quinta-feira, janeiro 21, 2010

Comparações


Quando se fala em artes, a gente aprende não só com os bons exemplos, mas também com os maus. As grandes porcarias são tão didáticas quanto as obras-primas. Comparar-se então as duas é algo que funciona perfeitamente bem. Ainda mais quando se trata de dois filmes com a mesma temática, ou com as mesmas fontes de inspiração estética (deixo de fora, por enquanto, o infame caso das refilmagens). Bem, para que estou falando disso? Apenas para sugerir que todos assistam e comparem estes dois filmes:
 
A Hora do Lobo (1968), de Ingmar Bergman
 
Anticristo (2008), de Lars Von Trier
 
O segundo é, como boa parte da obra do seu diretor, uma grande picaretagem. Von Trier não passa de um marketeiro da "pós-mudernidade". É muito discurso para pouca realidade. E um discurso que não vai lá muito além da visão de mundo sorumbática de um típico "garoto enxaqueca" (alguém lembra dele?). "Ah, mas o cineasta dinamarquês, um dos ideólogos do DOGMA-95, é um grande polemicista!" – alguém poderia contra-argumentar. Que gracinha! Garotos de 08 anos também são "grandes polemicistas"...
 
De qualquer maneira, pegue-se a primeira cena de Anticristo e jogue-a nas mãos de qualquer um daqueles cineastas "da crueldade" de que fala André Bazin: teríamos facilmente, a partir dela, um grandessíssimo filme. E convenhamos: é piada aquele infeliz querer dedicar a película dele a Andrei Tarkovski, né? "Ah, Lars Von Trier é um grande provocador!..." Nesse sentido, os imbecis dos formandos que pixaram a Faculdade de Belas Artes em São Paulo também são grandes provocadores, não?
 
Como é odiosa e ridícula a condescendência com que os "críticos" tratam qualquer cineasta moderninho! Prefiro, só de raiva dessa pseudo-"inteligentzia", pagar pau para Michael Bay... Enfim, quem discorda de mim que assista – é um favor que você faz a si mesmo – à Hora do Lobo. A intriga é praticamente a mesma, na essência. Mas aqui temos um filme de verdade, de um cineasta com visão de mundo de verdade. Aliás, não é nem um pouco à toa que Bergman é um dos ídolos de Tarkovski.
 
Não farei nenhuma análise mais extensa de nenhum dos dois filmes. Não quero. Não precisa. Assista aos dois com muita atenção e carinho, e depois, trocaremos idéias. Pois o discurso unilateral (ao contrário do que alguns pensam) não explica tudo; só o diálogo, só as experiências compartilhadas é que nos fazem mergulhar de fato em um filme, às vezes. Enfim, a Trier só digo o seguinte: cinema de verdade é pra quem pode, não pra quem quer. Quem pode, inspira-se pelos grandes clássicos; quem não pode, alopra (fazer o quê?)...

3 comentários:

Wanderson Lima disse...

Não só Trier, mas a maior parte dos cineastas atuais sairiam massacrados diante de uma comparação com Bergman. Este tipo de argumento não convence nem ajuda em nada. Imagina eu querer desqualificar um romance contemporâneo porque não atinge o nível de um Kafka, um Musil ou de um Joyce!Usar um "clássico" como "corretivo", como pretexto para desqualificar uma obra que, temporalmente, nem sequer podemos julgar na sua inteireza me parece equívoco, senão uma pedagogia autoritária. Nem eu, nem vc, nem ninguém está acima das contigencias do presente e, portanto, somos, neste sentido, incapazes de emitir um juízo objetivo, ainda mais no âmbito estético. Mas, certamente, podemos estabelecer parâmetros (fundados na estética, ou na ética, ou na religião, ou no sentido de revolução, etc) do que seja um bom filme e , a partir deles elogiar ou meter o pau. O problema é que, quando os parâmetros não ficam ao menos subentendidos no texto,só sobra a autoridade do sujeito que emite os juízos. E foi isso que aconteceu: vc apenas usou seu "capital simbólico" para desqualicar o Trier. Sinceramente, eu, que sou seu admirador e leitor, prefiro vê-lo desqualificando filmes a partir de julgamente morais (como fez com o Claudio Assis) ou técnicos-estéticos (como faz com brilho muitas vezes).

André Renato disse...

Olá, Wanderson! Valeu pela crítica!Vamos trocar idéias:

Este texto acabou saindo mais subjetivo mesmo, concordo com você. Eu o escrevi meio apressadamente e muito movido pelo desgosto que tenho em relação a alguns filmes de Trier e mais ainda pelo desgosto em relação à sobrevalorização que me parece que alguns círculos dão para eles.

Não quis fazer nenhuma análise mais extensa dos dois filmes, por isso os parâmetros segundo os quais emiti minhas opiniões podem não ter ficado claros. Mas um deles poderia ser o seguinte: todo discurso é carregado da visão de mundo, da ideologia (re)produzida por seu enunciador. O diferencial do cinema e da arte clássicos para mim é que neles, geralmente, a ideologia aparece mais sublimada numa forma narrativo-estética. Já em Von Trier, as idéias de que o diretor tenta nos convencer ficam marteladas com muita força no plano discursivo (explícito) do filme, e não de uma maneira mais "natural" (implícita) na própria narrativa. Por isso o caráter "publicitário" que apontei no texto.

Tendo o propósito de chocar explicitamente, o filme perde em sutilezas que para mim são fundamentais em qualquer produção artístico-cultural.

De qualquer maneira, achei interessante comparar as duas maneiras bem diferentes de realizar filmes com algumas temáticas bem parecidas.

Ainda assim, concordo com você e não acho que devamos esperar um Joyce em qualquer novo romance. Mas algumas coisas, por bem ou por mal, mexem com a gente...

Wanderson Lima disse...

Caro André, muito obrigado pela generosidade do diálogo e pelos pertinentes esclarecimentos. Particularmente, penso que Trier resolve nas operações simbólicas o que Bergman, mais "artista", resolve mais propriamente na "linguagem" cinematográfica. Não digo com isso que Bergman não se valha de símbolos, digo apenas que ele não se "escora" nos símbolos, como de alguma forma faz o Trier. De qualquer forma, não vejo esta opção do Trier como defeito. Por mais falastrão e marqueteiro que seja, Trier, ao meu ver, criou uma grande obra, e a partir de referenciais religiosos-filosóficos pouco usuais na voga cinematográfica atual. Além de Bergman, Anticristo também me fez lembrar o Repulsa ao sexo, do Polanski [P.S. - escrevi sobre Anticristo, assim que ele saiu, no meu blog ("O fazedor") e na revista RUA.