Preciso fazer um mea culpa: eu nunca tinha assistido um filme de Wong Kar-Wai. Só cheguei a ver alguns trechos de Amor à Flor da Pele (2000), que já foram suficientes para que eu sacasse a estilística do diretor chinês. O cinema dele coloca uma ênfase considerável na estética das imagens, principalmente na fotografia e na direção de arte. E dentro disso, é fácil reconhecer a “assinatura” do artista: planos nos quais o tema central é fotografado por trás de obstáculos do tipo de vidros mais ou menos transparentes, pedaços de portas, mesas ou janelas que interferem em primeiro plano. Esses mesmos objetos de cenário, junto da iluminação (com muito néon), priorizam cores fortes, particularmente o vermelho, o verde e o azul (com seus diversos matizes).
Tudo isso faz a delícia do cinéfilo em Um Beijo Roubado (“My Blueberry Nights”, 2007), primeiro longa “ocidental” do diretor. Um parêntese: mais uma vez, os tradutores de títulos brasileiros nos fizeram o (des)favor de estragar o filme. “Minhas Noites de Torta de Blueberry” poderia não ficar legal, mas qualquer coisa seria melhor do que a alcunha que ficou. Assista o filme e veja a cagada – não vou fazer “spoiler”. Só não é pior do que o título lusitano para Vertigo, de Hitchcock: “A Mulher que Viveu Duas Vezes”... Enfim, do pouco que conheço de Kar-Wai, talvez possa dizer que é um esteta acima de tudo: cinco segundos de exibição já basta para reconhecermos que se trata de uma obra sua, assim como três acordes de uma guitarra já nos fazem dizer que é uma música de, por exemplo, Eric Clapton.
Agora, essas marcas não são, necessariamente, sinais de um artista genial, sequer criativo. Primeiro: no meio de todo o tecido que compõe as influências formais de um determinado autor, deve sobressair (minimamente que seja) algo de si próprio. Segundo: todo o virtuosismo do mundo não compensará a falta de conteúdo, e um conteúdo de preferência (também minimamente) original. Muito bem. Como é que Kar-Wai se enquadra nisso tudo? Suas cores lembram as de Almodóvar, seu ritmo lembra a “paixão de filmar” da Nouvelle Vague, suas histórias de encontros e desencontros amorosos lembram tanta coisa que é até melhor deixar pra lá. Eu realmente precisaria ver mais filmes dele para saber com certeza o quanto de si sobressai no meio dessas coisas todas, mas há algo que já posso dizer agora: ainda que Wong Kar-Wai não vislumbre ou abra caminhos para o Cinema, o que ele faz segue muito bem – com o melhor dos talentos maneiristas – a tradição que o diretor escolheu.
Um Beijo Roubado é uma fita gostosa de ver, com uma história bonita, com personagens cativantes. E para por aí. Não é um filme que vá transformar a vida do espectador, ou revelar-lhe novos planos de “realidade”. Mas é uma ótima arte “do cotidiano”, digamos assim: mostra-nos coisas que, de tão óbvias e banais, acabam passando despercebidas; reeduca o nosso olhar para a vida presente, o mundo presente, o momento presente, a pessoa presente. É a singeleza da poesia moderna, da crônica. Sim. Um Beijo Roubado é uma crônica bem poética, eis a definição. Em termos audiovisuais, é um vídeo-clipe dos afetos. É um filme para se ver no cinema à noite e, depois, circular pela vida noturna da cidade, vivendo e testemunhando as pequenas aventuras e desventuras que fazem a graça da nossa espécie. Eis a inspiração. Eis o que eu fiz.
Tudo isso faz a delícia do cinéfilo em Um Beijo Roubado (“My Blueberry Nights”, 2007), primeiro longa “ocidental” do diretor. Um parêntese: mais uma vez, os tradutores de títulos brasileiros nos fizeram o (des)favor de estragar o filme. “Minhas Noites de Torta de Blueberry” poderia não ficar legal, mas qualquer coisa seria melhor do que a alcunha que ficou. Assista o filme e veja a cagada – não vou fazer “spoiler”. Só não é pior do que o título lusitano para Vertigo, de Hitchcock: “A Mulher que Viveu Duas Vezes”... Enfim, do pouco que conheço de Kar-Wai, talvez possa dizer que é um esteta acima de tudo: cinco segundos de exibição já basta para reconhecermos que se trata de uma obra sua, assim como três acordes de uma guitarra já nos fazem dizer que é uma música de, por exemplo, Eric Clapton.
Agora, essas marcas não são, necessariamente, sinais de um artista genial, sequer criativo. Primeiro: no meio de todo o tecido que compõe as influências formais de um determinado autor, deve sobressair (minimamente que seja) algo de si próprio. Segundo: todo o virtuosismo do mundo não compensará a falta de conteúdo, e um conteúdo de preferência (também minimamente) original. Muito bem. Como é que Kar-Wai se enquadra nisso tudo? Suas cores lembram as de Almodóvar, seu ritmo lembra a “paixão de filmar” da Nouvelle Vague, suas histórias de encontros e desencontros amorosos lembram tanta coisa que é até melhor deixar pra lá. Eu realmente precisaria ver mais filmes dele para saber com certeza o quanto de si sobressai no meio dessas coisas todas, mas há algo que já posso dizer agora: ainda que Wong Kar-Wai não vislumbre ou abra caminhos para o Cinema, o que ele faz segue muito bem – com o melhor dos talentos maneiristas – a tradição que o diretor escolheu.
Um Beijo Roubado é uma fita gostosa de ver, com uma história bonita, com personagens cativantes. E para por aí. Não é um filme que vá transformar a vida do espectador, ou revelar-lhe novos planos de “realidade”. Mas é uma ótima arte “do cotidiano”, digamos assim: mostra-nos coisas que, de tão óbvias e banais, acabam passando despercebidas; reeduca o nosso olhar para a vida presente, o mundo presente, o momento presente, a pessoa presente. É a singeleza da poesia moderna, da crônica. Sim. Um Beijo Roubado é uma crônica bem poética, eis a definição. Em termos audiovisuais, é um vídeo-clipe dos afetos. É um filme para se ver no cinema à noite e, depois, circular pela vida noturna da cidade, vivendo e testemunhando as pequenas aventuras e desventuras que fazem a graça da nossa espécie. Eis a inspiração. Eis o que eu fiz.
4 comentários:
hehe eu fiz basicamente seu comentário há algum tempo atrás quando assisti este filme tipo.. é legal, cara do Kar Wai (que diferente de você assisti todos o que pude achar) e lindo (visualmente) só. Não sei pq falaram tão mal dele. É uma sessão da tarde requintada.
Tem razão! O filme não é nada tão mal nem tão bom. Acho que está mais para um Corujão requintado, pra gente assistir em casa numa madrugada de sabadão e curtir aquela fossazinha... O que já está muito bom!
André, que bom que gostou do filme do Wong Kar-Wai. Acho que irei assistir "Um Beijo Roubado" em breve.
Da filmografia do diretor, assisti duas de suas obras: "Amores Expressos" e "2046 - Segredos do Amor". Me chama a atenção o fascínio que o Wong tem pelo sentimento do amor, especialmente o amor que é impossível.
Exatamente, Kamila! Ele tem um feeling incrível para os percalços e vicissitudes do amor! Assista sim "My Blueberry Nights"! Vale a pena! :)
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