O novo petardo dos irmãos Peter e Bobby Farrelly é uma refilmagem de The Heartbreak Kid (EUA, 1972, dir.: Elaine May), que circulou no Brasil com dois títulos: “Corações em Alta” e “O Rapaz que Partia Corações”. Este último é a tradução quase literal do nome original da película. Já Antes Só Do Que Mal Casado (“The Heartbreak Kid”, EUA, 2007), a releitura feita pelos Farrelly, lembra bastante o já grande clássico dos irmãos: Quem Vai Ficar Com Mary? (“There’s Something About Mary, EUA, 1995). O título em português, assim como o tema das dificuldades de relacionamento entre pessoas disfuncionais em situações disfuncionais – destacando particularmente a difícil busca do “eu” pelo delicado equilíbrio entre o seu próprio bem-estar e o do “outro” com o qual se tem que conviver – lembra também a clássica comédia dos anos 80 Antes Só Do Que Mal Acompanhado (“Planes, Trains and Automobiles”, EUA, 1987), de John Hughes, com Steve Martin e John Candy.
Em “The Heartbreak Kid”, temos o solteirão quarentão Eddie Cantrow (Ben Stiller), que é pressionado pelo pai (Doc, interpretado pelo ótimo Jerry Stiller, pai real de Ben e o eterno Frank Constanza de Seinfeld) e pelo melhor amigo (Mac – Rob Cordry), um molenga que vive um casamento bem estável, mas no qual é totalmente submisso à mulher. Ambos querem que Eddie se case logo, sem criar grandes expectativas, pré-requisitos ou ideais românticos absurdos; afinal, todo mundo tem que se casar, não? Mas Eddie não deseja abandonar seu sonho de viver um grande amor. Nisto, ele conhece uma bela mulher, Lila (Malin Akerman), identifica-se com ela, ambos se apaixonam e se casam, em pouco mais de um mês – mesmo assim, ele só toma definitivamente a decisão de se casar impulsionado pelo pai e pelo amigo.
Chega a lua-de-mel, em um resort paradisíaco no México, e o pobre Eddie descobre o “outro lado” da mulher: manias das mais diversas (principalmente as sexuais, que são as piores), personalidade difícil e teimosa, uma certa burrice, falta de senso de “si-mi-toque”, problemas físicos (o desvio do septo, que a faz botar comida e bebida pelo nariz, e também a faz roncar) e elementos muito ruins de sua vida presente (ela não tem um trabalho “de verdade” e passada (ela era viciada em cocaína e ainda deve dinheiro a traficantes). Mas que roubada, hein? No meio de tudo isso (nos filmes dos Farrelly, tudo acontece ao mesmo tempo agora), Eddie conhece uma garota que, essa sim, tem tudo a ver com ele (Miranda – Michelle Monaghan). Mas que dilema, hein?
No final, tudo acaba se resolvendo pelo melhor. Ou não. Na verdade, as coisas terminam bem, e ao mesmo tempo mal, para todos. Como acabei de dizer: é tudo ao mesmo tempo agora. O filme é múltiplo, sem ser aberto, vago ou ambíguo. Vislumbra-se um princípio moral no meio e acima de tudo, mas nenhum personagem o segue. Além do mais, as situações são complexas e ainda há a ação do destino... Na última parte, a narrativa vai “enganando” o expectador, conduzindo-o falsamente a um final ora trágico, ora feliz. Mas quando o filme termina de verdade mesmo, percebemos que, em certo sentido, não há final algum. Essencialmente, nada muda. É o ciclo mítico do eterno retorno. Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. O destino tem uma parcela de responsabilidade por isso, mas também têm culpa em cartório as atitudes (inclusive mentais) viciosas dos indivíduos, particularmente nosso protagonista Eddie.
Aqui chegamos ao foco da questão moral. O problema não são as mulheres. O problema é e sempre foi, desde o primeiro momento do filme, Eddie. A sua teimosia, sem querer querendo, é o que lhe dá a alcunha de “heartbreak kid”. O casamento, assim como qualquer forma de relacionamento humano (conforme expliquei no começo) é um delicado equilíbrio entre o bem-estar do “eu” e o bem-estar do “outro”. Mas o que fazer quando esse equilíbrio não pode ser atingido de forma alguma? Antes disso, será que o equilíbrio não pode ser atingido de fato, ou será que as partes em jogo é que não se esforçaram o suficiente? De qualquer maneira, na impossibilidade de se chegar a um acordo, será que se deve pensar apenas em si e no próprio bem-estar, independentemente do como que fique o “outro” nesta história? Ou será que o auto-sacrifício aqui não seria mais interessante? Falando em acordo, será que o casamento, ou qualquer outra relação, mede-se apenas pela barganha, seja ela hipócrita ou não?
Assim, Antes Só Que Mal Casado discute algumas “issues” bastante pertinentes para a sociedade norte-americana. Ainda mais pensando-se que de um lado se tem a América cosmopolita de São Francisco (Eddie, seu pai, seu amigo e Lila) e do outro a América profunda do centro-sul-oeste (Miranda e a família dela – os caipiras “rednecks”). Neste particular, é muito bom citar a piada que sai da boca de Doc / Jerry Stiller, aconselhando o filho a não se meter com a família de Miranda: “It´s the bible belt! These people have guns!” (“Este é o cinturão da bíblia! Estas pessoas têm armas!”). Também dentro do humor “sério”, são hilárias as gags visuais que mostram Eddie / Ben Stiller tentando entrar ilegalmente nos EUA, junto com os coyotes mexicanos, e sendo pego todas as vezes pelos patrulheiros da fronteira.
Em “The Heartbreak Kid”, temos o solteirão quarentão Eddie Cantrow (Ben Stiller), que é pressionado pelo pai (Doc, interpretado pelo ótimo Jerry Stiller, pai real de Ben e o eterno Frank Constanza de Seinfeld) e pelo melhor amigo (Mac – Rob Cordry), um molenga que vive um casamento bem estável, mas no qual é totalmente submisso à mulher. Ambos querem que Eddie se case logo, sem criar grandes expectativas, pré-requisitos ou ideais românticos absurdos; afinal, todo mundo tem que se casar, não? Mas Eddie não deseja abandonar seu sonho de viver um grande amor. Nisto, ele conhece uma bela mulher, Lila (Malin Akerman), identifica-se com ela, ambos se apaixonam e se casam, em pouco mais de um mês – mesmo assim, ele só toma definitivamente a decisão de se casar impulsionado pelo pai e pelo amigo.
Chega a lua-de-mel, em um resort paradisíaco no México, e o pobre Eddie descobre o “outro lado” da mulher: manias das mais diversas (principalmente as sexuais, que são as piores), personalidade difícil e teimosa, uma certa burrice, falta de senso de “si-mi-toque”, problemas físicos (o desvio do septo, que a faz botar comida e bebida pelo nariz, e também a faz roncar) e elementos muito ruins de sua vida presente (ela não tem um trabalho “de verdade” e passada (ela era viciada em cocaína e ainda deve dinheiro a traficantes). Mas que roubada, hein? No meio de tudo isso (nos filmes dos Farrelly, tudo acontece ao mesmo tempo agora), Eddie conhece uma garota que, essa sim, tem tudo a ver com ele (Miranda – Michelle Monaghan). Mas que dilema, hein?
No final, tudo acaba se resolvendo pelo melhor. Ou não. Na verdade, as coisas terminam bem, e ao mesmo tempo mal, para todos. Como acabei de dizer: é tudo ao mesmo tempo agora. O filme é múltiplo, sem ser aberto, vago ou ambíguo. Vislumbra-se um princípio moral no meio e acima de tudo, mas nenhum personagem o segue. Além do mais, as situações são complexas e ainda há a ação do destino... Na última parte, a narrativa vai “enganando” o expectador, conduzindo-o falsamente a um final ora trágico, ora feliz. Mas quando o filme termina de verdade mesmo, percebemos que, em certo sentido, não há final algum. Essencialmente, nada muda. É o ciclo mítico do eterno retorno. Quanto mais as coisas mudam, mais elas continuam as mesmas. O destino tem uma parcela de responsabilidade por isso, mas também têm culpa em cartório as atitudes (inclusive mentais) viciosas dos indivíduos, particularmente nosso protagonista Eddie.
Aqui chegamos ao foco da questão moral. O problema não são as mulheres. O problema é e sempre foi, desde o primeiro momento do filme, Eddie. A sua teimosia, sem querer querendo, é o que lhe dá a alcunha de “heartbreak kid”. O casamento, assim como qualquer forma de relacionamento humano (conforme expliquei no começo) é um delicado equilíbrio entre o bem-estar do “eu” e o bem-estar do “outro”. Mas o que fazer quando esse equilíbrio não pode ser atingido de forma alguma? Antes disso, será que o equilíbrio não pode ser atingido de fato, ou será que as partes em jogo é que não se esforçaram o suficiente? De qualquer maneira, na impossibilidade de se chegar a um acordo, será que se deve pensar apenas em si e no próprio bem-estar, independentemente do como que fique o “outro” nesta história? Ou será que o auto-sacrifício aqui não seria mais interessante? Falando em acordo, será que o casamento, ou qualquer outra relação, mede-se apenas pela barganha, seja ela hipócrita ou não?
Assim, Antes Só Que Mal Casado discute algumas “issues” bastante pertinentes para a sociedade norte-americana. Ainda mais pensando-se que de um lado se tem a América cosmopolita de São Francisco (Eddie, seu pai, seu amigo e Lila) e do outro a América profunda do centro-sul-oeste (Miranda e a família dela – os caipiras “rednecks”). Neste particular, é muito bom citar a piada que sai da boca de Doc / Jerry Stiller, aconselhando o filho a não se meter com a família de Miranda: “It´s the bible belt! These people have guns!” (“Este é o cinturão da bíblia! Estas pessoas têm armas!”). Também dentro do humor “sério”, são hilárias as gags visuais que mostram Eddie / Ben Stiller tentando entrar ilegalmente nos EUA, junto com os coyotes mexicanos, e sendo pego todas as vezes pelos patrulheiros da fronteira.
Mas o que pesa mesmo nesta obra típica dos Farrelly é o humor farsesco, vulgar, escatológico, em algumas cenas memoráveis – principalmente a da urina / close-up na tarja preta / ao som dos mariachis. É um absurdo descarado, sem medo de ser feliz, subvertendo completamente os códigos da cultura e das narrativas amorosas. Esta é a marca mais nítida dos irmãos, que fez com que Quem Vai Ficar Com Mary? causasse um grande impacto à sua época. A mistura explosiva entre registros culturais “altos”: o amor romântico, a heroína que é sempre uma mulher de beleza estonteante, o drama do herói em buscar seu grande amor, a tragédia do destino, a pertinência de questões sociais; e registros culturais “baixos”: toda a escatologia que apela aos aspectos mais repugnantes do corpo, suas funções fisiológicas e seus fluídos – afinal de contas, o relacionamento amoroso-sexual envolve uma grande intimidade entre corpos, não? –, a comédia em que invariavelmente desanda a dramática demanda do sujeito por sua própria felicidade amorosa. Mas chega uma hora em que esse humor, também invariavelmente, cansa.
4 comentários:
Eu achei o primeiro ato desse filme ótimo. E acredito que a trama se perde a partir do momento em que a personagem de Malin Akerman sai de cena para dar lugar à Michelle Monaghan.
Além disso, não consegui torcer pela felicidade do personagem do Ben Stiller. Dar em cima de outra mulher em plena lua-de-mel é um golpe muito baixo.
Boas Festas!
Oi, aparentemente houve problemas com a postagem do meu comentário. Nele, eu dizia que gostei de seus textos, gostei de suas análises. E lhe desejava um Feliz Natal e um 2008 repleto de grandes filmes. Abraços.
De fato, Kamila, um investimento maior na absurda relação entre Eddie e Lila seria bem legal, como nos filmes antigos de casais disfuncionais... A introdução de um terceiro elemento pra criar um triângulo amoroso acaba facilitando muito as coisas pro roteirista... Mas eu queria ver o filme original...
Também não torço por Eddie, o "rapaz que quebra corações"...
Boas festas pra vc tb!
Moacy: que 2008 tb seja repleto de grandes filmes pra vc tb!
Gosto de alguns filmes ds Farrelly, como é o caso de "Quem Vai Ficar Com Mary?" (sem dúvida o melhor longa da dupla), mas esse "Heartbreak Kid" raramente faz rir - e quando consegue divertir, é apelativo demais até mesmo para os padrões dos diretores. Enfim, uma decepção...
Abs!
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