segunda-feira, maio 21, 2012

Drive



Até o último fôlego

Drive (EUA, 2011) é um passo importante no reconhecimento do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn. Ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, tendo sido indicado também à Palma de Ouro. Refn já vem sendo acompanhado há algum tempo pela crítica internacional. Quanto à brasileira, que acaba de descobri-lo... Enfim, o tom geral do que se leu em jornais e revistas nacionais a respeito do lançamento de Drive era: “bom diretor, na linha de Tarantino”, ou então: “mau diretor, imitador de Tarantino”. Limitação de repertório é doença grave, pessoal. Eis os fatos: Refn é, praticamente, da mesma geração de Quentin Tarantino: Drive já é o nono longa-metragem do cineasta, que iniciou a carreira no longínquo 1996, com Pusher (só recentemente lançado em DVD no Brasil).

Agora, uma crítica negativa que se pode fazer a ele é a mesma que servirá de carapuça (quem tiver coragem de aplicá-la) ao autor de Kill Bill: seus filmes são uma série de “mash-ups” nos quais se encontram arrolados e passados a ferro, sistematicamente, os ídolos do “jovem” diretor e os filmes que o levam, muito provavelmente, a se morder de inveja de ter criado (lembremos que a nova “empreitada” de Tarantino, atualmente, é um western). No entanto, há uma boa diferença aí: Nicolas Refn é mais sutil nas intertextualidades, o que concede aos seus longas um ar de menor submissão às fontes inspiradoras. De qualquer maneira, vivemos nos tempos do “vintage”, não? Coisa chique!

Drive já abre com o estilo “Miami Vice” dos créditos em rosa-shocking, enquanto a sequência inicial emula a passo firme as fitas de car chase dos anos 60 / 70, como Bullitt (1968) e Vanishing Point (1971). E também não nos esqueçamos de jogar no caldeirão os polêmicos games do gênero de Grand Theft Auto (GTA) e Driver, que muito ajudaram a definir a geração dos jogos eletrônicos dos anos 2000. Tudo isso marca o retorno de Refn ao estilo gangsta das suas primeiras produções, como o já citado Pusher (que teve mais duas continuações), além de Bleeder (1999). Ficam na geladeira, por ora, a poesia surrealista de Medo X (“Fear X”, 2003), a poesia satírica de Bronson (2008), e a poesia épica de O Guerreiro Silencioso (“Valhalla Rising”, 2009).

Apesar de Drive não ter sido roteirizado pelo próprio diretor (o que é incomum em sua carreira), e de esta não ser a sua melhor obra até o momento (na opinião do autor de Sombras Elétricas, tal título será dado a Medo X), o filme contribui para firmar uma temática bem cara ao cineasta: que é aquela do velho “a bout de souffle” de Godard. Os protagonistas de Refn são homens sérios e ridículos ao mesmo tempo. Em alguns momentos são pacíficos, quase “zen”; em outros, explodem numa descontrolada orgia de violência e sangue. Por que isso? Trata-se de homens acuados, acossados: pobres-diabos que, assim como animais selvagens, uma vez encurralados, tornam-se particularmente perigosos.

Eis o anti-herói inominado de Drive (Ryan Gosling). Não apenas a sua identidade, mas a sua própria existência é vaga, em constante ameaça de extinção absoluta (como se houvesse muito o que extinguir), o que faz com que o jovem mecânico e dublê de cenas de ação com automóveis em Hollywood (a profissão já é simbólica para o personagem underdog – o “perdedor”, o “bode-expiatório”, o “bucha-de-canhão”), além de motorista de heist jobs (roubos armados) nas horas vagas, permaneça em constante movimento, sem attachments (apegos, afetos, responsabilidades de longo prazo), pois ele sabe que são bem perigosos, comprometedores.

No entanto, é claro que ele vai, imprudentemente, quebrar a própria regra, ao tentar ajudar o marido da mulher por quem se apaixona (Carey Mulligan), o qual tem contas a pagar no submundo – ele é ex-presidiário. Na tentativa de preservar a unidade de uma família já bastante fragilizada (a esposa e o filho pequeno já estão a sofrer ameaças), o motorista sem nome, mas de bom coração (não, ele não é um misantropo completo), decide prestar os seus talentosos serviços, gratuitamente. Mas, já se sabe como as coisas funcionam (ou melhor, não funcionam) nos filmes: o que era para ser um trabalho simples, rápido e definitivo toma um outro rumo, e o driver terá que se virar e revirar para se desenrolar da situação, até o último fôlego.

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