusive da história de vida do próprio Georges) voltamos a Holm. Foi um dos casos pioneiros no cinema de uma estrutura narrativa em espiral.

Outro recurso pioneiro, que trouxe bastante sucesso para o filme, foi a fotografia em sobre-impressão, criando efeitos de fantasmagoria surpreendentes (a carruagem e os mortos que circulam por cima das ondas no mar, atravessam paredes, misturam-se ao mundo dos vivos sem que estes os percebam). Sjöström foi o primeiro a fazer uso dramático e efetivamente estético do recurso, após as primeiras tentativas “de brincadeira” do prestidigitador Georges Méliès. Outra assinatura estilística do diretor sueco é a presença em campo, sempre relativamente central – em plano mais próximo ou mais afastado – de algum foco diegético de luz (sempre estourada, marcando muito o contraste com o resto do ambiente): um abajur de mesa, um lustre de teto. Mais uma vez, lembramo-nos de Kubrick. Por fim, é altamente recomendável a nova trilha sonora para o filme, composta pelo grupo nórdico KTL: os efeitos eletroacústicos são assustadores, claustrofóbicos, uma perfeita atmosfera.

2 comentários:

Anônimo disse...

André, eis um filme que ambiciono ver. E Você me convenceu de vez da importância de le.
Wanderson Lima

Anônimo disse...

André, sou um fã de Ingmar Bergman e qndo soube q A Carruagem Fantasma, q eu ja tinha em Dvd, foi homenageado por ele ate numa cena de Morangos Silvestres, a do sonho, revi o filme com outros olhos. Muito bom . Recomendo.