quarta-feira, maio 14, 2008

Speed Racer


Os novos caminhos técnico-tecnológicos trilhados pelo cinema industrial de hoje em dia são muito estimulantes, mas ainda precisam ser bem mais integrados – e integrados significativamente – à estética e ao conteúdo dos filmes. Mesmo assim, Speed Racer (EUA, 2008, Andy e Larry Wachowski) não faz feio, enquanto “live action cartoon” – se é que isso é possível. Se não for, os irmãos de Matrix inventam. Praticamente tudo neste filme, excetuando-se a figura dos próprios atores, é desenhado em computação gráfica – e sem qualquer preocupação com um realismo à lá Star Wars. Justamente, pois o que se pretende aqui é reproduzir a estética “anime” dos anos 60, na qual tudo é muito colorido, iluminado e fofinho. Neste ponto, a mais nova super-produção da temporada não aponta para o futuro, mas para o passado, fazendo corpo à tendência nostálgica predominante não só no cinema industrial-comercial, mas também nas “novidades” do circuito de arte, cult, independente ou o que quer que seja, dentro e fora dos EUA. A Cahiers du Cinéma, em número recente, analisou criticamente esse eterno retorno dentro da filmografia norte-americana atual.

Por outro lado, a nostalgia (ou crise de criatividade) pode ser vista como um velho amor aos clássicos e à tradição. E eis que semana que vem estréia Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. De qualquer maneira, Speed Racer é um filme que tem tudo para ser odiado pelos críticos da modernidade, pelos algozes da indústria cultural, pelos inimigos do capitalismo burguês-liberal e do seu torpe sistema de valores. É por isso mesmo que esta fita deve ser vista pelo cidadão comum de maneira ingênua e desarmada, e sobretudo pelas crianças, já que é um filme essencialmente infantil. Trata-se de um mero entretenimento (sem que vá na palavra “mero” qualquer notação pejorativa), carregado, é claro, de ideologia, mas como tudo neste mundo é – inevitavelmente – carregado de alguma dose de “ideologia”. E a dose aqui nem é tão grande, sequer injetada de maneira particularmente “agressiva” (o que seria realmente a se criticar).

O que interessa mostrar e destacar (e, para alguns, isso seria uma surpresa) é que, mesmo na ideologia dos patriarcas dos Estados Unidos da América, há pensamento crítico. A pequena família, que luta com todo o esforço e talento pessoal na sua pequena produção artesanal, para sobreviver em meio aos “tubarões” da grande indústria, do capitalismo selvagem e “sem rosto”, não é um tema caro também ao pensamento das esquerdas? E os fatos irreais e ilusórios que “os donos do poder” colocam aos nossos olhos para esconder de nós a verdade – o que, inevitavelmente, leva-nos ao doloroso e traumático processo de “descobrir a verdade” –, não seria isso a indústria cultural, o poder da mídia e da propaganda, “criticados” em Matrix? Pois essas coisas também são ensinadas às crianças em Speed Racer. Quer dizer, há outras morais no filme, além daquela básica do dê-o-melhor-de-si-supere-todos-os-obstáculos-e-vença-na-vida – a qual requenta vergonhosamente alguns princípios “jedi”...

A construção formal das imagens atesta a fantasia no mais alto grau de fabulação. Uma fantasia naïf, apegada ao multi-colorido de uma arte fauvista. Estamos, naturalmente, mais no reino da expressão – característico da arte e da cultura moderna –, do que no universo da representação. Para isso, utilizam-se os mais recentes recursos tecnológicos. Eis o cinema na linha de Speed Racer. Contudo, cabe sempre lembrar que a fantasia não incide – sendo tal coisa impossível – sobre o núcleo mais elementar de qualquer forma de expressão, que é o seu conteúdo humano. Podemos, é claro, questionar a maneira como este elemento humano é representado ou expresso – inclusive, algo de “fantasia” até pode aparecer aí – mas o fundo mais fundo da coisa será sempre verdadeiro. Essa verdade é mostrada de maneira particularmente interessante (dentre outros momentos do filme) logo no início, onde vemos o jovem Speed correr contra os seus adversários e correr contra o tempo: não só o tempo cronometrado da corrida e do recorde a ser quebrado, mas correr contra o seu próprio passado, a favor da memória do irmão que luta contra o desvanecimento provocado pelo transcorrer temporal. Passado e presente se misturam e se imbricam num ritmo muito dinâmico da montagem, o ritmo da própria corrida automobilística. Podem achar banal essas metáforas, mas seu interesse intrínseco não reside nos usos e abusos particulares que se fazem delas – graças a Deus.

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