O Cinema pode não ser necessariamente um “campo de batalha”, como quis Samuel Fuller, mas alguns filmes possuem tanta coragem que merecem medalhas de honra. Um deles é O Caminho do Diabo (“The Devil’s Doorway”, EUA, 1950), dirigido por Anthony Mann, um dos mestres do faroeste norte-americano, que também se notabilizou em outros gêneros, sendo responsável pelos sucessos épicos de El Cid (1961) e de A Queda do Império Romano (1964). Mann também começou a filmar Spartacus (1960), mas desentendimentos com o estúdio fizeram a bola ser passada para Stanley Kubrick. O Caminho do Diabo é quase o primeiro (tirando Broken Arrow, dirigido por Delmer Daves no mesmo ano) a colocar o índio como indivíduo consciente e vítima do processo de ocupação do oeste, e não mais como um selvagem ingênuo ou cruel. Por isso, o estúdio (MGM) relutou em lançá-lo, mas quando o fez, o filme mostrou a que veio, causando muito impacto nos espectadores em geral e polêmica em críticas mais negativas.
O enredo trata de Lance Poole (Robert Taylor), um índio shoshone que retorna à sua terra e ao seu povo no estado do Wyoming após ter lutado como alto oficial (comandando homens brancos) pelos exércitos da União, na Guerra Civil. Porém, como é comum no cinema norte-americano, o filho pródigo que à casa torna não encontrará as coisas na mesma situação em que as deixou, e sim muito piores, dificultando muito sua adaptação a elas. No caso, o mesmo governo que Lance defendeu na guerra está investindo na ocupação de terras livres, incentivando com muitas facilidades os pioneiros que tomarem conta delas. Entretanto, algumas dessas terras “livres” pertencem à família de Lance Poole há incontáveis gerações. E aí, como é que fica? O resultado final facilmente já se adivinha.
O bravo e pobre Poole passa a sofrer um tratamento muito pior do que aquele que sempre fora dispensado ao seu pai (o líder da tribo). Na cidade e na região em redor, ele só encontra segregação, em todas as formas. Mas enfrenta os bullies (os valentões racistas) de cabeça e punho erguidos – afinal, ele é um soldado, tendo recebido até mesmo a medalha de honra do congresso (a maior honraria concedida até hoje pelo governo norte-americano). Quanto à questão territorial, Lance Poole, como bom cidadão civilizado, busca primeiramente consolidar e formalizar a posse de suas terras pelos meios legais; para tanto, procura um advogado, que descobre ser uma mulher. As minorias então se unem: Poole e a jovem advogada O. Masters (Paula Raymond) tentam de todas as maneiras civilizadas ajudar a tribo dos shoshone. Sem resultado.
Pressionado pelos fazendeiros e por um advogado racista (Louis Calhern), Lance Poole não retrocede e decide entocar-se em sua propriedade, defendendo-a com toda a força bruta que for necessária. A situação piora quando a tribo recebe um grupo de refugiados fugidios de uma “reserva” indígena, que ficaram sabendo que Poole estava conseguindo manter sua larga propriedade nas mãos. É preciso entender e levar em consideração aqui a forte ligação afetiva e cultural entre o índio e sua terra natal. O deslocamento para “reservas” é simplesmente inaceitável. Uma outra guerra então começa. Uma outra guerra trágica de “secessão”, muito mais pertinente e traumática do que a primeira.
A jovem advogada, preocupada com o massacre verdadeiramente selvagem que será perpetuado pelos fazendeiros que querem fazer “justiça” com as próprias mãos, decide contatar a cavalaria federal, para mediar e controlar o conflito. As tropas chegam; mesmo assim, Lance Poole não se rende. A batalha dura até que o líder (último homem de pé), levando um tiro mortal, faz um acordo com a cavalaria, de que as mulheres e crianças da tribo sejam conduzidas em segurança até a reserva. A cena final é digna dos melhores westerns: Lance Poole, vestindo o casaco de sua farda militar, é saudado em continência pelo comandante da cavalaria, que pergunta sobre os outros homens da tribo. Poole responde: “Morremos todos”. E cai.
Alguém me diga que filme contemporâneo, de conteúdo político polêmico, é realizado de modo tão contundente e ao mesmo tempo tão sutil? A arte de Anthony Mann é insuperável. A fotografia é composta de várias “pinturas”: os enquadramentos são compostos num delicado jogo de forças entre os elementos, procurando colocar o máximo possível na tela, da maneira a mais expressiva possível, trabalhando muito com a profundidade de campo, com os maravilhosos contrastes entre a luz e a sombra no preto-e-branco, com a bela e panorâmica paisagem montanhesa do Wyoming, filmada em locação (aqui sentimos a falta da cor). O domínio da linguagem e da arte cinematográfica é exemplar, temos aqui o melhor do cinema clássico de Hollywood.
O enredo trata de Lance Poole (Robert Taylor), um índio shoshone que retorna à sua terra e ao seu povo no estado do Wyoming após ter lutado como alto oficial (comandando homens brancos) pelos exércitos da União, na Guerra Civil. Porém, como é comum no cinema norte-americano, o filho pródigo que à casa torna não encontrará as coisas na mesma situação em que as deixou, e sim muito piores, dificultando muito sua adaptação a elas. No caso, o mesmo governo que Lance defendeu na guerra está investindo na ocupação de terras livres, incentivando com muitas facilidades os pioneiros que tomarem conta delas. Entretanto, algumas dessas terras “livres” pertencem à família de Lance Poole há incontáveis gerações. E aí, como é que fica? O resultado final facilmente já se adivinha.
O bravo e pobre Poole passa a sofrer um tratamento muito pior do que aquele que sempre fora dispensado ao seu pai (o líder da tribo). Na cidade e na região em redor, ele só encontra segregação, em todas as formas. Mas enfrenta os bullies (os valentões racistas) de cabeça e punho erguidos – afinal, ele é um soldado, tendo recebido até mesmo a medalha de honra do congresso (a maior honraria concedida até hoje pelo governo norte-americano). Quanto à questão territorial, Lance Poole, como bom cidadão civilizado, busca primeiramente consolidar e formalizar a posse de suas terras pelos meios legais; para tanto, procura um advogado, que descobre ser uma mulher. As minorias então se unem: Poole e a jovem advogada O. Masters (Paula Raymond) tentam de todas as maneiras civilizadas ajudar a tribo dos shoshone. Sem resultado.
Pressionado pelos fazendeiros e por um advogado racista (Louis Calhern), Lance Poole não retrocede e decide entocar-se em sua propriedade, defendendo-a com toda a força bruta que for necessária. A situação piora quando a tribo recebe um grupo de refugiados fugidios de uma “reserva” indígena, que ficaram sabendo que Poole estava conseguindo manter sua larga propriedade nas mãos. É preciso entender e levar em consideração aqui a forte ligação afetiva e cultural entre o índio e sua terra natal. O deslocamento para “reservas” é simplesmente inaceitável. Uma outra guerra então começa. Uma outra guerra trágica de “secessão”, muito mais pertinente e traumática do que a primeira.
A jovem advogada, preocupada com o massacre verdadeiramente selvagem que será perpetuado pelos fazendeiros que querem fazer “justiça” com as próprias mãos, decide contatar a cavalaria federal, para mediar e controlar o conflito. As tropas chegam; mesmo assim, Lance Poole não se rende. A batalha dura até que o líder (último homem de pé), levando um tiro mortal, faz um acordo com a cavalaria, de que as mulheres e crianças da tribo sejam conduzidas em segurança até a reserva. A cena final é digna dos melhores westerns: Lance Poole, vestindo o casaco de sua farda militar, é saudado em continência pelo comandante da cavalaria, que pergunta sobre os outros homens da tribo. Poole responde: “Morremos todos”. E cai.
Alguém me diga que filme contemporâneo, de conteúdo político polêmico, é realizado de modo tão contundente e ao mesmo tempo tão sutil? A arte de Anthony Mann é insuperável. A fotografia é composta de várias “pinturas”: os enquadramentos são compostos num delicado jogo de forças entre os elementos, procurando colocar o máximo possível na tela, da maneira a mais expressiva possível, trabalhando muito com a profundidade de campo, com os maravilhosos contrastes entre a luz e a sombra no preto-e-branco, com a bela e panorâmica paisagem montanhesa do Wyoming, filmada em locação (aqui sentimos a falta da cor). O domínio da linguagem e da arte cinematográfica é exemplar, temos aqui o melhor do cinema clássico de Hollywood.
O Caminho do Diabo foi o primeiro de muitos faroestes realizados por Anthony Mann, dos quais também se destacam Winchester 73 (idem, 1950), E o Sangue Semeou a Terra (“Bend of the River”, 1952), O Preço de um Homem (“The Naked Spur, 1952) e O Homem dos Olhos Frios (“The Tin Star”, 1957), estrelados por grandes atores como James Stewart, Gary Cooper e Henry Fonda.
2 comentários:
Vi dia desses The Naked Spur na TV e achei-o muito bom também. Baixou esse daí também? Estou para entrar na era da baixaria logo, logo. Não curto muito, mas às vezes, só apelando para a baixaria para se achar determindas raridades, hehehe. Um abraço.
"O Caminho do Diabo" eu vi na TV (no TCM). Eu também não curto baixaria, mas às vezes não tem outro jeito...
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