Duas saídas possíveis para o beco sem saída do cinema contemporâneo:
1. O cinema em 3-D;
2. O cinema da ultra-subjetividade, da “filmagem inconsciente” (como eu o chamei a respeito de “Cloverfield”), ou, melhor ainda, da decupagem inconsciente.
Ainda é cedo para sabermos se e o quanto essas duas tendências se organizarão em uma escola. Também é cedo para saber se essa “escola” contribuirá positivamente para a História da Sétima Arte e o quanto. Mas o fato é que os caminhos estão abertos, e cada vez mais filmes preferem trilhar por eles.
No primeiro caso, temos, dentre os exemplos mais importantes, "A Lenda de Beowulf" e as novidades a estrear: “Viagem ao Centro da Terra” e “Avatar” (de James Cameron). No segundo, a lista já é mais longa: “A Bruxa de Blair”, “Cloverfield” e este “Rec”, sem contar a mais nova pepita de George Romero: "Diário dos Mortos". E a tendência da decupagem inconsciente também já está mais integrada à arte do audiovisual: filmes como “Cloverfield” e “Rec” não são apenas experimentações (comerciais ou não) com a técnica ou com a tecnologia. Como filmes, trabalham muito bem a história (e suas implicações ideológicas), os personagens com os seus dramas, e o estilo que expressa e engloba tudo isso.
A expectativa também não é pouca pela mais nova obra do mestre Romero. Assim, parece estar acontecendo aí – com grandes esperanças de se desenvolver – um cinema realmente novo. Um cinema que nos dê alternativas à crise criativa dentro e fora de Hollywood. A coisa é evidente: a maioria dos novos filmes que aparecem e fazem sucesso, ganham prêmios e são louvados pela crítica e pelo público cinéfilo não passam de obras que repetem alguma velha tradição; com tintas novas, mas repetem. A revista Cahiers du Cinéma apontou recentemente esse problema a respeito do cinema norte-americano. Os exemplos são variados:
“Onde os Fracos Não Têm Vez”, “Sangue Negro”, “Em Paris”, “Um Beijo Roubado”, etc. São filme lindos e deliciosos, mas nós “já vimos esses filmes antes”. Digam-me que caminhos eles abrem para um novo cinema? Que não se diga, por outro lado, que fitas como “Cloverfield” e “Rec” apenas atualizam a velha escola dos monstros e dos zumbis, respectivamente. O buraco aqui é mais embaixo. O cinema das novas tendências precisa ainda (e vai, acreditemos) amadurecer muitos pontos de sua criatividade temática, mas a criatividade formal já está aí. Uma coisinha: relendo o texto que escrevi sobre “Cloverfield”, descobri que já tinha escrito sobre essas duas novas tendências. Na ocasião, disse o seguinte:
“1. O caminho da alta tecnologia, que busca aprimorar ao máximo o poder de fantasia das artes cinematográficas: é o caso de todo o trabalho com os efeitos especiais e com o tratamento tecnológico-computadorizado da imagem, culminando em experimentos como A Lenda de Beowulf (“Beowulf”, EUA, 2007, dir.: Robert Zemeckis).
2. O caminho do despojamento extremo de qualquer tecnologia, tendo-se em vista a naturalidade, a simplicidade e a espontaneidade acima de tudo, tentando aprimorar ao máximo o poder de realidade da Sétima Arte. É o caso deste Cloverfield.”
Não vou mais discutir elementos da decupagem inconsciente, para não repetir o que já disse a respeito de “Cloverfield”, e que serve também a este “Rec”. Enfim, o caso já não é mais de fitas “inspiradas” em “A Bruxa de Blair”. Todos os elementos indicam o surgimento de uma nova escola, uma escola internacional para o cinema do mundo globalizado. No entanto, cada obra tem as suas especificidades “regionais”, digamos assim. “Cloverfield” trabalha com muitos fatores relativos aos EUA pós 11 de setembro. “Rec” (Espanha, 2007, dir.: Jaume Balagueró e Paco Plaza) é um filme de terror, “de zumbi”, que trabalha de modo muito interessante com a pesada tradição da religiosidade católica ibérica (incluindo aí Portugal, como se verá no filme).
Com relação à tradição dos mortos-vivos, vemos aí delinearem-se duas “espécies” de zumbis: os songo-mongos (Romero) e os histéricos (“Extermínio” e “Rec”). Romero continua sendo o mestre, mas parece que nossa sensibilidade contemporânea só consegue se assustar com criaturas que mais parecem cães raivosos. Aliás, características próximas às da raiva são o que predomina aqui (eu até procurei ler a respeito em artigos médicos), ou seja, podem existir zumbis de verdade! Cuidado... Além do mais, questões de risco biológico, de armas químicas ou biológicas, excitam muito mais nossas fantasias mórbidas pós 11 de setembro – e particularmente, neste caso, pós 11 de março (Madri) – do que a velha superstição dos mortos que saem de suas tumbas para comer o cérebro dos vivos.
Ora, é aí que entra também uma outra grande contribuição de “Rec”: juntar o ceticismo científico da nossa era com a credulidade religiosa, numa mistura barroca que vai do bizarro ao horror de um só pulo. Obviamente, “Rec” não inventou tal mistura. Mas trabalha com ela muito bem. De resto, “Rec” não possui a densidade da fábula, da sátira social dos filmes de Romero. Pelo menos, não no mesmo nível. Mesmo assim, como eu adoraria ver certos “jornalistas” brasileiros caírem na mesma situação do filme, “jornalistas” que lucram descaradamente com a tragédia da menina Isabela, transformada já num verdadeiro circo. E esses pulhas ainda vêm com todo aquele discurso “pseudo” heróico a respeito da “grande tarefa” da imprensa... Safados!
1. O cinema em 3-D;
2. O cinema da ultra-subjetividade, da “filmagem inconsciente” (como eu o chamei a respeito de “Cloverfield”), ou, melhor ainda, da decupagem inconsciente.
Ainda é cedo para sabermos se e o quanto essas duas tendências se organizarão em uma escola. Também é cedo para saber se essa “escola” contribuirá positivamente para a História da Sétima Arte e o quanto. Mas o fato é que os caminhos estão abertos, e cada vez mais filmes preferem trilhar por eles.
No primeiro caso, temos, dentre os exemplos mais importantes, "A Lenda de Beowulf" e as novidades a estrear: “Viagem ao Centro da Terra” e “Avatar” (de James Cameron). No segundo, a lista já é mais longa: “A Bruxa de Blair”, “Cloverfield” e este “Rec”, sem contar a mais nova pepita de George Romero: "Diário dos Mortos". E a tendência da decupagem inconsciente também já está mais integrada à arte do audiovisual: filmes como “Cloverfield” e “Rec” não são apenas experimentações (comerciais ou não) com a técnica ou com a tecnologia. Como filmes, trabalham muito bem a história (e suas implicações ideológicas), os personagens com os seus dramas, e o estilo que expressa e engloba tudo isso.
A expectativa também não é pouca pela mais nova obra do mestre Romero. Assim, parece estar acontecendo aí – com grandes esperanças de se desenvolver – um cinema realmente novo. Um cinema que nos dê alternativas à crise criativa dentro e fora de Hollywood. A coisa é evidente: a maioria dos novos filmes que aparecem e fazem sucesso, ganham prêmios e são louvados pela crítica e pelo público cinéfilo não passam de obras que repetem alguma velha tradição; com tintas novas, mas repetem. A revista Cahiers du Cinéma apontou recentemente esse problema a respeito do cinema norte-americano. Os exemplos são variados:
“Onde os Fracos Não Têm Vez”, “Sangue Negro”, “Em Paris”, “Um Beijo Roubado”, etc. São filme lindos e deliciosos, mas nós “já vimos esses filmes antes”. Digam-me que caminhos eles abrem para um novo cinema? Que não se diga, por outro lado, que fitas como “Cloverfield” e “Rec” apenas atualizam a velha escola dos monstros e dos zumbis, respectivamente. O buraco aqui é mais embaixo. O cinema das novas tendências precisa ainda (e vai, acreditemos) amadurecer muitos pontos de sua criatividade temática, mas a criatividade formal já está aí. Uma coisinha: relendo o texto que escrevi sobre “Cloverfield”, descobri que já tinha escrito sobre essas duas novas tendências. Na ocasião, disse o seguinte:
“1. O caminho da alta tecnologia, que busca aprimorar ao máximo o poder de fantasia das artes cinematográficas: é o caso de todo o trabalho com os efeitos especiais e com o tratamento tecnológico-computadorizado da imagem, culminando em experimentos como A Lenda de Beowulf (“Beowulf”, EUA, 2007, dir.: Robert Zemeckis).
2. O caminho do despojamento extremo de qualquer tecnologia, tendo-se em vista a naturalidade, a simplicidade e a espontaneidade acima de tudo, tentando aprimorar ao máximo o poder de realidade da Sétima Arte. É o caso deste Cloverfield.”
Não vou mais discutir elementos da decupagem inconsciente, para não repetir o que já disse a respeito de “Cloverfield”, e que serve também a este “Rec”. Enfim, o caso já não é mais de fitas “inspiradas” em “A Bruxa de Blair”. Todos os elementos indicam o surgimento de uma nova escola, uma escola internacional para o cinema do mundo globalizado. No entanto, cada obra tem as suas especificidades “regionais”, digamos assim. “Cloverfield” trabalha com muitos fatores relativos aos EUA pós 11 de setembro. “Rec” (Espanha, 2007, dir.: Jaume Balagueró e Paco Plaza) é um filme de terror, “de zumbi”, que trabalha de modo muito interessante com a pesada tradição da religiosidade católica ibérica (incluindo aí Portugal, como se verá no filme).
Com relação à tradição dos mortos-vivos, vemos aí delinearem-se duas “espécies” de zumbis: os songo-mongos (Romero) e os histéricos (“Extermínio” e “Rec”). Romero continua sendo o mestre, mas parece que nossa sensibilidade contemporânea só consegue se assustar com criaturas que mais parecem cães raivosos. Aliás, características próximas às da raiva são o que predomina aqui (eu até procurei ler a respeito em artigos médicos), ou seja, podem existir zumbis de verdade! Cuidado... Além do mais, questões de risco biológico, de armas químicas ou biológicas, excitam muito mais nossas fantasias mórbidas pós 11 de setembro – e particularmente, neste caso, pós 11 de março (Madri) – do que a velha superstição dos mortos que saem de suas tumbas para comer o cérebro dos vivos.
Ora, é aí que entra também uma outra grande contribuição de “Rec”: juntar o ceticismo científico da nossa era com a credulidade religiosa, numa mistura barroca que vai do bizarro ao horror de um só pulo. Obviamente, “Rec” não inventou tal mistura. Mas trabalha com ela muito bem. De resto, “Rec” não possui a densidade da fábula, da sátira social dos filmes de Romero. Pelo menos, não no mesmo nível. Mesmo assim, como eu adoraria ver certos “jornalistas” brasileiros caírem na mesma situação do filme, “jornalistas” que lucram descaradamente com a tragédia da menina Isabela, transformada já num verdadeiro circo. E esses pulhas ainda vêm com todo aquele discurso “pseudo” heróico a respeito da “grande tarefa” da imprensa... Safados!
10 comentários:
Bela análise da linguagem. Gostei bastante do filme.
Ótimo texto. E filme bastante interessante, atualizando o tema dos zumbis de acordo com as novas tecnologias e linguagens. E também me deliciei no final ao ver a repóter chata encurralada pela menina Medeiros, hehehe. Mas depois confesso que tive que dar umas voltas para dimininuir a ansiedade. O filme de fato fez subir a minha adrenalina, o que já é alguma coisa.:)
É verdade, David! O filme deixa a gente tenso, é como um pesadelo! Aliás, semana passada tive mais um pesadelo com zumbis... rsrsrs
Poxa, bem interessante essa análise que vc fez dos filmes e das novas tendências! Quanto ao "Rec" eu gostei bastante, mas fiquei com a impressão de que faltou algo (talvez a falta de sátira social, como vc apontou). E acho que a tendência é que tenham cada vez mais zumbis histéricos no lugar dos songo-mongos. Os histéricos causam mais tensão! Ah, e eu sou um dos que estão na expectativa pelo Diary of the Dead do Romero! Quem sabe ele não vem pra coroar o que vc chamou de cinema da decupagem inconsciente?! Abraço!
Também gostei do texto, André. Parabéns!
Vamos ver se logo seremos brindados com a distribuição nacional deste horror. Apesar das irregularidades em outros trabalhos, Jaume Balagueró e Paco Plaza são nomes que me despertam algum interesse.
Alex Gonçalves
www.cineresenhas.wordpress.com
Gostei muito dos filmes Beijos Roubados de Kar Way e O Sobrevivente de Herzog.
Rec e Jumper eu ainda não assisti. Vou assistir esse tal de jumper, porque tem tanta gente falando mal dele, que ele deve ser bom.
Ei André, tudo bem? Cara, eu dei uma sumida legal pela net e meu blog tava lá jogado às traças. Mas agora estou na ativa e voltei a visitar os blogs amigos. Depois dá uma passada lá no Moviola Digital.
Ouvi falar muito bem desse Rec e depois da maravilhosa experiência de ver Cloverfield, qualquer coisa que siga o mesmo caminho já é bem vinda. Texto bastante lúcido esse seu, parabéns!!!
Bruno: George Romero, como mestre, é o cara que vem para criar ou coroar as coisas. "Terra dos Mortos" coroou os filmes de zumbi criados por ele, depois de experiências relativamente válidas como "Extermínio" ou absolutamente abjetas como "Madrugada dos Mortos". Acredito que, com "´Diário dos Mortos", ele não vai decepcionar...
Alex: fiquei curioso agora pra ver outros filmes de Jaume e Paco.
Cineasta81: eu também fico com muita vontade de ver filmes que todo mundo esculacha, pois em TODOS os casos, esses filmes sempre têm algo de interessante, nem que seja em 1% de sua totalidade... (é a minha mania de querer ser do contra)
Rafael: passarei sim lá no Moviola! Ultimamente, o tempo não me tem permitido atualizar o Sombras com a freqüência que eu gostaria, nem visitar os blogs camaradas, mas farei tudo o possível...
Valeu pelos elogios, galera! Abraços!
Em época de vacas magras no gênero, "REC" é bonança!
a critica a igreja é muito bem vinda ... porém o filme ... é fraquinho demais ... mas belissima abordagem de temas, pena que o filme em si é fraco que doi.
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