quarta-feira, junho 30, 2010

Toy Story 3


Definitivamente a Pixar representa, hoje, o que há de melhor no cinema industrial norte-americano. A qualidade dos roteiros e da mise en scène das suas produções nos leva a refletir muito entusiasticamente sobre elas para além da categoria de “animação”. Mesmo dentro desta, a qualidade tecnológica cada vez mais impressionante da computação gráfica é o que menos deverá chamar a atenção do cinéfilo sensível ao que a arte das imagens em movimento tem de mais elementar. Tomemos como exemplo o curta que abre este Toy Story 3 (2010, dir.: Lee Unkrich), chamado Dia e Noite (2010, dir.: Teddy Newton), que não tem mais do que 6 minutos.

Apesar da intensa evolução nos longas, principalmente com Wall-E (2008), a pièce de résistance dos estúdios Pixar continua sendo os “short films”. Neste diálogo bastante imaginativo entre o “Dia” e a “Noite”, toda a fabulação é construída tomando como fundações os dois recursos de linguagem mais essenciais não só da poética do cinema de animação como também das narrativas tradicionais que este veículo atualiza: a prosopopeia e a onomatopeia. A primeira funciona dentro de um processo de alegorização que remete ao teatro popular medieval, que inspirou o grande dramaturgo humanista português Gil Vicente a escrever, dentre outras obras, o Auto da Lusitânia – com o seu famoso diálogo entre “Todo Mundo” e “Ninguém”.

A segunda presenteia o filme com uma poética às avessas: ao invés de a língua tentar representar sons “naturais”, são estes que mimetizam a linguagem verbal articulada. Quanto à história, a relação de competição e companheirismo entre os personagens faz ecoar as polêmicas relações entre as técnicas mais antigas de animação e as mais modernas, uma vez que o contorno antropomórfico do “Dia” e da “Noite” é feito através de animação tradicional: eles se destacam sobre o fundo preto da tela, lembrando os antigos desenhos feitos na própria película; enquanto o preenchimento dos seus corpos se faz com as respectivas paisagens diurna e noturna, animadas em computação gráfica.

Assistir a isso em uma sala I-MAX 3D produz um efeito bem peculiar do ponto de vista estético: as partes escuras da tela ocupam todo o nosso campo de visão, como se não existisse universo além dos bonecos que representam o dia e a noite. E os seus corpos permitem que o 3D exerça aquela que acreditamos ser a sua maior vocação – que é a do próprio cinema (já discutida aqui a respeito de Avatar): abrir-se em janela para o mundo, funcionando mais como um baixo-relevo do que como um alto-relevo (o lugar-comum da técnica). Mais uma vez, os trabalhos da Pixar parecem frutos de intensa pesquisa e experimentação, com vistas a produzir obras inquietantes e pioneiras.

Enfim, só a abertura já vale o programa. Mas eis que vem a terceira – e pelo jeito, a última – parte da saga de Woody, Buzz e seus companheiros de plástico. Mantém-se a tradição do estúdio, nesta trilogia principalmente, de incluir temas graves em histórias “para crianças”. Mas nunca a morte apareceu de forma tão dramática quanto neste Toy Story 3. A cena que se passa no incinerador é impressionante e inesperada – ainda que não o seja o seu desfecho, afinal, este continua sendo um filme da indústria. A maturidade da equipe criativa se revela na mistura equilibrada entre gêneros e no diálogo com a tradição cinematográfica.

Boa parte de Toy Story 3 lembra ora filmes de prisão, ora filmes de manicômio. Uma cena engraçada é a que faz alusão à Fuga de Alcatraz (“Escape from Alcatraz”, 1979, dir.: Don Siegel), com o Sr. Batata utilizando-se do mesmo expediente de Clint Eastwood para fazer com que sua ausência da cela passe desapercebida. O importante é que os roteiristas não procuram reinventar a roda, ou seja, criar a sua história e trabalhar os temas como se ninguém no cinema jamais houvesse feito algo parecido antes. Por outro lado, o desenho não é uma colagem inconsequente de todas as intertextualidades, submissa aos “grandes mestres”.

É difícil produzir uma obra consciente de seu lugar na história e que saiba incorporar e processar as fontes tanto quanto manter alguma dose de originalidade. Ainda mais dentro de um sistema industrial cujos códigos e coerções já estão para lá de cristalizados. Mas os profissionais da Pixar aparentemente conseguem. É por isso que Toy Story 3 é capaz de ostentar o selo Disney e ainda ser (quase) tão convincente quanto qualquer produção independente e (ou) experimental, enquanto que a Alice de Tim Burton... bem, deixa para lá, nem vale a pena.

Enfim, a maior qualidade aqui parece ser: dentro de todas as convenções dos gêneros habitualmente trabalhados pela animação (sejam estes propriamente infantis ou adultos), a equipe do filme incutiu doses sólidas, equilibradas e muito bem seguras de drama. Pode-se dizer que a força dramática de Toy Story 3 supera até mesmo a de Wall-E (o qual, não obstante, continua sendo a obra-prima do estúdio). Entenda-se bem: não se trata de carga dramática, mas de força dramática. Não basta saturar um filme de conteúdo dramático, ou dramatizar o conteúdo. A qualidade artística não se prende à mera presença de um recurso técnico.

Transformar uma “carga” em “força” é quase um processo mágico, uma alquimia que somente a mistura de sensibilidade, talento, experiência e trabalho dentro do artista verdadeiro saberá produzir.

6 comentários:

Wally disse...

Realmente, só o curta-metragem já valeria a sessão. Mas "Toy Story 3" é mais um filme magnífico da Pixar - emocionalmente arrebatador.

Karen disse...

Toy Story 3 é um dos melhores filmes que vi nos últimos tempos. Sem mais. :)

André Renato disse...

Isso aí, galera! Tem sido uma delícia e um alívio ver qualquer novo rebento da Pixar Animation Studios...

Anônimo disse...

Já assistiu a Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar??

Lindo.

André Renato disse...

Quero muito ver! Estreia hoje, não?

Adoro "A Viagem de Chihiro", mas ainda preciso ver "O Castelo Animado" também...

Unknown disse...

Ótimo, o que 10 anos de idade gostei, minha pequena gostei e tenho certeza que assim como milhões de pessoas. Para mim, foi inesquecível e maravilhoso, acho que a espera valeu a pena, sem dúvida que Toy Story 3 é um dos filmes infantis que marcaram jovens e velhos, uma mistura com alguma emoção foram a combinação perfeita para não apenas entreter o público, mas também para cativar. Ótimo, ótimo filme que não me canso de dizer isso.