sexta-feira, fevereiro 22, 2013

Amor



Amor Sólido

Os bons filmes de tese (supondo que isto seja possível) não serão aqueles cujo discurso – implícito – procura falar mais alto do que a mise en scène; há uma dose de sublimação e desinteresse artísticos que precisam ser observados, sob pena de se cair na desgraça da arte programática (quaisquer que sejam os “ismos” que esta represente). Indo mais longe, arrisquemo-nos a dizer que os filmes de tese dignos de respeito sequer apresentarão uma ideia lá muito fixa; as mais interessantes produções desse gênero não se preocuparão em colocar mais do que questionamentos filosóficos, éticos, morais: e assim fica instaurado o debate.

Eis o que propõe Michael Haneke em seus longas, com a gravidade de um filósofo alemão. Se n’A Fita Branca (“The White Ribbon”, 2009), a investigação incidia sobre as origens e a essência do ódio, agora o diretor e roteirista se volta para o outro termo da oposição mais arquetípica desta espécie bípede: é a vez de Amor (“Amour”, 2012). O que é que há (se é que existe algo) por trás dessa palavrinha tão maltratada nesta era do “amor líquido” (um amor de consumo imediato, facilmente perecível), segundo o sociólogo Zygmunt Bauman? Existirá uma constância nas relações? Uma verdadeira intimidade? Um ato de entrega que pode chegar ao ponto do (auto) sacrifício?

O estilo sóbrio e fixo da câmera de Haneke, a raridade dos primeiros planos (pois não se faz uma perscrutação das subjetividades, mas do que estas acarretam em termos de experiências e relações; o ser-estar no mundo), a ausência total de trilha sonora e a preferência pelos “tempos mortos” da ação, tudo isso é o modo de operação privilegiado para levar o espectador a mergulhar na vida cotidiana das personagens, na qual o tal do amor será gradativamente posto à prova. O cineasta não nos convida a observar pelo buraco da fechadura a intimidade de um casal octagenário; ele nos empurra para o meio da sala, do quarto, da cozinha, do banheiro, etc.

É como se estivéssemos presentes de corpo e alma, atônitos, em uma situação que vai se configurando e revelando vagarosamente como situação-limite. Eis a medida do sadismo de Michael Haneke, que não deixa de se fazer menos contundente aqui do que em seus outros filmes, supostamente mais violentos. O olhar que o diretor nos propõe não tem nada de condescendente, e o seu sadismo, por outro lado, está longe de ser do tipo fetichista (quinhão de gente como Lars Von Trier, por exemplo). A vivisecção empreendida pela câmera, aqui, imita o gesto desinteressadamente apaixonado de um pensador clássico.

Agindo dessa maneira, Amor passa ao largo de extremos igualmente perigosos: moral e amoral seriam soluções demasiadamente fáceis, pílulas de felicidade que nos fariam esquecer a dor real, mas manteriam o pensamento por demais intransigente. A angustiante inquietação com que Haneke nos deixa, na conclusão de seu filme-investigação, não é saber se existe ou não o amor, ou qual a sua natureza intrínseca. O amor pode até existir, mas estará indissociavelmente relacionado a um tal vivido que, se não formos nós os seus personagens, muito dificilmente o compreenderemos. Com isso, qualquer julgamento, seja moral, amoral ou imoral, será absolutamente impertinente.

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