Entrevista concedida pelo lingüista e filósofo búlgaro Tzvetan Todorov para a revista francesa Télérama e reproduzida por Jorge Coli na Folha de S. Paulo:
(Pergunta): “No seu último livro (“La Littérature em Péril”, A Literatura em Perigo), o sr. Diz, a propósito do ensino da literatura, que, “na escola, não se ensina aquilo que os livros dizem, mas aquilo que dizem os críticos. O senhor pode explicar a sua opinião?”
(Todorov): “Há algum tempo que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar de preferência os conceitos e métodos de análise. Nesse sentido, é possível dizer que se estudam as teorias dos críticos, e não as obras dos autores.
Ora, para nós, ignorante é quem não leu “Madame Bovary” (de Flaubert) ou “As Flores do Mal” (de Baudelaire), e não quem não sabe, por exemplo, distinguir focalização interna de focalização externa.
Estou convencido de que, para aceder à “grande literatura”, deve-se primeiro aprender a amar a leitura. Para tanto, passar pela literatura de juventude parece-me ser a via mais indicada. Eu mesmo, há muito tempo, comecei a ler versões simplificadas dos clássicos em búlgaro.
“Os Miseráveis” (de Victor Hugo) não tinha mais do que umas cem páginas. Isso não me impediu de abordar o texto completo do romance alguns anos mais tarde.
Desse ponto de vista, eu recomendo sempre “O Conde de Monte Cristo” (de Alexandre Dumas) ou, por que não?, as aventuras de Harry Potter.”
(Pergunta): “Quais os conselhos para um jovem estudante que deseja se lançar nos estudos literários?”
(Todorov): “Antes de tudo, não confundir os meios e os fins. Os fins da leitura de textos literários são os de melhor compreender o sentido deles e, por meio deles, o que nos dizem da própria condição humana.
Os meios são todos os métodos de aproximação crítica, que podem nos permitir ler melhor, com a condição de não formarem uma cortina de fumaça diante dos textos. O que aconselho, portanto, é nunca perder de vista os textos literários neles próprios e, sobretudo, os grandes textos.”
Jorge Coli, no texto que desenvolveu em torno desse assunto, diz: “Esse é um caso sintomático, no qual a especulação intelectual prescinde o objeto. (...) Quantos leitores de (Walter) Benjamin, que conhecem e citam suas referências a Baudelaire e Proust, leram, de fato, Baudelaire e Proust?”
Na Universidade, sofri muito com esse tipo de “especulação intelectual”. Nas disciplinas de literatura que cursei, parece que há uma lei implícita de que é proibido fazer uma reflexão pessoal sobre o texto literário; diz-se que isso não é científico, não é metodológico. Para muitos professores que tive, “científico” seria “papagear” o discurso deste ou daquele crítico, teórico ou historiador, os quais também têm de ser escolhidos com muito cuidado, pois se o aluno tiver a temeridade de se abrigar à sombra de um pensador que não esteja na moda do dia, também ganhará nota zero. Uma das poucas exceções positivas que vivenciei, foi justamente numa disciplina de cinema, na qual o professor (um dos poucos grandes mestres que tive na Universidade) fez a questão de deixar bem claro e enfático que queria que fizéssemos uma análise pessoal do filme em questão; disse com autoridade que não queria ler coisas do tipo: “De acordo com o filósofo Nietzche...”, pois se quisesse saber as idéias de Nietzche, ele leria os livros de Nietzche, e não o trabalho do aluno. No trabalho do aluno, ele queria conhecer quais as idéias que o aluno tem. Sabedoria rara no meio docente acadêmico.
Não sou, é claro, totalmente contrário à metodologia científica, ou a citações que enriquecem a discussão de um determinado objeto. A fortuna crítica tem a sua grande importância e contribuição para o estudo de uma obra de arte. Mas quem está, ou já esteve recentemente por dentro do meio acadêmico, sabe muito bem o “perigo” que sofre a Literatura (e também o Cinema), de que falam Todorov e Coli. Mesmo fora das escolas, certas críticas de filmes que se lêem por aí são tão apegadas a clichês metodológicos daquela “especulação intelectual que prescinde o objeto” que fica-se com a impressão de que o crítico não viu o filme. Se viu, não precisava ter visto, para fazer críticas assim...
(Pergunta): “No seu último livro (“La Littérature em Péril”, A Literatura em Perigo), o sr. Diz, a propósito do ensino da literatura, que, “na escola, não se ensina aquilo que os livros dizem, mas aquilo que dizem os críticos. O senhor pode explicar a sua opinião?”
(Todorov): “Há algum tempo que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar de preferência os conceitos e métodos de análise. Nesse sentido, é possível dizer que se estudam as teorias dos críticos, e não as obras dos autores.
Ora, para nós, ignorante é quem não leu “Madame Bovary” (de Flaubert) ou “As Flores do Mal” (de Baudelaire), e não quem não sabe, por exemplo, distinguir focalização interna de focalização externa.
Estou convencido de que, para aceder à “grande literatura”, deve-se primeiro aprender a amar a leitura. Para tanto, passar pela literatura de juventude parece-me ser a via mais indicada. Eu mesmo, há muito tempo, comecei a ler versões simplificadas dos clássicos em búlgaro.
“Os Miseráveis” (de Victor Hugo) não tinha mais do que umas cem páginas. Isso não me impediu de abordar o texto completo do romance alguns anos mais tarde.
Desse ponto de vista, eu recomendo sempre “O Conde de Monte Cristo” (de Alexandre Dumas) ou, por que não?, as aventuras de Harry Potter.”
(Pergunta): “Quais os conselhos para um jovem estudante que deseja se lançar nos estudos literários?”
(Todorov): “Antes de tudo, não confundir os meios e os fins. Os fins da leitura de textos literários são os de melhor compreender o sentido deles e, por meio deles, o que nos dizem da própria condição humana.
Os meios são todos os métodos de aproximação crítica, que podem nos permitir ler melhor, com a condição de não formarem uma cortina de fumaça diante dos textos. O que aconselho, portanto, é nunca perder de vista os textos literários neles próprios e, sobretudo, os grandes textos.”
Jorge Coli, no texto que desenvolveu em torno desse assunto, diz: “Esse é um caso sintomático, no qual a especulação intelectual prescinde o objeto. (...) Quantos leitores de (Walter) Benjamin, que conhecem e citam suas referências a Baudelaire e Proust, leram, de fato, Baudelaire e Proust?”
Na Universidade, sofri muito com esse tipo de “especulação intelectual”. Nas disciplinas de literatura que cursei, parece que há uma lei implícita de que é proibido fazer uma reflexão pessoal sobre o texto literário; diz-se que isso não é científico, não é metodológico. Para muitos professores que tive, “científico” seria “papagear” o discurso deste ou daquele crítico, teórico ou historiador, os quais também têm de ser escolhidos com muito cuidado, pois se o aluno tiver a temeridade de se abrigar à sombra de um pensador que não esteja na moda do dia, também ganhará nota zero. Uma das poucas exceções positivas que vivenciei, foi justamente numa disciplina de cinema, na qual o professor (um dos poucos grandes mestres que tive na Universidade) fez a questão de deixar bem claro e enfático que queria que fizéssemos uma análise pessoal do filme em questão; disse com autoridade que não queria ler coisas do tipo: “De acordo com o filósofo Nietzche...”, pois se quisesse saber as idéias de Nietzche, ele leria os livros de Nietzche, e não o trabalho do aluno. No trabalho do aluno, ele queria conhecer quais as idéias que o aluno tem. Sabedoria rara no meio docente acadêmico.
Não sou, é claro, totalmente contrário à metodologia científica, ou a citações que enriquecem a discussão de um determinado objeto. A fortuna crítica tem a sua grande importância e contribuição para o estudo de uma obra de arte. Mas quem está, ou já esteve recentemente por dentro do meio acadêmico, sabe muito bem o “perigo” que sofre a Literatura (e também o Cinema), de que falam Todorov e Coli. Mesmo fora das escolas, certas críticas de filmes que se lêem por aí são tão apegadas a clichês metodológicos daquela “especulação intelectual que prescinde o objeto” que fica-se com a impressão de que o crítico não viu o filme. Se viu, não precisava ter visto, para fazer críticas assim...
P.S.: A (des)propósito: Todorov não parece o Barbosa, do saudoso “TV Pirata”?
Um comentário:
Olha... O Barbosa uns três quilinhos mais leve...
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