Até o último fôlego
Drive (EUA, 2011) é um passo importante no
reconhecimento do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn. Ganhou o prêmio de
melhor diretor em Cannes, tendo sido indicado também à Palma de Ouro. Refn já
vem sendo acompanhado há algum tempo pela crítica internacional. Quanto à
brasileira, que acaba de descobri-lo... Enfim, o tom geral do que se leu em jornais e revistas nacionais
a respeito do lançamento de Drive era:
“bom diretor, na linha de Tarantino”, ou então: “mau diretor, imitador de
Tarantino”. Limitação de repertório é doença grave, pessoal. Eis os fatos: Refn
é, praticamente, da mesma geração de Quentin Tarantino: Drive já é o nono longa-metragem do cineasta, que iniciou a
carreira no longínquo 1996, com Pusher
(só recentemente lançado em DVD no Brasil).
Agora, uma
crítica negativa que se pode fazer a ele é a mesma que servirá de carapuça
(quem tiver coragem de aplicá-la) ao autor de Kill Bill: seus filmes são uma série de “mash-ups” nos quais se
encontram arrolados e passados a ferro, sistematicamente, os ídolos do “jovem”
diretor e os filmes que o levam, muito provavelmente, a se morder de inveja de
ter criado (lembremos que a nova “empreitada” de Tarantino, atualmente, é um western). No entanto, há uma boa
diferença aí: Nicolas Refn é mais sutil nas intertextualidades, o que concede
aos seus longas um ar de menor submissão às fontes inspiradoras. De qualquer
maneira, vivemos nos tempos do “vintage”, não? Coisa chique!
Drive já abre com o estilo “Miami Vice” dos
créditos em rosa-shocking, enquanto a sequência inicial emula a passo firme as
fitas de car chase dos anos 60 / 70,
como Bullitt (1968) e Vanishing Point (1971). E também não nos
esqueçamos de jogar no caldeirão os polêmicos games do gênero de Grand Theft
Auto (GTA) e Driver, que muito
ajudaram a definir a geração dos jogos eletrônicos dos anos 2000. Tudo isso
marca o retorno de Refn ao estilo gangsta
das suas primeiras produções, como o já citado Pusher (que teve mais duas continuações), além de Bleeder (1999). Ficam na geladeira, por
ora, a poesia surrealista de Medo X (“Fear
X”, 2003), a poesia satírica de Bronson
(2008), e a poesia épica de O Guerreiro
Silencioso (“Valhalla Rising”, 2009).
Apesar de Drive não ter sido roteirizado pelo
próprio diretor (o que é incomum em sua carreira), e de esta não ser a sua
melhor obra até o momento (na opinião do autor de Sombras Elétricas, tal título
será dado a Medo X), o filme contribui
para firmar uma temática bem cara ao cineasta: que é aquela do velho “a bout de
souffle” de Godard. Os protagonistas de Refn são homens sérios e ridículos ao
mesmo tempo. Em alguns momentos são pacíficos, quase “zen”; em outros, explodem
numa descontrolada orgia de violência e sangue. Por que isso? Trata-se de
homens acuados, acossados:
pobres-diabos que, assim como animais selvagens, uma vez encurralados,
tornam-se particularmente perigosos.
Eis o anti-herói
inominado de Drive (Ryan Gosling).
Não apenas a sua identidade, mas a sua própria existência é vaga, em constante
ameaça de extinção absoluta (como se houvesse muito o que extinguir), o que faz
com que o jovem mecânico e dublê de cenas de ação com automóveis em Hollywood
(a profissão já é simbólica para o personagem underdog – o “perdedor”, o “bode-expiatório”, o “bucha-de-canhão”),
além de motorista de heist jobs (roubos
armados) nas horas vagas, permaneça em constante movimento, sem attachments (apegos, afetos,
responsabilidades de longo prazo), pois ele sabe que são bem perigosos,
comprometedores.
No entanto, é claro que ele vai, imprudentemente, quebrar a própria
regra, ao tentar ajudar o marido da mulher por quem se apaixona (Carey
Mulligan), o qual tem contas a pagar no submundo – ele é ex-presidiário. Na
tentativa de preservar a unidade de uma família já bastante fragilizada (a
esposa e o filho pequeno já estão a sofrer ameaças), o motorista sem nome, mas
de bom coração (não, ele não é um misantropo completo), decide prestar os seus talentosos
serviços, gratuitamente. Mas, já se sabe como as coisas funcionam (ou melhor,
não funcionam) nos filmes: o que era para ser um trabalho simples, rápido e definitivo
toma um outro rumo, e o driver terá
que se virar e revirar para se desenrolar da situação, até o último fôlego.
Nenhum comentário:
Postar um comentário