sexta-feira, fevereiro 25, 2011

Os Viciados


Os Viciados (“The Panic in Needle Park”, EUA, 1971, dir.: Jerry Schatzberg) poderia ser a tradução perfeita para Heroin, música fantástica escrita por Lou Reed e gravada pelo Velvet Underground em 1967. Tão perfeita quanto o filme é absolutamente desprovido de qualquer música incidental, rodado que foi num estilo verité que acompanha as perambulações de um jovem casal viciado pelas ruas de Nova York – particularmente nos arredores das praças apelidadas, não por acaso, de “Parque da Agulha” (e que está no título original da película). O burburinho que se levanta das calçadas sujas lembra alguma versão pós-moderna e maldita dos poemas de Walt Whitman.

O casal em questão é formado por Bobby, um pequeno traficante (Al Pacino, no segundo papel de sua carreira), e Helen, uma jovem artista plástica que se apaixona por ele e acaba também entregue de corpo e alma à heroína (Kitty Winn, que ganhou um Oscar pela atuação). Mais uma vez: o estilo naturalista é o maior encanto deste filme. Ver Bobby e Helen zanzando perdidos no meio da multidão, como cães sarnentos; ver as escolhas exatas que o diretor faz em relação ao que deverá ficar em foco e o que deverá aparecer “borrado”, às vezes tentando umas mudanças desconcertantes; ver os não menos perturbadores primeiríssimos planos, principalmente aqueles que mostram as injeções da droga e as expressões faciais dos seus usuários quando “bate” o efeito.

Coloque-se tudo isso no drama que é a vida de cada um desses indivíduos e os seus relacionamentos, manifestado com maestria pelos atores protagonistas, e teremos a marca indelével da grande sensibilidade que o cineasta Jerry Schatzberg possui para as questões humanas mais “cabeludas” – a qual desenbocaria, logo em seguida, na obra-prima O Espantalho (“Scarecrow”, 1973). Não temos aqui a cumplicidade lisérgica que Danny Boyle nos oferecerá em espetáculo grotesco com Trainspotting (1996), e sim a sobriedade, a simplicidade e a seriedade do artista que abraça o seu tema sem perder o distanciamento da reflexão.

Schatzberg faz bom proveito de cenas que martirizam o espectador e cutucam o seu pensamento, sem qualquer signo de violência física, pois o que está em jogo aqui é o choque de impressões subjetivas não menos traumatizantes – tudo em favor do realismo do drama. Um momento antológico do filme é aquele que mostra um grupo de viciados exercendo os seus rituais bizarros de auto-destruição no pequeno cômodo de um apartamento semi-miserável, hospedados que foram por uma mulher que mantém, não obstante, o seu bebê na cama e no colo o tempo todo. Outro acontecimento notável é a morte (acidental) do fofíssimo filhote de golden retriever que Bobby e Helen tinham acabado de comprar, descuidando dele por alguns momentos, enquanto injetavam mais uma dose.

Bebês e cachorrinhos, dois elementos fortemente carregados de afetos positivos, de ingenuidade, de pureza; no entanto, suas imagens serão terrível e irremediavelmente conspurcadas pelo simples fato de aparecerem no mesmo plano em que vemos os horrores produzidos pelo vício em pessoas que, mesmo assim, não largam mão de lutar para reencontrar a idade perdida. A experiência de testemunhar tais antíteses, ainda que na ficção, é dolorida para o espectador. Talvez até mais do que a de uma violência explícita e sanguinolenta. Diante disso, Danny Boyle parecerá bobo, ou oportunista, em mostrar o cadáver putrefato de um recém-nascido no filme citado mais acima. Jerry Schatzberg é sutil, e o final deixa bem claro que este é um tipo de filme que não se faz mais hoje em dia.

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